domingo, 30 de outubro de 2011

Capítulo 2 - O sopro do Feiticeiro (parte i)

"Sabe alguma coisa sobre o assassino de Kanti Lornam?" Um jovem feiticeiro de origens coreanas e japonesas perguntou ao oficial da Resistência. Thaiko Sung - o único herdeiro de uma rica família de feiticeiros - tinha ficado apavorado quando ouvira que alguém tinha morto uma das mais importantes aias da Princesa Swerdinada.

Eles estavam num café em Cyborg Town. Enquanto o oficial da Resistência acendia um cigarro, os seus olhos castanhos fixaram-se nos de Thaiko Sung, um feiticeiro de apenas onze anos e o único sobrevivente da família Sung. Todos os parentes deles tinham sido assassinados como consequência dos vários incidentes com as poderosas famílias Japonesas do Norte. Se havia alguém que estava inocente naquela história, era ele. Uma das pistas apontava porém para um homem que tivesse mãos pequenas... só podia ser um rapaz manipulado por um mestre da Magia Negra mais velho...Thaiko era um grande amigo de Sara, e ele próprio assegurara às autoridades Bellantes que ele jamais se atreveria a magoar a Família Lornam. Talvez as famílias Japonesas tivessem alguma coisa a ver com isso...

- Desculpa lá, puto. Por muito que as pistas apontem para alguém das famílias de Bruxos Japoneses, isso não é suficiente. - Comentou o Tenente da Resistência, a Guarda Imperial da Bellanária, ao soprar uns anéis de fumo. - A carta veio de uma fábrica Italiana e a cicatriz da arma que foi usada no crime não tinha sinais de um típico corte feito por uma lâmina Japonesa. Não achas que serias o primeiro logo que soubéssemos de alguma coisa?

O jovem feiticeiro acenou com um ar tímido, ao pôr a mão na mesa, aborrecido.

- Eu sei...É só porque isto tudo é tão injusto! Não podem culpar pessoas inocentes... Muito menos a mim! Eu nunca nutri um sentimento de ódio pela Princesa Swerdinada, juro! Se ao menos eu conseguisse lembrar-me do que aconteceu naquela noite...mas não consigo! Foi a minha primeira noite como um bruxo adulto, eu vinha com as roupas do meu Pai. Depois de ter entrado num táxi para o Cavalheiro, não me lembro de mais nada...

Ele bem que tentava controlar os sentimentos, mas as lágrimas fugiam-lhe dos olhos.

- Não sei quem é que matou a Senhora Kanti, mas esse homem deve ser realmente horrível para fazer tal coisa!

O outro suspirou, já habituado a aquelas coisas, e deu uma palmadinha nas costas do jovem Sung, num gesto quase paternal.

- Bem vindo ao Mundo dos Bruxos, jovem Sung. - Sentindo os joelhos de Thaiko mais perto dele, o oficial da Resistência abraçou o rapaz. Todos os dias, ele via rapazes como Thaiko: abandonados ao destino, sem saberem que tipo de mestre é que haverão de escolher. Rapazes órfãos, que não tinham ninguém no mundo. Isto acontecia frequentemente naquele mundo cheio de ódio e de sangue. Por vezes, as vítimas ficavam como aprendizes dos assassinos e ninguém dava por isso.

Passou um mês, e ninguém se atreveu a dizer uma palavra sobre o assassinato de Kanti Lornam em Cyborg Town. As únicas pistas eram as marcas de sangue deixadas no chão do salão do Cavalheiro. Veio um especialista, e este disse à Resistência que eram caracteres Japoneses, antigos, provavelmente do tempo do Assassino do Amor, há mil anos atrás. O que ele viu é que um deles significava "filha" ou talvez "criança". As cicatrizes no pescoço da vítima diziam que isto tinha sido muito bem planeado. O assassino sabia exactamente quando é que devia matar e as saídas que usaria para escapar do local do crime. Tinham estado mais de cem pessoas naquele salão, e todas elas tinham tido os olhos postos no palco. Para se cometer um acto tão vil era preciso que o assassino fosse engenhoso e se movesse silenciosamente como uma sombra para agarrar no corpo de Kanti, e depois, atacá-la tal como uma víbora, matando-a sem que ninguém desse por isso! Claro, tinham estado todos bêbados no feitiço que ele tinha tecido sobre o Cavalheiro para que reparassem num homem no palco.

Kanti Lornam era uma apsara - uma fada celestial, muito semelhante com a kinnara mas sem asas ou quaisquer ornamentos no corpo elegante. Com mais de trezentos anos, ela ainda amava o seu querido feiticeiro Farzad Lornam. Embora já fosse de uma certa idade, ela continuava com um aspecto gracioso e belo.






quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Lentamente, a Lua se esconde...

