domingo, 21 de dezembro de 2014

Excerpto do meu livro "A Fuga"

1731 - Cidade Sol Gelado, Norte da Bellanária, uma cidade rodeada por montanhas e pela nascente do Rio Bênção.  

Prosseguindo adiante, uns metros à direita das portas magnificentes do palácio do seu irmão, Shekar reparou numa jovem escrava que mordia, dava pontapés ao seu mestre!

O mestre, um Gemmyarkan abrutalhado dos seus quarenta anos, ria-se perante a fogosidade da Gemmyarkahni adolescente!

- Maldita víbora, eu te farei ver como uma vida de concubina é muito melhor que a serva de um Chocolateiro! – Praguejou o Gemmyarkan do Sul de dor ao acarinhar a sua mão direita, mordida pela escrava. 

- Pérfido! Traidor, que a Senhora Swertyhina engula o teu hipócrita clã! – Gritou a pobre escrava, ao fugir do chicote do seu furioso mestre.

Os longos cabelos negros, encaracolados, contrastavam com o vermelho intenso da sua pele feminina e as suas asas...Era uma nuvem escura perfumada que esvoaçava ao tentar pedir ajuda às pessoas que por ali passavam...!    

Obviamente, não era de um clã hierarquicamente superior ao do vil comerciante do Sul...Os olhos da adolescente brilhavam, húmidos, indignados e solitários!

Foi então que Shekar reparou nas orelhas pontiagudas, pequenas ,quase demasiado delicadas para serem de uma Gemmyarkahni: ela era uma cy-bata!

A maior parte das mulheres – e até homens – cy-bata eram tratados nessa altura como se fossem lixo...Porém, Shekar não deixava de ficar sumamente enternecido com a doçura perfumada daqueles olhos! Embora houvessem outras escravas Gemmyarkahni cy-bata, esta era de todas a mais formosa! 

Ela usava um longo sári sem mangas avermelhado, como se estivesse prestes a ser  oferecida a um senhor de sangue nobre! Era como se fosse uma amora em movimento!

Ao apanhar a corrente  que estava ligada às suas pulseiras tilintantes de prata, o Gemmyarkan chocolateiro soltou uma risada divertida:

- Vem, minha querida! Paguei três remessas de cacau por ti...E o Senhor desta Cidade decerto me oferecerá uma soma ainda mais generosa quando te vir!

A pobre adolescente, indolente, soluçou num  som de fazer chorar as pedras! 

Shekar, entretanto, não podia deixar de ficar repugnado diante deste infeliz espectáculo! 

Ele não ignorava os costumes que os seus irmãos tinham...Mas sua reacção foi tão brusca que os membros da sua comitiva mal tiveram tempo para o alertar! 

Não se interrompia sem se avisar um comerciante convidado de Rajnustk, o seu irmão! 
Shekar agarrou na mão do Gemmyarkan mais velho: 

- Estas serão maneiras dignas de se tratar uma escrava do mesmo sangue que o vosso? 

Ao que o Gemmyarkan das Florestas do Sul soltou uma gargalhada desagradável e desdenhosa: 

- E quem sois vós, pequeno escravo Cy-bata, para me dares tais sermões?! 

Então era com aqueles modos que os súbditos de Rajnustk tratavam os Humanos, mais fracos que eles? Muito indignado, o jovem Califa revelou com grande convicção a sua cimitarra, com a magnólia a coroar uma Lua crescente e uma tartaruga gravadas na lâmina afiada. 

- Chamo-me Shekar Bre’Ziziki, décimo primeiro Shajaka e Rei dos Gemmyarkan! 

A escrava arregalou os olhos, boquiaberta. Porque estaria o Senhor de Todos os Gemmyarkan preocupado com ela?  

O Gemmyarkan mais velho dardejou para a comitiva do nosso Senhor, apalpou com os olhos azuis, com as suas capas, as letais espingardas, as perigosas lanças e os magníficos cavalos...Como se estivesse a confirmar o que o seu espírito não queria acreditar! 

Tirou apressadamente da capa de couro humilde, rústica e sombria um pequeno lenço de linho. 

Limpou gentilmente das têmporas esverdeardas e enrugadas o suor frio.

Fez a mais solene vénia que um rústico Chocolateiro como ele podia fazer:

- Perdoai-me meu Senhor! Eu já tenho idade para ser vosso Tio...Esta preciosidade pertence a este vosso humilde escravo do Clã Astha’Zaka...Esperava alcançar o perdão do vosso muito bondoso irmão com a venda desta pérola entre as pérolas! 


Vocabulário: 

Cy-bata - metade-humano literalmente em Phetrkaträlam... Antes da Guerra de Poriavostin costumava designar os filhos de Onisamatzeka e de Humanos, mas passou a designar qualquer filho de um/a Humano/a ou do membro de uma das Seis Tribos de Criaturas Mágicas. 

