sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Claudinitiana e o Senhor Uukeshet

Ano 152 antes de Cristo, Cidade dos Deuses, Capital da Bellanária 


Claudinitiana do Clã Klau-Klau-Aohome fez saber aos Conselheiros de Suryadevnahutbal que ela mesma iria encarrregar-se de encomendar as flores de Shunrasen para o Primeiro Aniversário da Sétima Princesa. As flores do Arquipélago de Shunrasen eram das mais belas que a nobre poderia alguma vez pensar, desde as flores de Hibisco, mangas-rosas, maracujá até às jasmim-manga que cresciam perto das bananeiras. Seriam um excelente augúrio para o primeiro aniversário da Princesa Sarvahdinada.

Era um milagre que uma criança Humana amaldiçoada com o ódio das Seis Tribos tivesse sobrevivido os doze meses solares do ano 152 antes de Cristo. Peléena já tinha muito com que se ocupar, a enviar cartas de desculpas aos senhores tubarões dos clãs Nortenhos.

Como se isto não bastasse, Claudinitiana deu por si a pensar que a manhã do primeiro mês do Ano Lunar não poderia estar melhor... A sua janela era de uma mansão Humana do Districto “Dos Peixes”. Contudo, a vista era suficientemente larga para que ela visse o mar a uns poucos quinhentos metros de distância. Tinham instalado uma piscina com sete metros de profundidade com água aquecia, limpa e salgada. Claudinitiana nunca sentia saudades do mar...

Sabia que aquela vivenda era mais uma prisão que os Conselheiros de Suryadevnahutbal tinham arranjado. Contudo, era como dissera a Peléena Atzara:

« Não há um dia que não ofereça um sorriso aos Atl-Náhualli que vivem nesta cidade de Humanos... Não podemos deixar que o ódio tome conta de nós...! »

Depois de viver na Cidade dos Deuses durante (quantos anos? De certo que seriam mais de vinte) muito tempo, Claudinitiana seria capaz de jurar qualquer pessoa normal sente uma espécie de ansiedade solene ao ouvir o relógio do Templo dos Peixes...

O Pai trouxera-a quando ela ainda tinha dez anos segundo o calendário lunar, para “conhecer melhor os Humanos e servi-los numa posição favorecida”. Era um eufemismo para as ´varias tarefas” que teve de desempenhar como aia de companhia de Eris.

Enfim, tinha de arranjar o papel resistente para mandar uma carta aos Ajaw de Shunrasen. O problema é que o fabricante Atl-Náhualli que o fabricava com a maior dedicação fdugira depois da Noite da Magia Negra. Teria de ir ao districto onde estavam os comerciantes Gemmyarkan.

Mordeu com os dentes serrilhados de tubarão os lábios carnudos, aparentemente típicos de uma Humana... Empurrou as pernas  Humanas, frustrada, ao calçar os sapatos de musselina e algodão de uma cor acinzentada. Fora tão habituada ao luxo de deslocar-se numa carruagem, das roupas humanas frívolas e opulentas de uma dama aristocrática que ficava irritada ao usar aquele saree acastanhado, frugal, com um casaco de lã a cobrir os braços suaves.

Conseguia ouvir o trote insano, selvagem de uns rapazotes, aprendizes da escola militar do Exército Imperial Humano, a apressarem-se para Suryadevnahutbal.

Tossiu, incomodada com o pó que eles erguiam. Os Atl-Náhualli da ilha controlada pelo pai, líder dos Klau-Klau-Aohome, nunca seriam capazes de lhe fazer tal coisa! 

Mesmo assim, ela gostava daquela cidade.

« Assim que conseguir reactar as relações diplomáticas com o Imperador Humano e os Ajaw Atl-Náhualli de Shunrasen, irei usar uma vez mais casacos de pele e sedas...Esta cidade tem crianças saudáveis que não lutam umas contra as outras, esta cidade não tem escravos, esta cidade é tão calorosa...! Nada como a cidade do meu Pai... »

Suspirou... Talvez nunca se habituasse às conservadoras Ilhas de Shunrasen! 

sábado, 24 de janeiro de 2015

Vishardnya - personagem da Saga do Califa Onisamatzeka

Vishardnya 




Vishardanyada Viksaraanpan'Aka - filha da cy-bata Mayu de Shunamari e do Chefe do Clã Viskaraanpan, Vishardnya de dezassete anos  é uma guerreira Gemmyarkahni treinada nas artes de Ninjutsu pelo pai adoptivo, Hibiki Kato.

Olhos claros, quase verdes, pele morena e cabelo escuro, "Vishardnya" tem a tatuagem da família Di Euncätzio tatuada nas costas.

