quinta-feira, 9 de junho de 2011

Falar de um bruxo e da sua aventura

Lembram-se de http://http://tifon-ogritodaverdade.blogspot.com/2008/04/novo-blog-ou-no.html , de http://tifon-ogritodaverdade.blogspot.com/2008/11/o-rapaz-dos-olhos-de-ametista.html, ou de http://tifon-ogritodaverdade.blogspot.com/2008/06/captulo-1-primeira-parte-de-trs.html? Ou até mesmo de http://tifon-ogritodaverdade.blogspot.com/2008/04/lua-dos-meus-sonhos.html ? Ou de http://tifon-ogritodaverdade.blogspot.com/2008/09/lua-dos-meus-sonhos-situao-poltica.html ?

Faz tudo parte do mesmo livro, que agora se chama "O Sopro do Feiticeiro". A história conta o dilema de um jovem bruxo talentoso de vinte e quatro anos (Georg-Maria Schwarzjaguar, mais conhecido como Flautista pelos seus inimigos) no início dos Anos 30 de matar ou não, uma jovem rapariga que é filha do maior inimigo dos seus patrões. Tenho de confessar, a história foi escrita em 2007/2008, mas eu fiz uns retoques que a deixaram quase perfeita.

A Atlântiga, agora Bellanária, é um cenário perfeito, mas a história começa com um prefácio (escrito num rasgo de inspiração, num dia destes) em que o vilão principal da história é introduzido, na Itália de 1921 - obviamente não vou dizer o nome dele. As origens do Flautista são contadas pela sua própria voz...deixando o espaço para depois irmos até à princesa desta história: Annelina Sara Lornam von Tifon.

Ai, eu e a minha imaginação em criar um romance entre um homem de vinte e quatro anos e uma jovenzinha de quinze exagerou! Que bruxo mais velho para a pobre da Sara...Algumas vezes pergunto-me se ela merece ter tão pouca sorte com os homens. Não, não merece. Afinal de contas, ela é a personagem mais inocente que eu já alguma vez criei. Em Inglês, há uma expressão para descrever um homem desprezível, másculo, e impiedoso - bad-ass (http://www.urbandictionary.com/define.php?term=bad%20ass) . É jargão, eu sei, mas é precisamente isso o que o Flautista é.

Bem...mais não direi sobre a história, só vos digo: é uma das histórias que contém mais aventuras e desafios para as personagens principais. Não gosto de personagens totalmente bonzinhas ou cheias de virtudes. De modo a que temos uma princesa herdeira viúva facilmente depressiva e que esconde as suas fragilidades através de austeridades e excessos na vida nocturna - Swerdinada Eudóxia II Di Neptunvs - e um feiticeiro branco adulto Irmãozinho com um humor cínico e um pragmatismo assassino na batalha. Fumador constante, Irmãozinho esconde um lado paternal e um amor pela honestidade.

As personagens secundárias são mais ou menos bem feitas - gosto muito da maneira como criei a Katharina, mas ela ainda precisa de algumas coisas que precisam de ser melhoradas. Aliados ou inimigos, as personagens secundárias falam muito sobre a Bellanária ou a sua relação com o mundo ocidental e oriental. Outras - como Isaías - embora não muito importantes nesta história, revelam-se como grandes amigos - ou rivais, como é o caso do Conde James Dark Sword - às personagens principais.

Os deuses algumas vezes não são para aqui chamados. Acho que são mais uns "apêndices" ou "figurantes" que dão uma mãozinha à história. As personagens principais contam mais a vida entre humanos, fadas, bruxos, bruxas, feiticeiros brancos e demónios nas ilhas atlânticas da Bellanária.

Gostava de ter mais personagens no livro, mas o facto é que a centralização (bruxos, humanos, fadas e feiticeiros brancos) da narração fez-lhe bem.

Como estou na universidade e não posso postar aquelas sete páginas do prefácio que escrevi para " O Sopro do Feiticeiro", deixo-vos com esta canção tipicamente Napolitana: "Guaglione".

http://www.youtube.com/watch?v=99FxBf1uGF8

Uma música Japonesa de um dos meus animes preferidos de infância: "Tactics"

http://www.youtube.com/watch?v=WujimpD8PdU&feature=related

E uma canção Alemã, "Fieber", industrial rock da banda Oomph com Mina Hagen:

http://www.youtube.com/watch?v=jKCqrkEZBT0



O nosso Flautista de olhinhos roxos adoraria ouvir uma canção dessas. Ele compreenderia as três linguas num instante. De romântico a completamente perverso e possessivo, essa é a personalidade afectuosa de Georg-Maria Schwarzjaguar Como o Rei dos Bruxos Kasimir Malaghetyev diz:



Até um bruxo se pode apaixonar...até mais que os peixes e as flores!