Kulmabgigi - Feiticeiro Desonrado (adaptação), ou "Tio das Sombras" (literalmente) em Phetrkaträlam. Designa shamãs desonrados e exilados dos seus clãs que normalmente viajam e tentam trabalham para exorcisar espíritos. Metade sacerdotes da religião politeísta, shamãnica Bellante, metade guerreiros, os Kulmabgigi sabem várias artes como a sobrevivência, poções ervanárias e geografia. 

Gemmyarkan - Povo das Montanhas e dos Desertos, "Corações Fogosos", literalmente em Phetrkaträlam, uma das Seis Tribos de Criaturas Mágicas da Bellanária. Criaturas aladas mais altas que os Humanos, com os machos conhecidos pelas suas longas presas e as fêmeas pelas pequenas presas de cinco centímetro em espiral. No Sul da Bellanária são conhecidos por "Djinn".  

Bre'Ziziki - Família Salvadora, o clã mais importante e descendente do clã Shajaaka, cujo nome deriva de um herói Gemmyarkan.  

Astha'Zaka - Clã Proibido, Descendentes de D'Jöll, um dos ajudantes do Assassino do Amor. São um dos clãs mais desfavoráveis na sociedade Gemmyarkan. 

Chocolateiro - mercador de chocolate e cacau, também designa os imponentes navios que transportam a mesma mercadoria.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Letters to a Gemmyarkan lord ( Part 2)



Auttumn, 1832, Black Castle in Northern Bellanária 


My inspiration to collect tales of the south was drying. Those southern connections…Nay, I am not from the south. Throughout the ages my family was one that established their connections to the northern part of Bellanária. And the ladies always have such an awful idea about my person!

Please, do try to understand, oh sweet and delicate ladies who read my tales: I am not an Onisamatzeka. And despite this fact, even my own maidens persist in ignoring me. 

Had you, my most talented and sweet ladies, grasp what my heart longs forAlas…! It is my second hundredth birthday and I am not yet a widowed gentleman.
Is it my human appearance that haggard so no blue-blood woman would ever want to kiss me and admire my stories? 

Anyhow, this human lady was soaking wet, her copper-like skin-tone betraying her south-eastern Bellanian origins. How moving her grieving, frail and almond-shaped green eyes looked! Was this the daring and insolent Artist Lady that the valet had announced in an embarassed tone?  She appeared to us as a princess from a fairy-tale! Probably she had no more than eighteen years. 

How dreadfully frightening we, a group of old men, must have seemed to her!  

 Her long, almost transparent veil perfumed with a soft, light-jade and floral fragrance, covered a long part of her darkish hair. Poor little lady, shivering in her fragile and silky viridian sari. 

She was short, but enough so that she could not reach my shoulders with her bare hands had she wished to do so! 

Playing the part of gentle southern Mayan lord, I invited her to join me and my friends for a game of Human cards.

Appearing quite frightened, the Artist Lady merely nodded at my suggestion. 


The main opponent in this card game, was the last descendant of Yasunori III, Kato Hibiki. He could not help to stare at the south-eastern Bellanian lady as she sat next to me on an ivory-coloured and perfumed Russian sofa.

Before she could notice, each and every one of my five card mates was observing the hourglass figure of this talented female artist.

My presence isn’t a soothing one, I know Your Divine Majesty that you would say something like that! And my physiognomy in my Human guise could well be the one of an Onisamatzeka, but I am a Gemmyarkan.  

« My lady! Please, allow me to light the fireplace... » In a split of a second I stood up.

Meanwhile, Hibiki Kato seemed to smile through the piece of cloth which hid his deformed mouth. This "man of the shadow" seemed but a pale reflection of the formidable black sorcerer he once had been! 

The shackles, engraved with turquoise-sparkling spells in Classic Mayan Bellanian, made him limp whenever he walked.  The spells had been encraved by the Mistress of the Castle herself! Black Magic Queen, forgive me... Had I made you appear cruel, I was merely describing the  punishement both you and Lady Roshini had gave to this criminal. 

It is quite fascinating when we are playing a game of poker with a man many Humans have considered a psychopath as the Ancient Greeks would say. The Human Russians describe Hibiki Kato as a "psychopath" for his "depraved, devilish manners", but he displays, often, in our seldom meetings, a deep knowledge about Human warfare and the Universal Magic tactics. 

Once again his hoarse, almost wounded voice displayed a small appreciation for civillized speech.

Hibiki Kato chuckled nervously as he literally begged for one of us, most excelled lords, to offer him a cigarette. 

« My Lord, are you shamelessly cheating to win more money in the expenses of such a fragile flower…I will not be able to concentrate in my own hand! »

« Music is always a balm to one’s spirit: and it helps with concentration, Ninjutsu Master! » My neighbour, Lord Ik’Awkwak of the province of Naltzaec’Ek argued.