Vishardnya é a "escrava" que  o "Princípe" Shekar encontra fortuitamente no mercado da cidade do Senhor Rajnustk.  Tímida, corajosa, a jovem kunoichi consegue cativar o futuro Califa de uma forma que nenhuma outra mulher tinha conseguido.  Senhora de muitas ideias, Vishardnya parece temer apenas um homem em todo o Império Bellante, e esse homem é precisamente o seu pai adoptivo.

Umas vezes delicada e elegante, outras cínica e trocista, Vishardnya tem como nome completo a tradução em Phetrkaträlam "Flor Estrela da Montanha". Curiosamente - coisa que muitos Humanos Bellantes comentam sobre o seu nome - Vishardanayada é o nome de uma antiga guarda-costas do Terceiro Filho da Antepassada de Hibiki Kato, Yekatörya.


Armas favoritas

  • a.       Duas adagas que faziam um trio com a adaga da Senhora Benzaiten. As duas primeiras são de um aço menos refinado que a tanto da Senhora Benzaiten Kato e tem um punho de madeira de gingko. 
  •       No entanto, são relactivamente mais práticas, uma vez que o aço é mais leve. Têm exactamente vinte e um centímetros de comprimento. Mais curtas que a maior parte das armas de combate Bellantes, as duas adagas dão a Vishardnya uma vantagem: o inimigo pode substimá-la.

  • sd     - o seu koto de treze cordas, guardado numa caixa de couro , de um metro e oitenta e dois. A madeira - feita a partir de uma kiri (paulónia) Japonesa com duzentos anos de idade - do instrumento é muito leve, facto que dá a Vishardnya uma vantagem enorme quando tem de transportá-la. 

  •        Dois frascos com paus. Um tem explosivos com efeitos pirotécnicos e o outro tem paus de incenso. Não é a arma mais usada por Vishardnya uma vez que os seus inimigos podem descobri-la caso use os explosivos muitas vezes. É mais uma pequena diversão em caso de emergência.

  







segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O Califa Onisamatzeka - parte 2

Um mundo tanto de luz como de escuridão - ou o Califa Onisamatzeka


Uma pequena borboleta voou de uma caixa de música com um dragão Japonês pintado na madeira perfumada, iluminada por um lampião a gás Gemmyarkan em bronze. 
Era uma magnífica "onibi-arijkinnara" - Bola Demoníaca de Jade - do tamanho de uma mão de uma criança. As Onibi-Arijkinnara deviam estar a acasalar. Porém, as asas esverdeadas, quase azuladas resplandeciam sob a luz ténue dos lampiões, num movimento sinuoso e lento. 

As adolescentes Humanas estavam surpreendidas com a beleza de uma espécie tão preciosa, especialmente no centro da Cidade de Petrybloom. A borboleta pousara precisamente na varanda, e elas puderam ver os "olhos fantasmagóricos" que faziam parte do padrão das suas asas. 

- Só o Altíssimo podia criar tanta beleza numa criatura tão pequena! - Exclamou a artista do Tar  persa. 

O eunuco sentiu-se inspirado - uma vez que ele podia alcançar, do ângulo de onde ele estava, o perfil do estranho artista, muito parecido com o rosto da sua senhora - a recitar este poema

O que és tu, O que és tu, 
Uma visão, um feiticeiro que transforma papel
Em maravilhosas borboletas, 
Alá criou-te, formoso djinn, 
Gemmyarkan, os teus olhos são jade, 
Emprestaste à Lua a cor branca da tua face, 
Homem glabro que oferece a pagã amizade, 
Numa noite de Outono, eu vi-te, e pensei que o que 
Me foi cortado há muito voltou a crescer, 
E o que eu não sou, começou a aparecer!   

- Abu Nuwas iria ficar orgulhoso se vos ouvisse, eunuco! - Exclamou a aia que ajustava o saree  da sua senhora. 

Uma voz ecoou no meio do jardim de amendoeiras e de pessegueiros, uma voz que embora fosse claramente uma voz masculina, tinha um sotaque muito parecido com o de Benzaiten, num Phetrkaträlam confiante: 

Deus dá pérolas a porcos, 
Os porcos ficam admirados, 
Eras tu uma criança à caça de borboletas,
Era eu outra criança à caça de pirilampos, 
Sob o Luar a iluminar o Outono quente, 
Um Outono sem chuva
E o reflexo do rio cantou aquilo que eu já sabia
Que eras o meu reflexo...! 

