terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Uma Armadilha para Quatro Amantes


Só para o fim da noite, é que apareceu uma rapariga desconhecida, a qual era segurada pelos braços de dois homens. Era tão pequenina que mal se poderia notar pela sua presença, no entanto, o manto marrom e a cabeça apanhada num puxinho à oriental, faziam mais querida do que nunca. Sem maquilhagem nem jóias, a princesinha parecia muito frágil e ténue, com o seu corpinho a fraquejar das pernas…Os olhinhos castanhos fixavam todos com uma tristeza de musgo seco, onde já tinha ido por muita água, onde já tinham secado caudais.
A espessura do manto de linho delimitava as curvas da pobre filha de Neptuno, e os seus pés descalços, macios e puros, tinham sido rasgados pela dureza dos chãos do castelo. A sua pele, outrora limpa e bonita, estava seca e com marcas por várias camas duras de masmorra, o seu peito, espevitado, era agora marcado com uma murchidão de meter dó, e o aroma a que anteriormente o seu corpo estava acostumado, apodrecera num cheiro horrível e nauseabundo.
Porém, mal ela passou por detrás de Samiel, ele insistiu para que sentasse ao seu lado direito, como forma de respeito. Neptuno deu uma vista de olhos à ficha que o Tigre da Escuridão carregava na boca, durante dois minutos, quase nem acreditou naquela história. Por fim, suspirou e disse:
- Isto é verdade, meu amor? Queríeis roubar o dinheiro e usar o dote da tua filha para corromperdes o dinheiro do estado?... Só por umas jóias e roupas?!
Melnjar, detida por dois guardas do Exército Atlante, abanou a cabeça, com lágrimas de crocodilo a escorrerem-lhe pela cara cheia de maquilhagem.
- Eu juro que é mentira, meu querido Rei e Senhor. – Balbuciou, fazendo um beicinho com os lábios prateados e roxos, curvos. – Aquele…aquele homem é que o monstro, ele é que devia estar detido, por traição à Coroa Atlante e blasfémia contra uma deusa!
- Enrolai-lhe a manga esquerda. – Disse Dirlent, com uma bandeja nas mãos, a rir-se descaradamente. – A nossa rainha é uma nereida. Anda a esconder este segredo há mais de cinquenta anos!
Neptuno fez sinal com a cabeça aos homens que agarravam Melnjar, e, quando eles expuseram o lado esquerdo superior das suas costas, perto do ombro, estava um horrível lírio negro tatuado em hena permanente. O símbolo das nereidas, as servas eternas das montanhas e de Tsesustan.
- Se ainda não estiverdes convencido, tenho aqui comigo uma declaração de vinte páginas, assinada por Jutlipa, a Prostituta das Fadas. – Acrescentou Jerininantus, espantado com todo aquele reboliço, erguendo o braço, que continha um pergaminho enorme de para aí três quilos; com o selo das Nereidas carimbada em cera e mel derretido.
Neptuno continuava a acenar com a cabeça, contornou a sua cadeira, e colocou-se em frente da mulher, a sábia da trindade dos três deuses, e esbofeteou-a duas vezes com força, à frente de toda a gente.
Oferecendo-lhe a mão gentilmente à rapariga, que logo lhe beijou, o estranho homem limitou-se a levantar-se duma maneira cortês, mas não deixando o seu olhar mórbido e arrogante.
Levantando a cadeira ao seu lado e enxotando o seu tigre para outro sítio, ele olhou de maneira quase hipnotizadora para a rapariga, não lhe retirando o manto.
- Querida Eleonora. – Murmurou Indra, espantado. – O que é que ele te fez?
- Não precisas de te preocupar, meu amor. – Falou a voz cansada e fria de Eleonora, quase pálida, átona, sem um único sentimento nas cordas vocais, mas feminina, com o roçar duro e áspero da manta a queimar-lhe a pele sensível. – Sou, mais uma vez, tua…!
- Minha pequerrucha Eli…És mesmo tu…? – O velho monarca quase que ficava boquiaberto com a recepção, desconfiado de alguma trapaça.
- Tínheis dito que, por um momento, acreditastes em mim, Vossa Majestade, e, é, precisamente, dessa confiança que vos quero falar. Naturalmente, não há aqui ninguém que se deixasse ludibriar por um esquema tão ridículo como o delas. Contudo, uma das características das mulheres vingativas é pensarem que aquilo que fazem está certo, quando na verdade, a sua hipocrisia as leva a um estado de loucura tal, que lhes leva a cometer disparates patéticos apenas pelo prazer de se sentirem satisfeitas pelo aquilo que fizeram. – Num estalar de dedos, fez com que três guerreiras nereidas, todas armadas com punhais e venenos letais, fossem apanhadas pelos guardas no meio de todos os convidados.
- Meu Senhor e Rei! – Bradou Melnjar, desesperada. – Detende aquele homem imediatamente, aquilo de que ele está a falar é monstruoso!
- Concordo totalmente. – Disse Samiel calmo. – E o monstro sois vós, Alteza.
A Rainha levantou-se repentinamente, de braços caídos, com o seu longo vestido branco a cair-lhe sensualmente na cintura alta. Os seus ombros pálidos e suaves quase que suavam de tão gelados que estavam no castelo, e, os olhos azuis faiscavam de ira e ódio.
- Não é verdade, meu amor. – Cuspiu ela para o marido. – Tendes de acreditar em mim, jamais estaria envolvida em tal cabala!