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Sua Sagrada Alteza, a Enguiçada


Já te perguntaste se a Serpente de Fogo, aquela que aparece no diário da Jessica von Tifon, é a mesma "Serpente de Fogo" que governou a Bellanária desde a morte do pai em 1937, até 1973? Pois não são a mesma pessoa. Nem se sequer se parecem uma com a outra: enquanto que Swerdinada Eudóxia II Di Neptunvs (1913-1973) tinha os cabelos castanho-claros e encaracolados, Swerdinada Clarissa Di Neptunvs tem os cabelos negros e macios. A mãe tem os olhos cor de avelã, a filha foi abençoada com dois coquetes olhos negros que lhe dão uma expressão um tanto inocente.

Swerdinada Clarissa Di Neptunvs, nasceu em 1962, sete anos após a prisão consolidada do meu padrasto, num meio-dia sufocante e insuportável de 26 de Agosto, onze anos antes da morte da mãe. De acordo com os registos oficiais, cedidos pela Polícia de Vigilância foi um parto difícil, lá mesmo perto de Losjafhden, na Mansão Real Di Takzlntaram, na aldeia, mesmo perto das montanhas. Repentinamente, com o grito da pequena criança, os vidros das janelas daquele pobre quarto partiram-se. As criadas, baixinho, disseram nos seus sotaques interiores da montanha:

"Que os Deuses protejam a Nossa Sagrada Majestade, a princesa já é um sinal de azar!" As jovens russas, ao baterem na madeira três vezes para espantarem o mau-olhado. No dia seguinte, uma das aias estava a ajudar a lavar o bebé, quando, para surpresa dela, os peixes começaram a afastar-se da criancinha. As fadas nunca vinham cumprimenta-la ou enchê-la de bênçãos, nenhum dos Deuses veio à cerimónia tradicional de baptizado, os demónios lá vieram, um pouco contrariados. Toda a gente sabia no Norte que aquela criança era produto de um amor proibido e sancionado pelos costumes bellantes. Ora lá dizia a tradição Tienense e daqueles lados das montanhas – espalhado mais propriamente pelos imigrantes eslavos – que uma criança nascida de um casamento não consumado de uma forma tradicional seria para sempre amaldiçoada. E parecia ser verdade no caso da pequenita.

Como Swerdinada Eudóxia II Di Neptunvs (sei, os Bellantes usam muitas vezes os mesmos nomes para os Reis e Rainhas dos Humanos), nascida em 1913, teria concebido essa criança, permanece um pouco como a neve nos Alpes das Sereias: um mistério.

Há uma versão não oficial de como aconteceu. Os Anos 50, anos incertos, com a partida de Tezcatlipoca para o exílio em 1947, deram lugar e espaço para muitas lendas, especialmente no Norte, onde a Princesa Swerdinada Eudóxia II Di Neptunvs tinha duas das suas muitas residências não oficiais. Não se sabe muito bem em qual das duas foi, mas o facto é que em 1959, (cinco anos depois de Reinhard Heydrich ser preso no Castelo Negro) enquanto tomava um relaxante banho de espuma, ela foi abordada por um admirador misterioso,

As mãos do servo que estava sempre com ela na banheira, firmes e fortes, massajavam de vez em quando as costas da princesa, o que a deixou completamente encantada.

Pensava-se segura e fora de perigo das garras dos comunistas, mas o que as pessoas em Cyborg Town diziam era que ela se tinha apaixonado por um agente do KGB. Entre os vapores da água doce e as carícias leves, mas envolventes da espuma, pelo menos uma vez por semana, a princesa encontrava-se com o homem com as mãos mágicas. Sabia exactamente onde premir as mãos e os dedos nas costas frágeis da mulher influenciável.

Passaram-se sete semanas, e o homem apresentou-se na casa como Narda Nikolaevitch, um feiticeiro que sabia muito sobre cocktails, poções, loções para a pele….E feitiços de amor. Quando ele caminhava silenciosamente pelos corredores sombrios da casa, com a sua capa escura de pele a arrastar pelo chão polido de aveleira, trazia na mão enluvada púrpura uma agulha com sangue. As criadas tinham medo porque pensavam que ele lhes arrancaria os olhos. Não tinha sombra e raramente saía de casa – a não ser às três da manhã e só regressava ao sol-pôr. Como era muito escuro na casa e só havia luz de azeite – medidas tomadas pelo governo comunista – nunca ninguém conseguiu ver o seu rosto. Este também ocultava-o sobre um chapéu de feltro grande e com uma pala de veludo escuro. Nunca ninguém lhe tinha ouvido a voz, só a Senhora da casa.