Um  coro tilintante de gargalhadas ecoou das três mulheres que ali estavam. Eram vozes cristalinas, doces, como o correr de um riacho puro e fresco.  O poema do "Kolmanatry da Caixa de Música" tinha feito com que as jovens relaxassem diante da severa Segunda Esposa do Emir dos Crentes.  

A Senhora Benzaiten conteve uma pequena risada. 

« Como o Senhor Criador de Todas as Coisas fez com que este Nortenho tivesse uma fala mais romanceada do que a do meu esposo, o Emir dos Crentes! Nortenho, deixai-vos esperar, que eu vou já agradecer-vos pessoalmente pela vossa companhia...» 

O eunuco tentou segurá-la, mas Benzaiten era muito mais forte que o escravo do Califa. Havia uns tantos dez eunucos, treinados em Marrocos.

Contudo, como se o pólen espalhado pelas asas graciosas e reluzentes das borboletas noctunas tivesse um efeito relaxante e soporífero, os dez eunucos bocejaram e caíram inconscientes passados uns minutos, entre as flores Outonais e as folhas de cores avermelhadas.

Até as próprias raparigas que estavam a acompanhar a Esposa do Califa adormeceram...

Ao roçar silenciosa e discreta a cauda nobre do saree  contra as últimas escadas estreitas que davam até ao jardim, Benzaiten encontrou um espectáculo algo inquietante.

As borboletas concentraram-se num exame esverdeado e azulado perto do Tocador da Caixa de Música. Este agora tinha o rosto oculto por um capuz avermelhado, escuro.

« Irmão... » Murmurou num tom quase carinhoso.  

« Benzaiten... »

« Arriscaste-te muito ao vir aqui... Dentro de uns minutos eu... »

« Sim... Eu sei que tens de ir tomar conta do jovem Shekar... Que ironia do Destino! » Comentou o homem a quem Benzaiten chamava de irmão.

Após um breve e misterioso silêncio, o homem com a caixa de música a tiracolo conteve uma risada amarga. Deixou que uma onibi-arij-kinnara pousasse nos ombros cobertos pela capa escura.

« O Himmayasdev pode ver o seu filho quando quiser, e eu tenho de recorrer-me a subterfúgios e a esquemas perversos para ver o rosto de uma das minhas netas! »

« A Mayu e a Misato sabiam o que estavam a fazer ao partirem para viver longe de ti...Não devias ter sido tão severo para com elas, irmãozinho! » Benzaiten começou a falar em Japonês num tom cínico.

Ao que o homem limitou-se a suspirar. Sob a luz da Lua e dos lampiões, confirmar-se-ia as suspeitas: a Esposa do Califa tinha a mesma altura que o "Kolmanatry".

Ryuketsu-Raijin pousou as mãos enluvadas, perfumadas com incenso nos ombros brancos, suaves da irmã.

« Nascemos no mesmo dia, eu uns minutos mais tarde do que tu...Somos  irmãos, Benzaiten! Devias contar-me ao menos onde é que a filha do Rajnustk Bre'Ziziki costuma banhar-se no Inverno...»

Sob a fraca luz dos lampiões dos jardins de bronze, os olhos verdes, claros, outrora amáveis e aveludados da feiticeira tornaram-se frios, austeros.

« Ryuketsu... A Padmaztallityï  Bre'Ziziki não passa de uma criança... Vingar-me assim do meu enteado...! Aonde é que está a honra num acto tão cobarde? »

« Tu própria disseste que detestavas o Rajnustk e os seus avanços patéticos... Além disso, eu preciso daquela criança...O Hibiki nunca iria deixar que eu me aproximasse da sua sobrinha... E a outra filha da Mayu é guardada dia e noite pelo teu querido filho bastardo! » Uma das borboletas aproximou-se do lampião enquanto o Onisamatzeka falava.

De repente, um pouco de gás soltou-se da lâmpada, e o shikigami soltou um grito estridente. Contorceu-se com as asas queimadas. Os próximos três minutos devem ter sido dolorosos para a criatura, pois ela caiu lentamente ao chão como uma pomba abatida.

Uma pequena poça de sangue sombrio e quente foi iluminada pelo lampião, que emitia uma luz azulada, fantasmagórica.

Benzaiten cuspiu para o que restava do shikigami. 

« Raptar uma criança para saborear uma vingança por causa de uns comentários sórdidos e insultuosos...Ryuketsu-Raijin... Se alguém descobrir que és meu irmão, nós... Todo o nosso clã pode vir a perder com isto! »

O feiticeiro acariciou com a mão o ombro da irmã, num gesto fraternal e inocente.

