sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

A venenosa Nereida!


Ora, todas as noites de lua cheia, Indra aparecia sob a forma dum fantástico elefante branco, e, com a sua tromba majestosa, levava-a para a sua morada distante onde, secretamente, se dava uma noite de amor e compaixão, onde quanta beleza fora contemplada em ambas as sociedades, tanto hindu, quanto atlante.
E aquela noite era especial, pois Indra arranjara finalmente coragem para pedir o consentimento de Neptuno para dar a sua filha.
Contudo, estava atrasado, pois já o Sol aparecia e Neptuno ainda não vira de volta os olhinhos mais queridos de Eleonora. Era uma antiga tradição o pai ver o noivo antes da noiva, mas, naquele caso, Neptuno já sabia que aqueles dois estavam pré-destinados um ao outro, desde que nasceram. Na verdade, Eleonora começou a ficar com medo, logo que os pássaros e os animais pararam de de se mexer. Aquilo não era obra de um lobo, dum tigre ou de uma serpente. Esperava que o seu valoroso príncipe encantado das Índias de vinte e três anos viesse buscá-la no seu elefante e vivessem felizes para sempre numa terra de conto de fadas.
Adorava os braços fortes de Indra que a afagereria tão carinhosamente; os seus lábios firmes que ela sonhava poder tocar mal ele dissesse o “sim” qual pequenas formigas delicadas; os seus olhos castanhos e honestos, o tronco másculo deste...Enfim, Eleonora era louca pelo deus, e, dentro de semanas, quando fizesse os seus dezassete anos, os destinos de ambos seriam unidos pelos céus divinos e pelo amor...!
Tão perdida estava ela naqueles devaneios infantis que nem reparou num peixe, prateado e esguio que se debatia na terra para sobreviver.
- Eleonora! – Chamou numa voz meiga, mas fraca. – Princesa Eleonora! Ajudai-me, por Deus!
A rapariga, inteligente como era, primeiro desconfiou dos pedidos de socorro daquele ser. Franziu o sobrolho ao se debruçar cuidadosamente na relva fresca. Viu o elegante peixe de cinquenta centímetros a sufocar, e a saltitar de um lado para o outro.
Como poderia um peixe falar...? Aquilo era quase tão impossível de acontecer como o estranho atraso do amigo Indra.
Encolheu os ombros, um pouco confusa e atrapalhada, sem saber o que havia de fazer ao coitado animal.
Correria o risco de confiar num peixe falante, ou faria a coisa mais certa e o devolveria ao seu verdadeiro habitat?
Era uma escolha um pouco difícil de fazer...Meditou durante um momento, a tentar ignorar a voz doce do peixe.
Como rapariga bondosa e misericordiosa que era, Eleonora não deixou de ter pena do pobrezinho.
Então, com um carinho e preocupação de mãe, apanhou-o delicadamente, e, num instante, deitou-o com muita cautela ao lago – o mais cauteloso que se pudesse ser quando o peixe enorme, um salmão, pesava quarenta quilos.
Mal que se viu novamente perto dos nenúfares brancos que o rodeavam, mergulhou feliz para as profundezas da água.
Quando a rapariga pensava que ele já não voltava sem se quer ter agradecido, deu de caras com uma enorme corrente de água que lhe molhou logo a cara.Sorriu, meio apanhada de surpresa, e observou com um ar divertido as espantosas acrobacias que o peixe executava, dentro e fora de água.
Os olhos azuis e cristalinos, separados do peixe, brilhavam de satisfação.
- Estou-vos muito agradecido, Princesa. – Disse ele dentro de água, numas bolhas que soltava e que ela compreendia perfeitamente. – Salvastes a minha vida, e digo-vos com todo o maior respeito, Vossa Alteza, que a vida dum peixe é algo simplesmente delicioso. Se houver algo em que eu possa retribuir, por favor, não hesitai em dizê-lo agora!
Eleonora abanou a cabeça humildemente, com os palmos das mãos levantados diante do peixe.
- Oh, eu não desejo riquezas nem poder, meu peixinho. – Respondeu a menina. – De facto, há apenas uma coisa que eu quero: o meu amor, o valente caçador Indra, ainda não voltou das suas desavenças no Reino da Ásia.
Com um ar suplicante, mas dócil, ela acrescentou, num tom receoso:
- Se sois um peixe viajante e experiente, podereis dizer-me onde é que ele está e se está bem de saúde?
O airoso e arisco peixe saltou da água por um momento e, fez uma coreografia gentil, abanando vigorosamente a barbatana caudal vermelha e achatada de um lado para o outro, em sinal de negação.
- Lamento, Eleonora. – Disse, numa voz, que não deixava de ser harmoniosa e agradável de se escutar. – Em toda a minha vida de peixe, nunca me deparei com semelhante nome. Porém, se necessitardes da minha...
Inesperadamente, o peixe desenhou torpemente um maravilhoso castelo, com pináculos tão altos como belos, com os seus movimentos na água, parecendo muito contente, para admiração da jovem fada.
- Já sei! – Exclamou. – Um feiticeiro branco amigo meu é um sábio conhecedor de todas as artes mágicas. Talvez ele consiga adivinhar onde o vosso amigo se encontra neste preciso momento.
Dito isto à pressa, ele mergulhou novamente até ao leito do lago e, num rabear misterioso, desapareceu por entre as algas como se fosse açúcar a diluído.
Curiosa como era, Eleonora seguiu-o até ser puxada subitamente por uma força sobrenatural debaixo de água, que lha deixou inconsciente!...
Uma gargalhada duma mulher maliciosa ecoou por entre as árvores da Floresta de Cristal, satisfeita por obter por fim a sua vingança!

1 comentário:

Anónimo disse...

Macabro! Um belo conto de final aterrorizante.