Toda a criadagem tinha medo dele.

Foi um relacionamento proibido, mas um que apimentava a outrora maçadora rotina da nova Melnjar da Bellanária.

E mais não sei...apenas aquilo que as pessoas mais velhas bellantes me contaram. Algumas diziam que o tal homem era um feiticeiro que pôs uma bruxaria qualquer na princesa. De qualquer das maneiras, a criança foi "salva" das garras do homem, que se pensava ser o responsável pela súbita morte da mãe em Novembro de 1973, mas ninguém sabe.

As autoridades da Bellanária do Sul - outrora chamada por Resistência - tentaram apanhar o homem a quem todos os bellantes - fossem eles do Sul ou do Norte - passaram a chamar do "Anjo Imperfeito". Por várias vezes, tentaram matá-lo, mas sem sucesso. O homem era suficientemente esperto para desaparecer, tal e qual o nevoeiro quando a manhã se torna tardia.

Quanto à criança, ao crescer, esta tornou-se a favor dos bruxos. O império passou a ficar entregue às mãos de uma menina mimada e com um estranho poder para conseguir que os homens fizessem aquilo que ela mandava. A SPV, lentamente, passou a tomar poder sobre todas as vidas humanas. Só as Fadas escaparam das intricadas e sinuosas teias da Magia Negra se enfiava por cidades, aldeias e feudos.

Uma das primeiras acções que a nova "Guarda Imperial Bellante" tomou foi rasgar, literalmente o Tratado da Magia Universal em 1975! A segunda foi declarar que nenhuma das Fadas seria permitida em vilas com mais de dez pessoas (Janeiro de 1978). A terceira foi descriminar os Cyborgs - feiticeiros de classe inferior criados em 1956, com o avanço das tecnologias humanas - a partir de 13 de Fevereiro de 1980. A partir de aí, a liberdade na Bellanária foi diminuindo, até que os Humanos foram reduzidos a terem de se submeter às leis que os bruxos tinham imposto

Apesar das repetidas sanções que o Palácio das Reuniões fez para castigar os bruxos da Grande Ilha, ninguém deu conta. Em Dezembro de 1989, os Comunistas foram expulsos a pontapé da zona do Norte - ou melhor, a maior parte deles foram assassinados. Os registos não oficiais contam com centenas deles enviados para a Fronteira, para serem devorados pelos Demónios. Embora Swerdinada Clarissa Di Neptunvs é considerada como uma humana, é óbvio que o seu lado de bruxa se destaca mais que o seu lado humano.

Ela ficou super contente por assinar a morte de mais de mil funcionários comunistas. Alguns escaparam, mas ela queria mostrar que podia ser tão sangrentas como o antigo líder deles, Joseph Stalin. Ela queria mostrar que o Império Constitucional das Ilhas Bellantes era - e é - o mais poderoso e fantástico de todos os países à face da terra

Nunca se saberá quem - nem porquê é que ele apareceu - foi o pai de tal mulher...

quarta-feira, 1 de junho de 2011

O Rouxinol Von Tifon

Não sei se já vos falei do meu bisavô Christoph William von Tifon. Então perguntei uma vez à minha mãe quem era o pai do Avô Adrian. A minha mãe - que prefere debater-se entre pepinos, tomates, raspadores de cenoura, cebola e pimentos - disse num tom muito insultado e indignado que nunca tinha conhecido (ou sequer ouvido falar) o "Avô" dela.

«E agora desampara-me a loja que o Reini não gosta nada se eu me atraso com o jantar!» Respondeu ela, com aqueles dois grandes olhos azuis, como se fosse uma juíza no meio de uma sala de tribunal a dizer que a sessão estava terminada.

Mas eu, eu não desisti até encontrar uma dúzia de livros poeirentos sobre o avô, colocados mesmo no fundo de uma prateleira, abandonada ao Deus-dará, no canto mais extremo da biblioteca, um canto que parecia nunca ter visto a luz do Sol. Vocês não gostam de ir ao sítio aonde a vossa família guarda todos os tesouros, aventuras, desventuras e podres? Eu adoro! Principalmente porque, uma hora depois, eu fico toda rouca da garganta. É no que dá ser neta de um velho saco de ossos alérgico ao ar puro.

