sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Um jantar amargo com falta de amor (Parte I)

Aquela noite estava mais brilhante do que o dia, com toda a abóbada celeste a cintilar de orgulho e prosperidade.
Perto do túnel que dava para o átrio principal desta visão horrífica e atraente, chegavam várias carruagens de todos os tipos e várias formas, quer fossem pequenas ou grandes, de todos os tipos, e de todas as raças, que se pudesse imaginar: demónios, nereidas, feiticeiros, e, é claro, a comitiva de Indra e de Anúbis, que, perdidos em mil delícias, quase tinham esquecido a sua querida amiga Eleonora. Pelo que aquelas criaturas diziam, festejava-se o aniversário do malvado bruxo. Mas, o que era mais impressionante, é que a Rainha Melnjar e a Rainha das Nereidas estavam lá, juntamente com os respectivos maridos, O Rei Neptuno e o Pai da Senhora Swertyhina. Na verdade, estavam mais inimigos do que amigos, o que era ainda mais suspeito, pois, sendo um homem reservado, o Assassino do Amor preferiria não ter ambos perto do seu alcance.
Os convidados foram levados até ao salão de jantar, e mal todos se sentaram, confortáveis nas suas cadeiras, a festa começou, com um Samiel taciturno no topo da mesa, com um ar impaciente num trono maior do que todas as outras cadeiras. Estava ainda mais requintadamente vestido do que para Eleonora de manhã, com um casaco de couro preto com adornos de ouro em figuras pontiagudas com uma gola felpuda pontiaguda nas pontas de um tigre, uma túnica azulíssima que lhe dava até aos pés, e que, na cinta, lhe apertava cinco fios de prata com o Terceiro Olho de Tsesustan em ametista, e, diagonalmente, usava uma faixa de pele de cobra apertada três vezes, com cerca de cinquenta centímetros. Nos pés, tinha calçado sandálias banhadas num mar de diamantes, cuja madeira de cerejeira era bastante resistente. Tudo em conjunto, dava uma figura bem sinistra e refinada do homem a quem toda a gente na Atlântida tinha os seus medos. Esta ideia não tinha vindo da mente insensível e solitária de Samiel, mas sim dos seus subordinados, que, atenciosos como sempre, quereriam festejar o trigésimo quinto aniversário do mestre com uma enorme festa, o que não agradou, de maneira nenhuma, o senhor do castelo. Dizia que detestava grandes alaridos e festinhas horríveis e barulhentas, mas lá lhe conseguiram convencer a não cancelar a ideia, pois já tinham enviado os convites, e seria uma enorme descortesia da sua parte dizer de maneira fria que não haveria festa para ninguém. Além disso, era o aniversário dele, e não se poderia esquecer uma data tão importante.
Com a cabeça apoiada sobre a luva cor-de-vinho de veludo duma maneira desinteressada, o feiticeiro quase que fazia com que toda a gente se sentisse mal com a sua presença. Soltou um inaudível suspiro. Quem lhe dera que os seus lacaios não fossem tão idiotas ao ponto de pensarem sequer numa coisa daquelas. Seria que eles não entendiam que não era só o barulho e as multidões que o incomodavam?... Teria se passado tanto tempo assim?
Se ao menos pudesse estar com a sua amada, ali, sozinho, com ela, mais ninguém, numa noite tão bonita como aquela, a celebrar o seu aniversário com ela num jantar romântico e simples, com uma comida simples, e ela, envergando aquelas vestes humildes e graciosas, naquele corpinho branco como o leite, apelando para ele a tocar com o seu amor carinhoso. Agora, vinha esta palhaçada inteira, ainda por cima com Neptuno, estas comidas todas, aquele excelente vinho dos Alpes das Sereias, os aperitivos com bacalhau e pimenta negra…Que aniversário perfeito ele iria ter!
O primeiro prato foi sopa de alho com beterraba e cenoura, uma especialidade da cozinha do Castelo Negro, do qual todos comeram com bastante apetite, excepto o anfitrião, que, apesar de ser um grande apreciador de gastronomia variada, olhava para o prato tristemente, fazendo curvas e contracurvas com a colher, enquanto o Tigre da Escuridão encostava a cabeça no colo do dono, consolando-o, tentando ronronar e acalmar a frieza do amo, mas em vão.
Samiel estava totalmente absorvido nos seus pensamentos negros, e, por isso, entendendo o mau humor do seu senhor, as criadas fantasmas logo retiraram o prato de sopa. Neptuno viu que esta era a oportunidade para ter uma longa conversa com o feiticeiro, por isso, pediu para também ir à casa-de-banho, uma vez que o senhor tinha se ausentado para fazer as necessidades.
Depois de dar algumas voltas ao labiríntico palácio, descobriu um homem infeliz, agarrado à porcelana do bidé, vomitando com alguma constância, os aperitivos e três copos de poção calmante.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