- Podeis acreditar na vossa esposa, Majestade, mas digo-vos que ela não merece a atenção que lhes tendes dado. – Cortou o bruxo, estalando os dedos, fazendo sinal para os seus cúmplices. – Este é o plano matrimonial para Eleonora Francisca Natália Arco-íris Di Neptvnvs, que até há pouco estava na posse da nossa estimada Rainha das Nereidas…
- Não! – Gritou Melnjar, os dois guarda-costas que ladeavam a mulher seguraram-na pelos braços. – Seus brutos, o que é que vocês pensam que estão a fazer, tirem essas patas nojentas de cima de mim! Por favor, eu sou a sagrada Rainha da Atlântida; meu Rei, fazei alguma coisa!
- Segurem essa mulher, ela enlouqueceu completamente. – Gritou um dos convidados, horrorizado com aquele escândalo enorme.
Um dos outros homens tentou puxar a princesa para outro sítio, mas Anúbis, empunhou o seu machado e apontou-o bem na direcção do molestador.
- Tocai-lhe num único fio de cabelo e terá um braço para o resto da vida, meu caro amigo. – Avisou ele, carregando a arma.
Samiel continuou, parecendo não se sentir afectado por aquele tumulto.
Ao seu lado, ronronava o enorme tigre da Sibéria branco, prateado, aproveitando o resto da noite e da sobremesa de carne especial que o dono lhe deixara como prenda especial.
- Parece que a nossa querida rainha não estava disposta a permitir que uma das suas filhas se casasse com Indra, portanto, divisou um plano; pagou inocentemente às Nereidas para que raptassem a Princesa, e deu um recado aos dois amigos guerreiros, Indra e Anúbis, atraindo-os para uma armadilha. A seguir ao súbito e infeliz assassinato dos rapazes, ela aproveitaria para escolher um marido para a filha, particularmente, o demónio com quem os meus homens e os guerreiros em questão acabaram por lutar, e o resto, é, com certeza, do vosso conhecimento, Majestade.
Com um ar frio e severo, o homem dirigiu-se definitivamente para a rainha receosa e preocupada, a tremer de medo.
- Sua Alteza queria o dinheiro de Indra para cobrir as altas dívidas que deve à populaça, não é assim, ò bela e maravilhosa Rainha Melnjar? – Acusou impassivelmente o homem.
Neptuno deu uma vista de olhos à ficha que o Tigre da Escuridão carregava na boca, durante dois minutos, quase nem acreditou naquela história. Por fim, suspirou e disse:
- Isto é verdade, meu amor? Queríeis roubar o dinheiro e usar o dote da tua filha para corromperdes o dinheiro do estado?... Só por umas jóias e roupas?!
Melnjar, detida por dois guardas do Exército Atlante, abanou a cabeça, com lágrimas de crocodilo a escorrerem-lhe pela cara cheia de maquilhagem.
- Eu juro que é mentira, meu querido Rei e Senhor. – Balbuciou, fazendo um beicinho com os lábios prateados e roxos, curvos. – Aquele…aquele homem é que o monstro, ele é que devia estar detido, por traição à Coroa Atlante e blasfémia contra uma deusa!
- Enrolai-lhe a manga esquerda. – Disse Dirlent, com uma bandeja nas mãos, a rir-se descaradamente. – A nossa rainha é uma nereida. Anda a esconder este segredo há mais de cinquenta anos!
Neptuno fez sinal com a cabeça aos homens que agarravam Melnjar, e, quando eles expuseram o lado esquerdo superior das suas costas, perto do ombro, estava um horrível lírio negro tatuado em hena permanente. O símbolo das nereidas, as servas eternas das montanhas e de Tsesustan.
- Se ainda não estiverdes convencido, tenho aqui comigo uma declaração de vinte páginas, assinada por Jutlipa, a Prostituta das Fadas. – Acrescentou Jerininantus, espantado com todo aquele reboliço, erguendo o braço, que continha um pergaminho enorme de para aí três quilos; com o selo das Nereidas carimbada em cera e mel derretido.
Neptuno continuava a acenar com a cabeça, contornou a sua cadeira, e colocou-se em frente da mulher, a sábia da trindade dos três deuses, e esbofeteou-a duas vezes com força, à frente de toda a gente.
- Tirem esta bruxa malvada da minha frente! – Disse ele, amargamente arrependido pela sua ingenuidade. – Fica detida nos seus aposentos até novas ordens. Quero que procurem essa rainha nereida e mandem-na para os calabouços mais fundos que alguma vez existir. – A sua voz elevou-se até a um tom grave e solene, dirigindo a cabeça e os olhos para as nereidas. – Já não são membros das criaturas mágicas, perderão os vossos poderes. Depois decidirei o que fazer convosco.
Rafael, o Feiticeiro Branco e Capitão do Exército branco, chamou os outros homens que estavam a postos, e ordenou em Atlante Antigo para que acompanhassem as quatro senhoras até aos aposentos na floresta de cristal.
Por esta altura, todos os feiticeiros e convidados daquela sala tinham a boca aberta de espanto. Só Samiel se mantinha calmo, e o seu longo rosto reflectia tanto o contentamento que, sem dúvida, sentia, perante a queda dos seus inimigos como se fosse feito de cera.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Um jantar amargo com falta de amor (Parte II)