Rüdiger Von Tifon, the former Duke of Shunamari did attempt to glance at his hand. However, there was not a single doubt. All Human, Gemmyarkan, Centaur and Onisamatzeka had been caught in their own lustful observations! 

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Letters to a Gemmyarkan nobleman

Upon the arrival of Adrian Demetrius Von Tifon’s letter to my office in the Black Castle, a young lady, holding a small harp in her hands.


The His Jade-like Excellency, Lord Malaghetyev of All Black Magic, had solicited for my presence to narrate one of our land’s most excelled magic tales. 

And of course, the family Von Tifon was one of my main inspirations. While playing poker with none other than the then acting Duke Rüdiger Von Tifon himself, I received his own letter, adding to my collection of letters from the family Von Tifon. The latest was from Lady Yui Von Tifon, the acting Duchess since poor Lady Añulli had departed.  


Letter from
Her Highness, the Duchess Yui Von Tifon
to Lord Grakxiushandriam

23rd day of Octoberl of 1832

Most esteemed lord,

I write this letter to you informing about my future absence in the ritual fourteen day crematory celebration of my father.

It was with great surprise that I received the letter from my son Adrian Demetrius Von Tifon inquiring if I should or not attend the celebration. It is rather ironic is it not, that a such a docile and honest little boy as my Adrian would had fell prey to the poisonous advices of the Duke Rüdiger Von Tifon or my father, Master Murakami.

You, Grakxiushandrian-sama, have been friend with my in-law for almost a century and I am mostly certain you had already received the invitation to the celebrations of the cremation of my father, Lord Murakami.

All that ceremony would nearly drown me with such tedious, dreary speeches, either from my in-law brother, Kato, or from my father-in-law. You do understand do you not, my lord, the reasons for my absence?

It is quite a miracle that you, Lord Grakxiushandrian, of all people, decide to send me your condolences.

Adrian's little sister is becoming quite a beautiful creature. I shall post you together with this letter, oh lord of such distant lands, a portrait Adrian Demetrius has done of his sister when she was contemplating the cherry blossoms.  She has been constantly my joy and her little interest for painting has made me hopeful. Perhaps by next year she will be able to read correctly in Standard Bellanian. My sole hopes go to my little five year old daughter...Perhaps she will become Duchess one day! 

It is quite ambitious, is it not? However, I am certain that you, as an experienced in these - how do Europeans say it? - political matters, will be able to help me, unlike Sakura, who is constantly sending me letters with the sole purpose of contacting her sweet husband. 

I shall have to finish this letter right away, or Christoph will start asking questions and he is far worse in telling his father our couple'conversations! Such a naïve man Christoph can sometimes be! 

My sincere thanks and hopes I hear from Your Lordship...

Duchess Yui Von Tifon 

The next letter I had in my possession was less informal and more brief, written in a fluent and male-like German: 

"Dear friend Grakxiushandriam

I hereby invite you to the celebration of the ritual cremation of my grandfather, Master Murakami Kensaku. I do hope to see you in a week, in the gates of Lord Nékok Yaotl's temple, in the land of Lord You-Know-what's-his-name. 

P.S.: Have you contacted my Uncle yet? I do so wish to meet him in Master Murakami's funeral. 

Yours truly Von Tifon." 

And, obviously, the third letter came from the acting Duke Rüdiger Von Tifon. While Her Highness, his daughter-in-law, is quite a wise woman, Rüdiger Von Tifon is a brother-of-arms of mine. It was written in fluent, Northern Bellanian and it had a certain fling to it since the acting Duke enjoyed to play the part of the elegant man: 

" My dear friend Akdhsavnam...

I expect to see you in the farewell ceremony of our dear departed Master Murakami Von Tifon. Have you considered how expensive this is to me? Even in death, dear friend, this Onisamatzeka vermin allows himself to the luxury of put a smut grin in his face and mock my person!

His last wishes were to see his grandson burn him in one of the highest and most awe-inspiring mountains of this Empire. I merely yearn to see his dead leftovers being incinerated, reduced to ashes!

But to most light-hearting matters: my granddaughter is such a sweet little thing! I had just received early this morning a letter from her excusing her mother for both not being able to assist the ritual burning ceremonies? Is it not precious, dear friend? She has a somewhat clumsy handwriting in German, but certainly that will come with pratice. Of course, the little lady's grammar and ortographic errors are clear, but what can you expect from a girl who has been taught by a lady like my daughter-in-law?

How is your writing projects developing, old friend? A little birdie told me that you were about to finish another one of those delightful Bellanian myths. Europeans do cling themselves for a good-written prose, especially an "exotic" one.

I had enjoyed reading your adaptation to the beautiful story me and Añulli had shared for so many decades.