« Não seria a primeira vez que os Di Euncätzio arriscariam os pescoços para mostrar ao Bre'Ziziki o quanto os nossos antepassados ainda são dignos de veneração e respeito! » Disse o feiticeiro num tom convincente e polido ao falar em Bellante do Norte.

« De qualquer maneira... A filha do Rajnustsk, o filho mais velho do Himmayasdev... Não é todos os dias que ela anda acompanhada pela Sacerdotisa Sikataarij'Aka Arujna ou pela tia, aquela Hye-Iseul Bre'Ziziki...! Durante o Inverno, ela gosta de dar umas escapadelas com o cavalo Surya às Fontes do Bênção... Se fores pela "Rota dos Peregrinos", será mais seguro...»

« Foi a própria Princesa quem contou-te isso? »

A voz de Benzaiten permanecia calma ao falar. Um sorriso malicioso iluminou o seu rosto magnético, triangular e pálido, no meio da penumbra dos jardins perfumados.

« Ryuketsu-Raijin...Toma conta da Padmaztallityï... Ela é uma menina energética, bondosa e corajosa...Um homem como aquele Rajnustk jamais compreenderia a bola de energia quente que a Padma é...! »

O feiticeiro inclinou-se numa vénia formal, enquanto fazia com que as borboletas se transformassem em meros pedaços de papel. Estes voaram, como que carregados por um rajada sombria, gélida! Ryuketsu Raijin Kato conteve uma pequena risada:

« Que os Deuses estejam contigo, Benzaiten... »




domingo, 18 de janeiro de 2015

Califa Onisamatzeka

Um Mundo Tanto de Luz como de Escuridão - Ou o Califa Onisamatzeka 

Prólogo Histórico

Numa época em que mal se falava sobre o Clã Bre'Ziziki em 1226, Shajaaka, o II do Clã Muçulmano Shajaaka, casou-se com a jovem filha de Arij-Çarvnatr, a Senhora da Ilha Tartaruga Flutuante de Jade, no Sudeste da Bellanária. Badrya-Asharadinwada queria escapar ao enleio com o Terceiro Filho de Yekatörya Di Euncätzio.  




Nessa altura, só existia o Caminho do Peregrino e a Ponte do Senhor Xorunash ainda não fora construída. A floresta de Xorunash era imensa e o rio S'vnark' era forte, de tal forma que a cascata por onde caía era chamada "Mandíbula de Saburou Di Euncätzio". 

Nessa altura, doze anos depois, um filho ilegítimo da Princesa da Luz - a filha do Califa e da Rainha Badrya-Asharadinwada - e de Yasunori Saburou ocupou o trono do  Califado.  Ficou conhecido como o "Ajaw Onisamatzeka", o Rei Onisamatzeka. 

Esses cem anos foram conhecidos pela "Avalanche da Magia Negra", até que Mokuren Hime restabelecer a paz com um exército tanto Budista como Muçulmano, em 1340. 

Em 1350, fundou-se o Clã Bre'Ziziki, uma aliança entre clãs Humanos Muçulmanos do Norte de África e do exército de homens e mulheres do Nordeste Asiático com os descendentes do Clã Shajaaka.  

Durante estes anos prósperos - em que a agricultura era rica e o comércio entre o Califado e as outras regiões Imperiais alargou-se - e por muitos mais séculos - Petrybloom permaneceu fiel aos ensinamentos de Arij-Çarvnatr. O Emir de Petrybloom permitiu que as várias religiões proliferassem pela região Este mais nortenha do Império Bellante. 

No ano Católico de 1700, o Califa Himmayasdev tentou destruir um pequeno sanctuário em honra ao filho "Desconhecido" de Yasunori Saburou.  O Emir dos Crentes acreditava que aquele sanctuário, localizado nas Florestas de Xorunash não passava de uma fachada para que os "Seguidores" dos Di Euncätzio tentassem conspirar contra o Clã Bre'Ziziki.  Muitas foram as testemunhas que alegaram ter visto uma luz arrepiante, esverdeada a surgir do centro do templo Budista a honrar os restos mortais do Di Euncätzio. 

No meio da floresta, o santuário podia passar despercebido pelas suas cores amadeiradas e uma altura de quatro metros, uma ninharia quando comparado com as árvores do clima mediterrânico da floresta. Havia uma pequena estátua a representar uma figura da Senhora Swertyhina de oitenta centímetros a amamentar um Onisamatzeka recém-nascido e uma laje em pedra em honra ao "Califa Onisamatzeka", com carácteres antigos em Bellante do Norte. 