Enfim, a máquina fotográfica ainda não tinha sido inventada na altura em que o bisavô viveu, e pelo pouco que sei sobre ele, o excelentíssimo Sr. Duque Christoph von Tifon raramente deixava que um escultor ou um pintor representasse as suas belas faces. É muito estúpido, porque eu acho que o meu bisavô não deve ter sido assim tão feio como o meu avô ou o meu Padrasto. Tinha um ar juvenil no nariz pequeno, em forma de cogumelo. Os olhos, claro, pareciam ser azuis, mas eu até apostava que eram verdes. Eram aquilo a que a minha Tia Charlotte diria: “uns topázios num lago salgado de algas”. Mas a Tia Charlotte é muito mais poeta que eu, e eu jamais arruinaria as frases dela com as minhas humildes e sujas palavras, acabadas de sair da fria Inglaterra.

O meu bisavô, naquela pintura, parecia sonhador, a olhar para uma toutinegra, com uma caneta antiga na mão, pensativo, mas com um leve sorriso no rosto angélico e nórdico. Era apesar de tudo, pequeno – aposto que não media mais que um metro e setenta – para a maior parte dos bruxos. Com uma constituição de monge pedinte, as túnicas púrpura elevavam-no ao estatuto de um poeta clássico. E quem sabe, se até ele era poeta? É que, segundo o meu bisavô nas suas cartas, quase coladas ao papel do álbum de fotografias de antigos retratos e recordações, a Mãe Natureza, os Deuses, tinham conspirado para que ele não fosse um bruxo, mas sim um artista.

E então, descobri que o meu bisavô era muito mais novo que a minha bisavó quando tinha casado com ela. No princípio do livro sobre ele, dizia que ele tinha nascido em 1750, quando a poderosa Senhora Murakami nascera em 1699. O casamento foi combinado à antiga, quando o pequeno Christoph só tinha dez anitos, em 1760. Quando ele atingiu a maioridade, em 1768, o casamento foi celebrado em Tóquio, com toda a pompa e circunstância, numa floresta conhecida da família demoníaca Murakami.

A seguir, noivo e noiva foram de navio até à Cidade Perdida. A Senhora Murakami tinha então sessenta e oito anos! Fiquei completamente parva. Imaginar uma senhora tão velha a casar com um rapazinho de dezoito anos fez-me rir. Penso que a minha bisavó nutria um sentimento quase maternal pelo marido.

E acho também que isso aconteceu com o meu padrasto e com a Sara. Mas a Sara…a Sara tinha dezassete anos quando o conheceu!

Mesmo assim, acho que deve ter sido uma união muito querida e carinhosa, a da minha bisavó e a do meu bisavô. Os poemas que o meu bisavô tinha escrito sobre ela eram lindos.

Se há um pensamento que me assombra,

É este de ser uma fria catacumba,

Um vaso simples sem ornamento,

Algo vazio, e no entanto um complemento,

À minha vida e ao meu mundo!

Mergulho, cada vez mais fundo,

Sondo as páginas do teu e do meu ser,

Mas, nunca poderei descrever,

Aquilo que há de mais profundo

No meu ardente querer!

Só tu, querida, com este teu fruto,

Maduro e preciosa maçã de Primavera

Faz com que eu fique mudo,

E faça com que a minha mente,

Se torne uma poderosa quimera!

O meu bisavô era o mais humano dos Von Tifon, mas casou com o lado mais demoníaco da família: a minha bisavó. É uma história linda a dos meus bisavós, não achas? Acho que ela só dizia que se tinha casado nova porque ficaria envergonhada. Ela dizia que se tinha casado aos dezasseis anos, mas acho que a minha bisavó tinha sofrido muito na vida para se apaixonar verdadeiramente por alguém. Ainda bem que apareceu um rapaz sensível e bondoso como o meu bisavô na vida dela. Ali estavam, as datas verdadeiras do nascimento de ambos. É impressionante que o meu avô tenha nascido da união destes dois. A minha bisavó não era malvada, ela só tinha passado por muitas coisas enquanto mulher japonesa. Ela só dizia aquela mentira piedosa de ter casado cedo por não queria que pensassem coisas ainda piores do que já pensavam.

E o meu bisavô – um amigo do peito do grande escritor Erwin Di Gracxiushandrian – que lhe dedicara todo o seu amor, adorava as crianças que ela lhe tinha dado. Quando penso que o meu bisavô é o avô da Sara, acho que faz um pouco de sentido que ele se tenha casado com a Senhora Murakami. Ela tem o mesmo ar distraído e brincalhão dele.