Hope to meet you in the Black Castle and play a little western poker game,

Rüdiger Von Tifon"









sábado, 8 de março de 2014

Princesa Airina - ou a Princesa Canção Fulgurante de Jade ( II)

Fen Li conseguiu ver nos olhos amarelos, cor de âmbar, adocicados de Leella, algo de nobre! Uma simples camponesa, fosse do Norte, ou do Sul das margens do Bênção, teria ficado calada durante o tempo em que os Gemmyarkan estavam na sala! Mas Leella parecia estar perfeitamente à vontade com aqueles Gemmyarkan...

Ora, ela nem sequer se importara com as maneiras deles à mesa! Qualquer shamã ou feiticeiro Gemmyarkan com setenta anos teria-se apercebido que aquela rapariga aguerrida tinha sangue nobre!

Shajaka e Wstcnak ignoraram simplesmente aquela intervenção brusca da jovem.

Entretanto, Qing tentava ganhar uma partida de Relszhinar, mas Fen Li - o que fazia com que Wstcnak e Shajaka começassem a rir - era muito mais inteligente do que ele! Era um jogo muito popular na Bellanária, especialmente em Losjafhden e nas restantes aldeias, mais para a nascente do Bênção. Quem não conhecesse Fen Li, nem diria que ela era uma novata no jogo!

Aquele era um jogo de estratégia, com uma estructura semelhante ao Jogo da Glória ou ao jogo das Cobras e Escadas, com casas de Fortuna e Surpresa Pelo Caminho, aliciando os piões a moverem-se num tabuleiro circular de madeira, com oitenta casas em espiral.

Inspirado em vários métodos de adivinhação típicos da Tribo dos Gemmyarkan e dos Centauros, dizia-se que o próprio jogo tinha uma aura mágica, e que jogá-lo era fazer os passos dos antepassados! O objectivo era chegar ao Templo da Senhora Bilafassabnsair, na casa que representava "Suryadevnahutbal", na Cidade dos Deuses.

Preso no Poço da Condenação, nas casas que representavam a ilha de Melxocolatlbilar, o rapaz teve que esperar dois turnos para avançar.

Leella sorriu com um ar excitado, as orelhas espevitadas, ao despentear o longo cabelo encaracolado:

- Bem...Para cy-bata, vocês até estão a apanhar o jeito do Relszhinar!

- A Tia Leella já alguma vez jogou este jogo?

- Claro que não, franganote! - Riu-se Wstcnak, ao tentar dar uma palmadinha provocatória no ombro definido da empregada de Ishikawa, mas Leella era muito rápida! - A Leella não deve ter dinheiro para comprar o jogo!

Shajaka arqueou a sobrancelha ruiva, avermelhada, ao puxar o tabaco do cachimbo de mogno cor de terra. O cachimbo era tão comprido e elaborado que Fen Li até jurava que se parecia com uma presa de um Gemmyarkan:

- Também não é preciso exagerar, Wstcnak...! O Rokurou Ishikawa pode ser um Humano, mas ele não é como a malta preconceituosa de Suryadevnahutbal, no sudoeste! Decerto que a Leella deve receber dinheiro suficiente para se vestir e socializar com as outras Gemmyarkahni... Ainda me lembro de quando ela chegou aqui, mal tinha quinze anos!

Entretanto, Qing já podia avançar no número de casas...Atirou os dados feitos de osso de jaguar para o tabuleiro. O colorido peão de madrepérola avançou pelos dedos do rapaz três casas, até à casa cinquenta e dois.

A irmã Fen Li olhou para o que a carta dizia em Phetrkaträlam (a língua antiga dos Gemmyarkan)  e traduziu para Chinês:

- Aquele que erra uma vez, tem uma oportunidade para não errar oitenta vezes oitocentas vezes! Tira lá uma carta, Qing, pode ser que ganhes mais um número de avanço de casas!

Qing tirou à sorte uma carta do baralho feito com papel de milho reciclável, e reparou que lhe tinha calhado um acessório para o seu pião: um arco e uma flecha.

- Oh, um arco e uma flecha! - Wstcnak reparou como o rapaz cy-bata tinha uma oportunidade para lançar os oito dados mais uma vez. - Significa que ganhaste uma boleia de um navio chocolateiro...Se te calhar um número em múltiplos de oito, vais parar ao Norte, nos Alpes das Sereias, na casa de partida, mas se te calhar um número ímpar, significa que avanças oito casas!

- Enfim!

Depois de tantos anos a divertirem-se juntos, Fen Li nem podia acreditar que Qing  estivesse a portar-se como um mau-perdedor! Lançou um olhar espantado, esverdeado e rasgado para os dois Gemmyarkan, que encolheram os ombros, com as orelhas compridas murchas e encolhidas.