Roshini observava, esfregava os olhos, fechava-os e continuava a ver, atónita e com a raiva a subir-lhe às tempôras, o seu tio a seduzir aquela rapariga inocente. Ele não só queria conquistar o Império da Bellanária através da Lua dos Sonhos, queria destrui-lo através da Guerra entre as várias classes e o Norte e o Sul! Que podia fazer, o que poderia fazer?
- Desejais um pouco de Frambinam, Princesa Sarvahdinada? - A voz falsete e compassada, monocórdica do homem sussurrou, ao estalar os dedos e prontamente, mãos invisíveis trouxeram uma garrafa de cristal adornada com uma fada pintada de vermelho.


A princesa corou, espantada. Mas há pouco tempo ele não queria violá-la? Tinha apenas dezassete anos, e não sabía que as bebidas alcoólicas podem derreter a timidez de qualquer um. Também estava muito confusa: aonde é que estaria o homem que a tinha salvado quando ela ainda tinha dez anos? Com o cabelo negro a pender dos ombros de chocolate, ela fixou o seu olhar de canela no homem alto e forte, com um corpo que se assemelhava ao mármore branco e frio! Com aquele rosto de mais de mil anos, o nariz adunco, os olhos verdes a observarem-na cuidadosamente como se ela fosse uma obra de arte, os lábios a desejarem-na com um sorriso carnívoro e sedutor...tudo isso lhe fazía uma enorme confusão. E mesmo que ainda não tivesse provado o licor de framboesa, já sentia uma certa tontura, uma loucura que lhe dava uma enorme vergonha!


- S-sim... - Ela murmurou, num suspiro, a perguntar-se como é que um homem tão feio de cara podía ser tão atraente no corpo, naquele corpo esguio e atlético.


As garras dele passearam no corpo dela, enquanto ela respirava bem fundo, sentindo o sangue a subir-lhe à cabeça a uma velocidade estonteante. Di Euncätzio Samiel - era a primeira vez que se sentia orgulhoso pelo nome que tinha, e a pronúncia em Chinês tornava-o cego ao amor. Do fundo daquilo que ele tinha, apodrecido no interior do seu peito, ele amava realmente a princesa humana, e mesmo que a desonrasse, não tinha remorsos nenhuns acerca disso. Os dentes afiados dele lamberam com prazer o licor que deitou por cima dos ombros dela, fazendo com que Sarvahdinada tivesse um calafrio. O cheiro a álcool fez a sua pele arder, e no entanto, o sabor a framboesa fresca era o mesmo. Recordou-lhe daquele dia em que o tinha visto, há sete anos atrás. Esquisito como aquilo a fazia sentir-se bem e nervosa ao mesmo tempo. No entanto, isso também lhe fez lembrar que tinha sido por causa das Nagas e de Rusalka que a Guerra tinha começado. E o país bellante...seria que o Assassino do Amor já tinha previsto aquilo tudo...? Seria que ele a tinha conduzido até Kelzharam de propósito?

Aquela figura anónima, aquele homem que se escondia por detrás daquelas vestes sumptuosas e imponentes...seria ele capaz de amar? Tocou ao de leve o rosto oval dele...era tão diferente do dela, enrugado, como se fosse um velho pergaminho de bambu. O nariz adunco inalou profundamente o perfume que vinha do pescoço dela.

- Como é que é possível...? Como é que é possível gostardes assim tanto de mim se odiais o Império e a cidade onde eu cresci? - Ela exclamou num tom muito triste, cheia de saudades dos seus pais e da cidade que a tinha visto nascer e tornar-se naquela rapariguinha que desaparecera, há sete anos atrás.

As garras do bruxo limitaram-se a acariciar aquelas costas frágeis e delicadas, consequentemente fazendo com que a princesa tivesse um ligeiro calafrio. O hálito do Assassino do Amor chegou às orelhas dela, naquela voz falsete, metálica e fria como uma adaga letal!

- Só sei que esses teus olhos de almíscar me enfeitiçam, princesa. - Aquela voz, tão sibilante, tão intensa, fez com que um súbito calor viesse à espinha da jovem.

Sarvahdinada quase que gaguejou quando ia começar a falar, o calor da água vulcânica fazendo com que os dedos dela se apercebessem da pele áspera e masculina do Assassino do Amor quando encostou, sem querer, a cabeça perto da dele.

- Os meus olhos? Que têm eles de tão especial?

- Ainda há inocência neles... - Ele murmurou num tom que podia passar por carinhoso. - Não deve haver uma criatura mais pura como tu, minha querida!

Uma vez mais, ela corou, e suspirou, e sentiu uma estranha vontade de o abraçar. Mas seria correcto?