Uma espada comprida, elegante, de uma bainha preta, estava pousada junto ao incensório dedicado ao filho desconhecido de Yasunori Saburou. 

Havia nessa altura uma canção que tinha como tema os sobrenaturais fogos-fáctuos da Floresta de Xorunash', "As Luzes de Petrybloom". 

E como os corações se unem, 
Ao ver o Sol a nascer por detrás das montanhas, 
As flores de pessegueiro e de amendoeira a sorrirem, 
Anda e desata as correntes dos meus pés, jovem Muçulamno, 
Eu, a  que adora a Mãe das Aranhas, 
Eu, a que adora dançar durante a Vintena Naggaina!  
A que corre pelos Caminhos Antigos de Enok' e de Hideyoshi! 

Era assim uma das estrofes da canção... A canção narrava a história de uma jovem que morrera de amor por um princípe Muçulmano.  A canção terminava "como adoro o meu Princípezinho, mesmo sendo uma luz no meio da noite".  Por vezes, eram as jovens dos bordéis de Petrybloom que a cantavam,  por vezes eram os Kolmanatry que dedilhavam a sua melodia hipnótica de acordo com um alaúde com uma flauta doce e sedutora, ou sob o ritmo melancólico, dramático de um bi-wa. 

Himmayasdev teve cinco filhos, de entre os quais um era filho ilegítimo de Benzaiten, uma Onisamatzeka misteriosa, mas com um coração misericordioso. Tal como o seu nome indicava, Benzaiten era uma devota amiga da música que gostava de cantar e tocar o seu koto de treze cordas para o seu senhor.  

Foi numa noite de Outono picturesca, sedutora, quando as flores dos crisântemos estavam no seu esplendor, uma Lua em crescente sorria, como se estivesse pintada em cal. Um estranho calor abafava as salas do Palácio do Emir de Petrybloom, e Benzaiten, a Segunda Mulher do Califa, espraiou-se na ala Nordeste do palácio, numa varanda com vista para a Lua e para as estrelas. 

Uma jovem aia tocava um alaúde Persa - um tar  de quatro cordas, dentre as quais três eram duplas - enquanto um eunuco aquecia na varanda um braseiro em forma de dragão. Uma escrava adolescente de cabelos fofos, da etnia dos povos do Sul da Bellanária, estendeu uma terrina de prata com o corpo gordo e tenro de um faisão. A Esposa do Califa estava desculpada por comer um prato de carne tão luxuoso, uma vez que este não era o mês da abstenção. 

As duas lamparinas suspendidas na varanda davam ao rosto da Senhora Benzaiten um ar gracioso, mas ao mesmo tempo, intimidante, como se ela fosse feita de mármore. O silêncio era quebrado ora pela voz de Benzaiten a cantar em Bellante do Norte, ora pelas duas raparigas a cantarem em Phetrkaträlam. 

Benzaiten cortou um pedaço generoso do faisão. Ofereceu um pedaço de carne com as mangas do saree - mangas essas seguradas por outro eunuco - à pequena artista e sorriu. O seu saree era tão elegante e comprido que roçava e fazia um som metálico com  as flores de metal sempre que esta fazia o mínimo gesto. 

« Toca-me as Luzes de Petrybloom, minha querida... » 

A artista do  tar  engoliu em seco. 

« Peço imensas desculpas, mas essa é uma música a qual não me é permitido dedilhar, senhora. » 

 Ao que os olhos da aparentemente jovem senhora do Califa dardejaram num tom ameaçador. 

Quando estava para dizer à adolescente para começar a tocar, um barulho metálico começou a tilintar, a ecooar pelos jardins do palácio. Era a melodia das  Luzes de Petrybloom...! 

Como a música parecia encantadora, Benzaiten cortou um pedaço ainda maior da carne de faisão e ordenou que este fosse oferecido ao vulto que tocava a caixa de música, sob a sombra de uma das laranjeiras. 

  

domingo, 21 de dezembro de 2014

Excerpto do meu livro "A Fuga"

1731 - Cidade Sol Gelado, Norte da Bellanária, uma cidade rodeada por montanhas e pela nascente do Rio Bênção.  

Prosseguindo adiante, uns metros à direita das portas magnificentes do palácio do seu irmão, Shekar reparou numa jovem escrava que mordia, dava pontapés ao seu mestre!

O mestre, um Gemmyarkan abrutalhado dos seus quarenta anos, ria-se perante a fogosidade da Gemmyarkahni adolescente!

- Maldita víbora, eu te farei ver como uma vida de concubina é muito melhor que a serva de um Chocolateiro! – Praguejou o Gemmyarkan do Sul de dor ao acarinhar a sua mão direita, mordida pela escrava. 