Sacrifício a uma Divindade de Caracóis


Como? Como? Como?

O sangue já se esvaia

Das minhas veias


Mil mortes sofri

Num manjar,

De um milhão de ceias –

O teu corpo faz-me escaldar,

Quantos sofrimentos eu permiti,

Por causa de Ti!


- Não me ouves? – Pergunto eu,

Não me sentes,

Quero aquilo que é meu,

A adaga já arranca

O teu inocente coração

E a minha sinistra mão


To oferece, a deleitosa dor,

Nada mais, para sustentar, sussurrar, esfregar,

Tal implacável,

Inconsolável,

Desmesurado,

Destroçado amor!

Coisa mesquinha não és,

És homem, anjo, Deus,

Deus, anjo, homem,

Não retires os beijos

Que são meus…


Partilharemos uma eternidade

De horríveis torturas,

Necessárias

Sanguinárias mesuras,

Para sustentar a nossa sensualidade!



Excerto da antologia de poemas “Princesas e Altares de Sangue”, da autoria do Assassino do Amor

Tentou aproximar-se com alguma precaução, pé ante pé, não fosse o anfitrião, num ataque de fúria, expulsá-lo do castelo pela força.
A voz aguda e falsete de Samiel fez-se ouvir em soluços patéticos e quase desesperados:
- Quem está aí? Deixai-me só, com o meu miserável ser!
- Rwebertan, meu jovem. – A voz de Neptuno era velha, mas com um carinho quase paternal, e um pouco preocupada, que coincidia com uma barba longa e cinzenta. Os olhos castanhos e preocupados do atlante vislumbraram um jovem homem de trinta e quatro anos a bater contra o espelho. – O que se passa convosco? Parece que vistes o espectro da minha sobrinha.
O feiticeiro tentou desajeitadamente arranjar a gola do casaco, virando-a contra a corrente de ar, e, no aroma anticéptico da grande casa-de-banho envidraçada com murais de amor, lançou um olhar rígido e severo contra o semideus.
- Vossa Majestade, não tendes nenhum pretexto para vir ter aqui e perguntar-me o que devo ou não ver! – Replicou ele num tom mais adulto.
Neptuno fechou os olhos lentamente, e, de repente, virou as costas, meio desiludido, meio desenganado da reacção do outro homem mais novo.
Baixando a cabeça num ar funesto, comentou baixinho:
- Por uns momentos, criei o falso fundamento que estivestes com remorsos de tudo o que tem acontecido.
- Eu? – Foi a vez de Samiel ficar verdadeiramente surpreendido. – Porque razão haveria de estar?...
O velho soberano baixou os olhos castanhos, e, fixando-os nos do bruxo, sorriu amigavelmente.
Aproximou-se um pouco do jovem, e, num ar sábio, deu-lhe uma palmadinha nas costas, como se não fosse nada, soltando uma expiração longa e demorada.
- Ainda sois o rapaz ingénuo e enamorado pelas coisas boas da vida que éreis antigamente, Rwebertan. – Os seus olhos tornaram-se sérios. – Dizei-me a verdade: estais apaixonado pela minha filha Eleonora?
- É claro que sim! – Exclamou Samiel, pondo o olhar mais gélido que conseguiu arranjar. – E já agora também fui eu que tive a ideia estrambólica de realizar esta festa! Ora, Vossa Majestade, sede sensato.
Lavando com notória indiferença as mãos e a cara ao lavatório, o senhor tenebroso daquele castelo acrescentou com um ar pedante:
- Sede honesto; achais que perderia o meu tempo como coisas como bondade e hospitalidade, quando é o futuro da Bellanária que está em causa? Estou farto de estar rodeado por idiotas.
Ao se explicar as razões porque é que estava a detestar aquela festa de aniversário – as mais óbvias, porque as secretas, jamais as contaria – e depois, voltou para a sala de jantar, juntamente com o rei.
Enquanto comia, os olhos e mal a sua boca seca mal falava, como se estivesse morto, como se quisesse mandar todos embora.
Indra e Anúbis ficaram um pouco confusos naquele momento, sem saberem como reagir à frieza de Samiel, e, era estranho, porque ele não esboçava nem sequer um único sorriso.