- O que é que se passa, Qing? Não estás a gostar do jogo?

Ele levantou-se repentinamente, mal-humorado. Fixou-a nos olhos, frio, como se já tivesse perdido o jogo.

Rokurou Ishikawa abanou a cabeça, num olhar reprovador. Se Qing não tinha a paciência para fazer cálculos fáceis para um rapaz de catorze anos, então como é que poderia vir a tornar-se num excelente guerreiro e num feiticeiro inteligente?!

- Não é nada disso, mana, eu adoro este jogo! - Resmungou, e tanto Leella como Fen Li compreenderam que ele estava a mentir. - É que um arco e uma flecha não são propriamente armas próprias para um guerreiro...! Além disso, é que era suposto ser eu a ganhar, não tu! Tu és uma rapariga! O que é que uma menina percebe de guerras?

Fen Li corou, irritada ao tentar defender-se diante dos Gemmyarkan, de Rokurou Ishikawa e de Leella:

- Sei muito mais sobre guerras do que tu, meu honrado irmão Qing!

Leella mostrou um semblante severo ao jovem Qing, um pouco indignada com o comportamento do rapaz, mas este limitou-se a ignorá-la!

sexta-feira, 7 de março de 2014

Princesa Airina - ou a Princesa Canção Fulgurante de Jade


( Isto é um re-make de um velho conto meu... Coitadinha da Leella... Ser-se uma jovem Gemmyarkahni de vinte anos apaixonada por um Humano não deve ser fácil! ) 


Ajsaitrovina - Canção Fulgurante de Jade - é uma das princesas mais comoventes, dramáticas da história dos Gemmyarkan...! A sua história é cantada muitas vezes, celebrada na "Noite Triste", como alguns antigos Gemmyarkan chamam à Festa da Bandeiras Humanas...Até se diz nesta Tribo que ela é a vida passada de Arij-Çarvnatr, a escrava Humana que, seiscentos anos depois, tornou-se na Rainha da Ilha da Tartaruga Flutuante de Jade! 

A sua história mistura-se com a de outra mulher lendária na vasta mitologia Bellante: a Senhora Roshini, a Rainha das Kinnaree! 

Quando a jovem Fen Li e o seu irmão, Qing - pronuncia-se Zhing - apercebem-se que a Grande Ilha da Bellanária não é só um império habitado por Humanos, Rokurou Ishikawa tenta compreender as razões pelas quais os Gemmyarkan andam tão inquietos! Os Gemmyarkan são mais próximos da Natureza que os Humanos, sendo a "segunda raça" de criaturas inteligentes que os Deuses criaram no princípio dos tempos, de acordo com a mitologia Bellante.  

A jovem criada Gemmyarkahni, Leella, não parava de suspirar pelos cantos da casa do seu patrão, o experiente feiticeiro Humano...Mas, quando Rokurou Ishikawa lhe perguntava se a jovem criada andava a beber às escondidas, a jovem negava com a maior das friezas e seguranças! 
Limitava-se a sorrir, embora as orelhas encolhiam, murchando como se fossem duas flores azuladas. 

Mesmo sendo uma jovem orfã, Leella tinha o seu orgulho, e nunca deixaria que um homem Humano a apanhasse com a flecha da Senhora Bilafassabsnair a ferir-lhe o coração! 

Sentia-se por vezes comovida com a história dos dois cy-bata adolescentes: Fen-Li e de Qing respectivamente! E aquela pobre Gemmyarkahni vivia para adoçar com os seus cozinhados e as suas bebidas, a vida do seu querido mestre! 

Um certo dia, Shajaka, o líder de Gemmyarkan da povoação de Losjafhden e Wstcnak, o mais importante  comerciante Gemmyarkan do lugarejo, decidiram aparecer na entrada da moradia de Rokurou Ishikawa!

Era verdade que Leella não gostava lá muito de estar com outros Gemmyarkan, mas também não era adepta de ficar sozinha o dia inteiro na moradia, enquanto Fen Li e Qing iam cavalgar com o seu mestre! 

Por isso, tentara puxar uns cordelinhos com os "amiguinhos dos Framboeseiros" para arrastarem o Chefe da Aldeia de Losjafhden para a moradia...E lá conseguira! 

Suspirou um pouco, enquanto Qing colava as orelhas ao conto que Wstcnak lhe contava...A própria Leella achava que os Gemmyarkan tinham um dom para contar histórias reais de modo a que se parecessem tão fantásticas como as lendas da criação! 

- Deviéis escrever um livro... - Leella comentou, ao servir uma repetição de mousse de chocolate Gemmyarkahni com cerejas e pimenta ao guloso rapaz de catorze anos.

- Ah, eu não passo de um comerciante de licor de framboesa! Nenhum Gemmyarkan de um clã superior (nem mesmo o nosso Estimado Imperador) iria querer ler as narrativas das minhas viagens! 