- Pérfido! Traidor, que a Senhora Swertyhina engula o teu hipócrita clã! – Gritou a pobre escrava, ao fugir do chicote do seu furioso mestre.

Os longos cabelos negros, encaracolados, contrastavam com o vermelho intenso da sua pele feminina e as suas asas...Era uma nuvem escura perfumada que esvoaçava ao tentar pedir ajuda às pessoas que por ali passavam...!    

Obviamente, não era de um clã hierarquicamente superior ao do vil comerciante do Sul...Os olhos da adolescente brilhavam, húmidos, indignados e solitários!

Foi então que Shekar reparou nas orelhas pontiagudas, pequenas ,quase demasiado delicadas para serem de uma Gemmyarkahni: ela era uma cy-bata!

A maior parte das mulheres – e até homens – cy-bata eram tratados nessa altura como se fossem lixo...Porém, Shekar não deixava de ficar sumamente enternecido com a doçura perfumada daqueles olhos! Embora houvessem outras escravas Gemmyarkahni cy-bata, esta era de todas a mais formosa! 

Ela usava um longo sári sem mangas avermelhado, como se estivesse prestes a ser  oferecida a um senhor de sangue nobre! Era como se fosse uma amora em movimento!

Ao apanhar a corrente  que estava ligada às suas pulseiras tilintantes de prata, o Gemmyarkan chocolateiro soltou uma risada divertida:

- Vem, minha querida! Paguei três remessas de cacau por ti...E o Senhor desta Cidade decerto me oferecerá uma soma ainda mais generosa quando te vir!

A pobre adolescente, indolente, soluçou num  som de fazer chorar as pedras! 

Shekar, entretanto, não podia deixar de ficar repugnado diante deste infeliz espectáculo! 

Ele não ignorava os costumes que os seus irmãos tinham...Mas sua reacção foi tão brusca que os membros da sua comitiva mal tiveram tempo para o alertar! 

Não se interrompia sem se avisar um comerciante convidado de Rajnustk, o seu irmão! 
Shekar agarrou na mão do Gemmyarkan mais velho: 

- Estas serão maneiras dignas de se tratar uma escrava do mesmo sangue que o vosso? 

Ao que o Gemmyarkan das Florestas do Sul soltou uma gargalhada desagradável e desdenhosa: 

- E quem sois vós, pequeno escravo Cy-bata, para me dares tais sermões?! 

Então era com aqueles modos que os súbditos de Rajnustk tratavam os Humanos, mais fracos que eles? Muito indignado, o jovem Califa revelou com grande convicção a sua cimitarra, com a magnólia a coroar uma Lua crescente e uma tartaruga gravadas na lâmina afiada. 

- Chamo-me Shekar Bre’Ziziki, décimo primeiro Shajaka e Rei dos Gemmyarkan! 

A escrava arregalou os olhos, boquiaberta. Porque estaria o Senhor de Todos os Gemmyarkan preocupado com ela?  

O Gemmyarkan mais velho dardejou para a comitiva do nosso Senhor, apalpou com os olhos azuis, com as suas capas, as letais espingardas, as perigosas lanças e os magníficos cavalos...Como se estivesse a confirmar o que o seu espírito não queria acreditar! 

Tirou apressadamente da capa de couro humilde, rústica e sombria um pequeno lenço de linho. 

Limpou gentilmente das têmporas esverdeardas e enrugadas o suor frio.

Fez a mais solene vénia que um rústico Chocolateiro como ele podia fazer:

- Perdoai-me meu Senhor! Eu já tenho idade para ser vosso Tio...Esta preciosidade pertence a este vosso humilde escravo do Clã Astha’Zaka...Esperava alcançar o perdão do vosso muito bondoso irmão com a venda desta pérola entre as pérolas! 


Vocabulário: 

Cy-bata - metade-humano literalmente em Phetrkaträlam... Antes da Guerra de Poriavostin costumava designar os filhos de Onisamatzeka e de Humanos, mas passou a designar qualquer filho de um/a Humano/a ou do membro de uma das Seis Tribos de Criaturas Mágicas. 

Kulmabgigi - Feiticeiro Desonrado (adaptação), ou "Tio das Sombras" (literalmente) em Phetrkaträlam. Designa shamãs desonrados e exilados dos seus clãs que normalmente viajam e tentam trabalham para exorcisar espíritos. Metade sacerdotes da religião politeísta, shamãnica Bellante, metade guerreiros, os Kulmabgigi sabem várias artes como a sobrevivência, poções ervanárias e geografia. 