a Nuvem Doce:... Mistério na Comida


Situado na Inctaluatalidenistados Rue, nos arredores da Cidade dos Deuses, é a pastelaria fundada pela terna e doce mãe de Pedro, uma fada com o distinto nome de Susana Linsra, nos meados dos Anos 70. O meu namorado sabe pouco dela, a única coisa que sabe é que o tem nas fotografias a preto e branco: uma rapariga dos seus dezoito anos, sempre junto ou na Cidade dos Deuses, juntamente, com um homem de cabelo grisalho de cinquenta anos, alto, com um sorriso afável e misterioso. O nome desse homem é Aurélio Apolinnaris, o pai de do meu grande amigo. Ao lado deles, está um jovem dos seus trinta anos, com expressão insensível, fria, e distante, cabelos negros volumosos presos por várias tranças atrás, como usavam os antigos guerreiros Aztecas, e um casaco de couro à Michael jackson, e olhar de felino negro. Esse seria o único parente vivo do meu amigo, o Tio Custódio Epifânio Tezcatlipoca. Não confundas o último nome dele com o verdadeiro nome daquele deus azteca, cujo significado é “Espelho Fumegante”. O Pedro já me explicou que ele prefere ser chamado no bairro por “Tezca”, ou por Sr. Epifânio, e é assim que os pequenos fregueses o tratam, se não querem levar um puxão de orelhas, no entanto, os vizinhos e os filhos dos vizinhos continuam a chamá-lo de Tezcatlipoca, quando não está presente, é claro. Chamam-lhe assim, porque ele passa a vida a dizer «Olhe-me só o preço desta bebida: quase passa pelas mãos, como o fumo…» É o slogan dele, e o Pedro já me explicou o porquê de ainda não o ter posto à beira da tabuleta da velha pastelaria; mas disse-me que, as velhas garrafas são feitas de vidro de obsidiana, que, com a espuma do álcool, aquilo quase que tem fumo nas garrafas do bar do tio dele. Eu também não compreendi lá muito bem a piada, mas isso é lá com o velho humor bellante. O Tezcatlipoca tem uma voz muito sibilante e rouca, como se fosse o rosnar de um velho jaguar, e é muito desconfiado, mas algumas vezes, costuma brincar – assustar – as criancinhas que vêem à pastelaria dele comprar a farinha para as mães.
Na hora do almoço, eu costumo passar por lá para comer qualquer coisinha antes de voltar para a escola, e o mais engraçado é que ele é um excelente cozinheiro e um óptimo negociante. É muito esperto para a idade que tem, que devem ser para aí uns cinquenta anos, e costuma estar sempre com o cabelo curto, ao contrário das fotografias, com gel à maneira, como a malta nova aqui da geração moderna.
Contudo, a gabardina à Michael Jackson e o avental preto axadrezado com riscas vermelhas e pretas ainda não desapareceu. Ou está muito bem disposto, normalmente, a assobiar uma melodia bellante típica, arrumando a loja com a ajuda do sobrinho, ou está de péssimo humor, com um ar arrepiante.
O facto de ter aceitado tomar conta do filho da cunhada enquanto esta era levada para a Ilha da Morte não foi um acto de pura generosidade – cá para mim ele só quer aproveitar-se de ter um ajudante e empregado à borla.
Enfim, eu não me meto em discussões familiares, e o Pedro já tem demasiados problemas na vida dele.
Ao princípio, o Nuvem Doce é muito atraente e simpático, mas logo se vê que o tio do meu amigo é pão e bolor, bolor e pão; ou seja, não é lá muito de confiança…acho eu. Eu só como lá às terças e quintas porque é barato, e depois não tenho de ouvir a minha família com mais uma das discussões.
O mistério é…como é que o pai do Pedro morreu?... Quer dizer, um cyborg não morre assim tão facilmente, a seguir aos Bruxos, eles são uma das mais poderosas raças de feiticeiros de todas as Ilhas das Bellanárias.
Tezcatlipoca tem uma perna de metal, e, misteriosamente, uma vez, quando se vi a cortar-se com uma das facas, ele não sangrava. Ora, os Cyborgs têm de ter sangue, ao menos mágico nas veias, senão, não eram Cyborgs, eram Deuses, porque os Deuses não sangram!...
E porque é que a mãe de Pedro não é descrita como uma personalidade dominante na vida dele enquanto criança, porque é que ela foi separada, porque é que os Bruxos odeiam tanto os Cyborgs?