Vestidos com retalhos e túnicas um tanto empoeiradas, as duas "importantes" personalidades de Losjafhden não esperavam receber a notícia de uma terrível represália aos Gemmyarkan do Sul por parte dos Humanos nos jornais...! 

Shajaka estava precisamente a discutir o assunto com Rokurou Ishikawa... 

-  Quer dizer, nós, que somos, geralmente, um povo pacífico, somos acusados de distúrbios na grande capital industrial de Cy-bata Teito, e eles começam logo a pensar que é o fim do sétimo mundo; o Assassino do Amor expulsa uma quantidade de Gemmyarkan que viviam nas terras dele. – Comentou o aborrecido Shajaka, mostrando o enorme jornal, no vozeirão de leão de quarentão que tinha, bebendo o resto do chá de jasmim. – Mas quanta é que eram estas pessoas? Seiscentos, duzentos? E nem uma palavrinha dele no jornal dos Humanos! 

O feiticeiro Humano acenou com a cabeça, enquanto bebia pacientemente a sua chávena de chá. 

- Não é assim tão injusto quanto parece...Os Humanos de Suryadevnahutbal estão assustados com o que aconteceu há coisa de quinze anos atrás, com os Gemmyarkan do D'Joll, do Jerininantus e do Nimtauk a matarem raparigas Humanas inocentes! Lembram-se o que aconteceu na Noite da Magia Negra?

- Isto agora vai cantar fino...Se a malta da Capital dos Deuses não se puser a toque de tambor de guerra, então o Rei da Tartaruga Flutuante de Jade irá conduzir um massacre em Suryadevnahutbal! O Senhor Nékok Ashatz é que nos passou a tortilha quente para as mãos! - Explicou Wstcnak ao comer o que restava da tarte que Leella fizera. - Os Humanos de Suryadevnahutbal, na Cidade dos Deuses, não resolveram o problema do Assassino do Amor, apenas varreram-no para o rodapé do tapete! Enfim, talvez a Princesa Ajsaitrovina consiga fazer alguma coisa...! 

- A Princesa Ajsaitrovina? - Rokurou Ishikawa arqueou as sobrancelhas, espantado. Embora tivesse passado muitos anos na companhia de Gemmyarkan do que a maior parte dos Humanos que tinham contactos na Capital do Império, ele nunca pensara que uma mulher pudesse ter uma voz na sociedade...Se bem que Swertyhina era a principal padroeira das Seis Tribos! 

- Aí está uma rapariguinha corajosa! - Wstcnak sorriu com os seus dentes e as suas presas compridas, ao refastelar-se, expelindo um pouco do fumo do cachimbo. - As raparigas podem tornar-se guerreiras na nossa Tribo, Ishikawa! De facto, não me admirava nada que aquela franguinha estivesse neste preciso momento a dirigir-se para a Cidade dos Humanos, para falar com o Imperador! 

- Nós temos os nossos próprios jogos diplomáticos, Ishikawa. - Comentou Shajaka, ao deixar que Leella lhe enchesse o cachimbo com o tabaco. - Mas aquela rapariga...Sua Alteza acredita mesmo que é descendente da Senhora Swertyhina! 

Leella suspirou: 

- Isso significa que a Princesa não passa de uma marioneta?! Para que serve ter todo o jade, milho, chocolate, e vestidos lindíssimos e coloridos se somos como se fôssemos um saca-rolhas para licor Frambinam do Papá! 

- Filha...Tu cala-te, sim? Tu cala-te, que não é toda a Gemmyarkahni que entra nas residências Imperiais de Sua Majestade, Senhor da Grande Ilha da Bellanária!

« Porque é que não te calas tu, seu comerciante de segunda?! » Leella riu-se com um ar embaraçado, enquanto tentava beber o seu chá.

Quase que se engasgava ao beber o chá, quando viu que Rokurou Ishikawa estava a sorrir para ela! Ele era tão maravilhosamente belo como um humano com cinquenta anos!

Rokurou Ishikawa suspirou com um ar optimista:

- Talvez fosse melhor eu escoltar essa jovem Princesa Gemmyarkahni, nunca sabe se ela pode ser apanhada por um dos carrascos do D'Joll...

- Não! - Leella soltou um grito irritado em Phetrkakaträlam, como se fosse o guincho de um macaco.










quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A Prole de Yekatoryaa (300 anos depois)

Exercício de Escrita criativa... 

Citlali Cyemn'atshanka - ou Citlali a Sétima - é uma das figuras mais obscuras, e talvez mais ambíguas da História Bellante! Tal como a maior parte das "heroínas" Bellantes, Citlali tem olhos esverdeados, amendoados, e algo de "mestiço"...