Gemmyarkan - Povo das Montanhas e dos Desertos, "Corações Fogosos", literalmente em Phetrkaträlam, uma das Seis Tribos de Criaturas Mágicas da Bellanária. Criaturas aladas mais altas que os Humanos, com os machos conhecidos pelas suas longas presas e as fêmeas pelas pequenas presas de cinco centímetro em espiral. No Sul da Bellanária são conhecidos por "Djinn".  

Bre'Ziziki - Família Salvadora, o clã mais importante e descendente do clã Shajaaka, cujo nome deriva de um herói Gemmyarkan.  

Astha'Zaka - Clã Proibido, Descendentes de D'Jöll, um dos ajudantes do Assassino do Amor. São um dos clãs mais desfavoráveis na sociedade Gemmyarkan. 

Chocolateiro - mercador de chocolate e cacau, também designa os imponentes navios que transportam a mesma mercadoria.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Letters to a Gemmyarkan lord ( Part 2)



Auttumn, 1832, Black Castle in Northern Bellanária 


My inspiration to collect tales of the south was drying. Those southern connections…Nay, I am not from the south. Throughout the ages my family was one that established their connections to the northern part of Bellanária. And the ladies always have such an awful idea about my person!

Please, do try to understand, oh sweet and delicate ladies who read my tales: I am not an Onisamatzeka. And despite this fact, even my own maidens persist in ignoring me. 

Had you, my most talented and sweet ladies, grasp what my heart longs forAlas…! It is my second hundredth birthday and I am not yet a widowed gentleman.
Is it my human appearance that haggard so no blue-blood woman would ever want to kiss me and admire my stories? 

Anyhow, this human lady was soaking wet, her copper-like skin-tone betraying her south-eastern Bellanian origins. How moving her grieving, frail and almond-shaped green eyes looked! Was this the daring and insolent Artist Lady that the valet had announced in an embarassed tone?  She appeared to us as a princess from a fairy-tale! Probably she had no more than eighteen years. 

How dreadfully frightening we, a group of old men, must have seemed to her!  

 Her long, almost transparent veil perfumed with a soft, light-jade and floral fragrance, covered a long part of her darkish hair. Poor little lady, shivering in her fragile and silky viridian sari. 

She was short, but enough so that she could not reach my shoulders with her bare hands had she wished to do so! 

Playing the part of gentle southern Mayan lord, I invited her to join me and my friends for a game of Human cards.

Appearing quite frightened, the Artist Lady merely nodded at my suggestion. 


The main opponent in this card game, was the last descendant of Yasunori III, Kato Hibiki. He could not help to stare at the south-eastern Bellanian lady as she sat next to me on an ivory-coloured and perfumed Russian sofa.

Before she could notice, each and every one of my five card mates was observing the hourglass figure of this talented female artist.

My presence isn’t a soothing one, I know Your Divine Majesty that you would say something like that! And my physiognomy in my Human guise could well be the one of an Onisamatzeka, but I am a Gemmyarkan.  

« My lady! Please, allow me to light the fireplace... » In a split of a second I stood up.

Meanwhile, Hibiki Kato seemed to smile through the piece of cloth which hid his deformed mouth. This "man of the shadow" seemed but a pale reflection of the formidable black sorcerer he once had been! 

The shackles, engraved with turquoise-sparkling spells in Classic Mayan Bellanian, made him limp whenever he walked.  The spells had been encraved by the Mistress of the Castle herself! Black Magic Queen, forgive me... Had I made you appear cruel, I was merely describing the  punishement both you and Lady Roshini had gave to this criminal. 

It is quite fascinating when we are playing a game of poker with a man many Humans have considered a psychopath as the Ancient Greeks would say. The Human Russians describe Hibiki Kato as a "psychopath" for his "depraved, devilish manners", but he displays, often, in our seldom meetings, a deep knowledge about Human warfare and the Universal Magic tactics. 

Once again his hoarse, almost wounded voice displayed a small appreciation for civillized speech.

Hibiki Kato chuckled nervously as he literally begged for one of us, most excelled lords, to offer him a cigarette. 

« My Lord, are you shamelessly cheating to win more money in the expenses of such a fragile flower…I will not be able to concentrate in my own hand! »

« Music is always a balm to one’s spirit: and it helps with concentration, Ninjutsu Master! » My neighbour, Lord Ik’Awkwak of the province of Naltzaec’Ek argued.

Rüdiger Von Tifon, the former Duke of Shunamari did attempt to glance at his hand. However, there was not a single doubt. All Human, Gemmyarkan, Centaur and Onisamatzeka had been caught in their own lustful observations! 