Até aposto que o meu bisavô nunca ligou para a Magia Negra. E estava certa nos meus palpites, porque ele, ele morrera em 1890, muito cedo para um feiticeiro. Os outros feiticeiros da minha família podem dizer o que quiserem sobre ele, mas eu cá acho-o um pão adorável naqueles retratos de casamento, com aquele rosto redondinho, os olhos grandes, tímidos e alegres para o pintor, a mão pousada ao de leve no quimono da noiva, o ar muito informal com que ele está. Ele até podia ser bastante porreiro, não acham?


O Nälden disse-me que os outros bruxos naquela altura o chamavam de "o Rouxinol", meio no gozo, meio a sério. Porquê? Porque o meu bisavô, em vez de praticar tiro ao alvo - com um demónio como alvo - ou de aterrorizar as populações humanas ao raptar as crianças, ele costumava escrever modinhas debaixo de um pessegueiro na Primavera, tocava um pouco de guitarra - parece que bastante mal - e declamava em voz alta, enquanto bêbado, em voz cantada, na hora de ponta, em Cyborg Town. Enfim, o meu bisavô era aquilo a que o meu avô chamaria de "um homem fraco". É que o varão da Senhora Añuli fora educado pela mãe viúva, à maneira camponesa e africana, e nunca soubera o que era reinar no Ducado da Cidade Perdida.


A única coisa que o nosso Rouxinol sabia era cantar, caçar com a caçadeira, a lança, e a adaga. Pobre rouxinol, num mundo em que o bruxo comum sabia aguentar uma garrafa de Frambinam inteiro, ele só bebia cerveja bávara "fraquita". Ai, pobre poeta das florestas do Sul e dos sonetos com duas quadras e três estrofes de cinco versos, com os teus classicismos e a tua pelezinha de menina, não me admira que os outros feiticeiros te chamassem de "Menino da Mamã" e "Sua Excelência, o Apêndice do Biombo Japonês". Essa última alcunha foi dada pelo Rei dos Bruxos, Kasimir Malaghetyev, que andava de mal com a Senhora Murakami lá por 1845. O meu avô Adrian chamava-o de "O da minha Mãe". Nem se atrevia a chamar "o meu pai" para não se lembrar do ser maldito que lhe tinha concebido.


Coitado do bisavô. Afinal, ele devia ter mas é ido para a Europa. Aí, ele seria um nobre de verdade. Mas, com as Invasões de Napoleão e as ideias iluministas , o meu bisavô preferia que o seu filhinho fosse para o Japão do que ser educado por um pai irresponsável. Acho que o facto da minha mãe "nunca ter ouvido falar" do meu bisavô deve ter sido provocado pelo "coração de manteiga" do meu avô Adrian.


No século dezanove, quando o peso da idade lhe ensinou que o filho devia mas é tornar-se um bruxo a sério, ele passou a escrever poemas mais escuros, como este:


As folhas vermelhas de Maio caem,

Caem na minha sangrenta alma,

Formando uma rica, exótica paisagem,

Que escureceu, subtilmente, a minha personalidade calma!


São tiros que esbombardeiam,

No meu germânico coração,

São falinhas serenas e mansas,

Escritas na palma da artistica e feitiçeira mão!


Este país faz-me lembrar o puro e alemão pinho,

Que só o traz o mal no cheiro,

Mas este meu rebento desenvolve um mesquinho espinho,

Este país fará da minha semente o mais terrível feiticeiro!


Atira-se para as ilhas a complicada, continua e fatal malha,

Perde-se a vida, ganha-se na família a batalha!


O meu bisavô, mesmo assim, nunca deixou de amar a sua família - mesmo que o filho varão o odiasse de morte, mesmo que o meu avô o chamasse de "o marido da minha mãe", mesmo que, durante os treinos de espadachim, tentasse magoar a sério o próprio pai, o pai sempre o perdoava. E, agora apesar de tudo, Christoph William é considerado como um dos grandes poetas bellantes. Em 1940, no quinquagésimo aniversário da sua morte, os vários feiticeiros bellantes do "Clube da Cimitarra" (uma associação secreta que promovia a defesa bellante, associada com os Demónios, os Deuses, os Feiticeiros e os da Resistência) chamaram-no de "O Kolmanatry Nobre", por este ser muito excêntrico e gostar mais da música do que da Magia.