Uma velha rosa caía do roseiral perfumado da antiga casa em Shunamari…Embora fosse antiga, a feiticeira adorava aquelas rosas, ainda belas mesmo no fim do Verão! A jovem mestiça sorriu, ao inalar o perfume a mar que vinha dos prados…

 Provavelmente as camponesas já tinham colhido o milho! A pálida e alta Citali Cyemn’atshanka tinha uma cintura que as mulheres das aldeias chamavam-no de “febril”, nos seus sotaques pesados em Russos.
Ao atingir os vinte anos, Citlali conseguira finalmente a liberdade. Não fora fácil, e sempre que pensava nas lágrimas que derramara ao ser esbofeteada pelos seus amos, colonos e fidalgos Russos, ela rangia os dentes furiosa. Rutilavam-lhe os olhos como preciosas pedras de esmeralda…

Um olhar que muitos camponeses diriam ser quase de uma “cigana demoníaca”! Mas Citlali não era nada disso! Era metade Russa por parte do pai, e tinha sempre um leve aroma a cravinho, da parte Chinesa…Que belos olhos esverdeados eram aqueles, que cintilavam no amanhecer!

Ao contrário dos que as pessoas pensavam, Citlali não tinha a pele descarnada ou extremamente magra…Isso era apenas um rumor que as mulheres Alemãs e Russas tinham espalhado! Uma cintura e uma saúde que hoje em dia seriam invejáveis naqueles tempos eram censurados…A casa de Citlali era tão maldita quanto um hospital para leprosos!

Porém, conseguira arranjar tantos clientes – ou ainda mais clientes – quantos os dos hospitais públicos, convencionais, construídos pelo Barão de Merlonogrado…! A jovem feiticeira sabia tratar pessoas e reconhecia qualquer mal – muito melhor que outros barbeiros ciúrgiões que tratavam as gentes brancas.  

Um mestre de trinta anos de Ninjūtsu uma vez elogiara a sua beleza…Porém, perguntara à jovem porque é que ela recebia tão pouco pelas idas e visitas das gentes. Se afinal de contas ela era muito mais eficaz e sabia as verdadeiras causas que infectavam os camponeses, devia cobrar mais pelas visitas do que cinco Fenixninianos de ouro…
«Os camponeses ganham por mês cinquenta Fenixnianos por trabalharem as terras dos seus senhores…Seria injusto se eu lhes arrancasse mais que uma décima do seu pão!» 
  
Citlali também adorava pôr ao mundo – ou como as gentes de Shunamari, ser uma tetlacachitzhualini, ou uma tzitl, o que pronunciado de forma rápida era como o nome feminino “Tzitzilli”, que também era uma onomatopeia para sinos a tilintar. Citlali riu-se um pouco divertida com esse pensamento ao recordar-se do sufixo que usavam para referirem-se a ela…

O jardim que rodeava a sua casa era como uma extensão da floresta, com pequenos riachos de água transportados das cheias, que irrigavam através de discretos e refinados túneis subterrâneos a casa suspensa em pilares fortes fundados numa pedra resistente e soldada com aço enfeitiçado. Na estação das chuvas, um criado e amigo de Citlali há muito conduzia as pessoas que tentavam ver para além dos musgos sombrios e das plantas rasteiras que subiam por lindamente esculpidas estátuas de mármore…  

De manhã, porém, no fim da estação estival, o barulho subtil das pérolas de orvalho a deslizarem das rosas era algo relaxante de se ouvir…! Quem diria que esta era a casa de uma “hinin”, como a chamavam os Japoneses…? Porém, a feiticeira de vinte anos adorava a natureza e sentia-se mais à vontade do que na movimentada cidade de Verlöneres Stadt!

Um pequeno pássaro bateu à varanda do seu quarto…Este pequeno pássaro, de penas azuladas e metálicas, era na verdade um shikigami, uma parte shamânica e um servo precioso da feiticeira.
Sorrindo, ela acariciou levemente as penas do rouxinol.
- Ora, ora…Meu querido Chalchiuchtlacuitl, o que me contas de Merlonogrado e dos portos de Shunamari?

Mas a voz que a feiticeira ouviu não era a que ela estava à espera…A voz que ela ouviu nesse momento era masculina, suave e com um sotaque Japonês:

- Finalmente encontrá-mos-te, Citlalyoko! Quantas gerações de mulheres humanas é que passaram e tiveram o mesmo apelido? Quatrocentos anos voaram tão depressa para um neto de Yasunori III…

- Quem és tu, maldito Oni? Porque é que decidiste roubar o meu mensageiro e servo?