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Letters to a Gemmyarkan nobleman

Upon the arrival of Adrian Demetrius Von Tifon’s letter to my office in the Black Castle, a young lady, holding a small harp in her hands.


The His Jade-like Excellency, Lord Malaghetyev of All Black Magic, had solicited for my presence to narrate one of our land’s most excelled magic tales. 

And of course, the family Von Tifon was one of my main inspirations. While playing poker with none other than the then acting Duke Rüdiger Von Tifon himself, I received his own letter, adding to my collection of letters from the family Von Tifon. The latest was from Lady Yui Von Tifon, the acting Duchess since poor Lady Añulli had departed.  


Letter from
Her Highness, the Duchess Yui Von Tifon
to Lord Grakxiushandriam

23rd day of Octoberl of 1832

Most esteemed lord,

I write this letter to you informing about my future absence in the ritual fourteen day crematory celebration of my father.

It was with great surprise that I received the letter from my son Adrian Demetrius Von Tifon inquiring if I should or not attend the celebration. It is rather ironic is it not, that a such a docile and honest little boy as my Adrian would had fell prey to the poisonous advices of the Duke Rüdiger Von Tifon or my father, Master Murakami.

You, Grakxiushandrian-sama, have been friend with my in-law for almost a century and I am mostly certain you had already received the invitation to the celebrations of the cremation of my father, Lord Murakami.

All that ceremony would nearly drown me with such tedious, dreary speeches, either from my in-law brother, Kato, or from my father-in-law. You do understand do you not, my lord, the reasons for my absence?

It is quite a miracle that you, Lord Grakxiushandrian, of all people, decide to send me your condolences.

Adrian's little sister is becoming quite a beautiful creature. I shall post you together with this letter, oh lord of such distant lands, a portrait Adrian Demetrius has done of his sister when she was contemplating the cherry blossoms.  She has been constantly my joy and her little interest for painting has made me hopeful. Perhaps by next year she will be able to read correctly in Standard Bellanian. My sole hopes go to my little five year old daughter...Perhaps she will become Duchess one day! 

It is quite ambitious, is it not? However, I am certain that you, as an experienced in these - how do Europeans say it? - political matters, will be able to help me, unlike Sakura, who is constantly sending me letters with the sole purpose of contacting her sweet husband. 

I shall have to finish this letter right away, or Christoph will start asking questions and he is far worse in telling his father our couple'conversations! Such a naïve man Christoph can sometimes be! 

My sincere thanks and hopes I hear from Your Lordship...

Duchess Yui Von Tifon 

The next letter I had in my possession was less informal and more brief, written in a fluent and male-like German: 

"Dear friend Grakxiushandriam

I hereby invite you to the celebration of the ritual cremation of my grandfather, Master Murakami Kensaku. I do hope to see you in a week, in the gates of Lord Nékok Yaotl's temple, in the land of Lord You-Know-what's-his-name. 

P.S.: Have you contacted my Uncle yet? I do so wish to meet him in Master Murakami's funeral. 

Yours truly Von Tifon." 

And, obviously, the third letter came from the acting Duke Rüdiger Von Tifon. While Her Highness, his daughter-in-law, is quite a wise woman, Rüdiger Von Tifon is a brother-of-arms of mine. It was written in fluent, Northern Bellanian and it had a certain fling to it since the acting Duke enjoyed to play the part of the elegant man: 

" My dear friend Akdhsavnam...

I expect to see you in the farewell ceremony of our dear departed Master Murakami Von Tifon. Have you considered how expensive this is to me? Even in death, dear friend, this Onisamatzeka vermin allows himself to the luxury of put a smut grin in his face and mock my person!

His last wishes were to see his grandson burn him in one of the highest and most awe-inspiring mountains of this Empire. I merely yearn to see his dead leftovers being incinerated, reduced to ashes!

But to most light-hearting matters: my granddaughter is such a sweet little thing! I had just received early this morning a letter from her excusing her mother for both not being able to assist the ritual burning ceremonies? Is it not precious, dear friend? She has a somewhat clumsy handwriting in German, but certainly that will come with pratice. Of course, the little lady's grammar and ortographic errors are clear, but what can you expect from a girl who has been taught by a lady like my daughter-in-law?

How is your writing projects developing, old friend? A little birdie told me that you were about to finish another one of those delightful Bellanian myths. Europeans do cling themselves for a good-written prose, especially an "exotic" one.

I had enjoyed reading your adaptation to the beautiful story me and Añulli had shared for so many decades.

Hope to meet you in the Black Castle and play a little western poker game,

Rüdiger Von Tifon"