- Não sabes? – A voz soltou uma gargalhada maliciosa ao fazer com que os olhinhos do pássaro se injectassem em sangue. – Bem…O sangue da Guardiã da Escuridão deve estar mesmo perdido nas areias do tempo então! Eu sou o descendente do filho mais novo e irmão daquele que a tua antepassada matou…Chamo-me Kato Daisuke

- Com que então também és um feiticeiro… - Murmurou Citlali Cyemn’atshanka num tom de puro desprezo ao virar as costas ao shikigami. Porém, ela própria tinha os seus truques na manga, uma vez que guardava sempre consigo um pó abençoado no templo da Senhora Swertyhina, em Cy-bata Teito. Sabia que isso iria fazer com que o pássaro – e logicamente, uma parte do sangue da sua perna – começasse a esvair-se em sangue…

Mas se era a única maneira de impedir com que o Mestre de Magia Universal soubesse do seu paradeiro, então ela correria o risco!

- Tem calma, minha pequena! – Avisou a voz eloquente do tetraneto de Yasunori III Di Euncätzio. – Tenho cento e quarenta anos, não gostava que uma humana tão talentosa perdesse sangue só porque me despreza! E afinal de contas, estamos do mesmo lado…

- Do mesmo lado?! – Citlali Cyemn’atshanka riu-se num tom irónico. – Vocês matam e usam o Ninjūtsu por pura crueldade…! Eu utiliso as minhas técnicas para o bem da comunidade!

- Chama-lhes o que quiseres, Citlalyoko…! Porém, ambos sabemos que tu também utilizas as a Escuridão e a Luz, tal como eu fiz para controlar o teu passarinho…Os outros humanos não passam de uns hipócritas…Mas tu…Tu sabes que afinal de contas, o Deus que eles idolatram nunca pediria para chacinar e escravizar pessoas inocentes! Achas justo o que pode acontecer com a Bellanária?

- Isso não vai acontecer com o nosso Império! – Cuspiu a refinada e elegante jovem de vinte anos ao atirar a areia sagrada contra o pássaro. 

Porém, ela sabia que não faltava muito para que os Russos e Alemães tentassem apoderar-se da totalidade das terras de Shunamari…Citlali odiava a política! Porém, não resistia em roubar daquelas mulheres nojentas e supersticiosas, que pensavam que as escravas Bellantes não eram mais que animais! Enquanto elas devoravam caviar, as pobres raparigas nem conseguiam tocar no milho que pagavam àquelas mulheres egoístas!

Citlali não era burra, sabia o que custava ser-se escravo de alguém… E aqueles homens eram escravos da sua própria ganância!  Ela conhecia-os, mas limitava-se a ser simpáticas com eles porque não tinha motivos nenhuns para odiá-los! O Sacerdote da Nascente de Ku-min, seu mestre uma vez dissera que as vidas dos Homens são criadas através do sangue e por ele eles morrem…Não sabia muito bem o que os shinobi-no-mono queriam dela!

Lembrava-se de ter ajudado umas mulheres dos shinobi-no-mono a darem à luz alguns filhos…Tinha pena daquelas mulheres, esposas de homens assim! A Guarda Imperial Bellante não era assim tão justa quanto aparentava, mas ao menos, tentavam parar os avanços do Duque Leberecht e dos Russos…!

Não podia esquecer-se que era uma Turlamranahgualini e as feiticeiras de ascendência não usavam Magia Negra, como aqueles assassinos! Respirou bem fundo ao descer a corda que permitia-lhe aceder à pequena piscina que era o seu quintal nos meses de chuvas…Sabia que o Nagguena iria fazer as estradas para Merlonogrado e para Verlöneres Stadt quase impossíveis de atravessar a pé!

Aonde é que estava o Sacerdote da Nascente de Ku-min agora? Provavelmente já teria passado para Xibalba, ou para o submundo dos espíritos…Mesmo assim, ela achava que não teria tempo para perguntar-lhe o que é que os shinobi-no-mono quereriam! Tinha de criar um shikigami em forma de cavalo e partir em direcção…

Citlali Cyemn’atshanka engoliu em seco! O Litoral de Shunamari! Desde que conseguira libertar-se da sua condição como escrava, há seis anos que não via o litoral! Estava a vinte quilómetros dele, mas Verlöneres Stadt ainda era mais a nordeste, e ela tinha um pavor de se encontrar com alguns colonos nojentos Alemães…

Sabia falar Alemão e tinha um sotaque de Shunamari fluente nesta língua…O problema é que muitas vezes os colonos Alemães tentavam escravizar as mulheres Bellantes à força, e não legalmente! A diferença estava no facto de usarem correntes e anéis de ferro e não de madeira! Para além disso, os escravos dos Alemães não ganhavam nada! Eram tratados como pó!

Mas ela tinha a certeza que os shinobi-no-mono (ou pelo menos, os homens de Kato Daisuke) iriam protegê-la se a vissem assediada por colonos Alemães…Ou como os Maias de Itshaki lhes chamavam: os “Bruxos Japoneses”!