sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Citlalioko - A Guardiã da Escuridão


Decidi fazer uma pequena história baseada num evento que se passou hoje... A vida real por vezes pode ser inspiradora!



Cuixtletleuictic Citlali - Estrela de Prata - tinha recebido o nome em honra da sogra de Hideyoshi, o reputado Cimitarra de Água que tinha posto a ordem nas terras do sul e que estabelecera um reinado de paz nas Ilhas de Jenalrar. Ela morava num edifício já de si um pouco seco e de gosto rústico, em Losjafhden. Talvez fosse mais a vontade da mãe do que sua viver num sítio assim tão húmido e frio. Era uma casa de bruxos, de modo que a altiva bruxa de origens Chinesas preferisse viver numa casa em plataforma altas e madeiradas de cor escura do que numa típica casa do sul. Formosa, mas um pouco afastada das outras vivendas de feiticeiros, a casa tinha como vizinhos uma barca habitada por comerciantes e um belo e pequeno bosque onde prosperava um silêncio macabro, apenas perturbado pelo assobio da corrente do Rio Bênção e o silvo do vento a passar por um esplêndido damasco prateado.

Nessa altura, a pequena aprendiz de bruxa - se bem que não se podia chamar assim a uma dama da alta sociedade - tinha de se comportar devidamente, de forma a que não levasse bastonadas da mãe, que se considerava como descendente de um astrólogo Chinês. A Mãe tinha-se casado por um favor que um primo seu, Lao Kuang, mais conhecido como o "Leão Infernal" entre os Japoneses, tinha prometido a Sharzhatzl-Ólin. Obviamente foi com desagrado que a senhora que usava sempre uma faixa de algodão quente roxa-escura entre os elegantes braços pintados com pó-de-arroz, aceitou, ao ocultar o rosto entre as longas mangas de lavanda o casamento. Se bem que houvessem mulheres de inferior condição que o escravo preferiria ter-se casado, fazer uma desfeita daquelas a um bruxo de tamanha condição como o Leão Infernal seria como se tivesse assinado a sua própria sentença de morte.

O seu irmão mais velho, Zollin, era um rapaz vindo de outra relação, no entanto, ambos gostavam muito um do outro. E Sharzhatzl-Ólin gostava de ambos os filhos. Estrela de Prata era calma e intuitiva, Zollin era exactamente o mesmo - para embaraço do pai. Algumas vezes, eram tão parecidos que chegavam a ser gêmeos um do outro.

Depois da guerra de Poriavostin que tinha durado até 1066, a cidade Losjafhden estava em ruínas - a enorme fornaça que outrora tinha servido para queimar o temível Assassino do Amor vivo estava feita em cacos. E, uma vez que o país não estava em guerra, não era necessário reconstruir a velha vila Japonesa. Com um terramoto causado pelo próprio pai das duas crianças, não restava nenhuma casa a não ser as das famílias Chinesas de feiticeiros que não tinham concordado em combater do lado de Rwebertan Samiel Di Euncätzio. A linda vila de Losjafhden, cem anos depois, não passava de um pequena aldeia onde vivía a única descendente de Onisamatseka, uma aterrorizada senhora Japonesa com o nome de Kazue Hana - Flor da Primavera.

Muitas vezes, Onisamatzeka Kazue era visitada pela pequena Estrela de Prata, embora a senhora fosse descendente de um demónio. Ora, foi numa dessas tardes, em que a jovem de longos cabelos louros voltava para casa, que um estranho a abordou: era um homem, com uma enorme espada de aço embainhada na túnica verde e escura. Seria um guerreiro Bellante? Não, mas também não estava vestido como um feiticeiro Japonês. Então só podia ser Chinês...mesmo assim, ela não deixou de baixar a guarda. Mesmo que se tivessem passado cem anos, a sua Mãe tinha-a ensinado a manejar uma espada, quase tão bem quanto um homem. Por isso, com a espada oculta debaixo do lindo vestido cor do céu, ela recuou.

O Guerreiro de Túnica Verde acenou numa vénia profunda e formal, tal como se deveria fazer quando se estava diante de uma bruxa de condição.

- Sabeis por acaso, jovem senhora, onde fica a aldeia de Itshaki? - Perguntou o estranho, num sotaque no qual ela percebeu ser Japonês. E no entanto, a espada era de dois gumes. A voz dele era muito suave e doce, e ela pensou se, por debaixo do capuz cor de terra, não houvesse um jovem encantador. Ora, numa altura daquelas, com o Inverno a principiar, seria natural que um homem se cobrisse com um capuz, ainda para mais numa terra onde cheirava a morte por todo o lado. Era preciso ter-se cuidado para não apanhar uma praga ou ser amaldiçoado por um fantasma dos dias de guerra.

Estrela de Prata apenas encontrou como resposta abanar a cabeça, num gesto delicado, mesmo assim, reservado.

- Ainda deve ser longe...deve ficar no centro desta Grande Ilha, suponho.

O homem de túnica de veludo e quente suspirou com um ar paciente, à medida que se cobria contra a força do vento.

- Enfim...Mas é natural, deveis ser de cá, e é por isso que não conheceis bem esta ilha.

Ao ver que ele apenas queria conversar - afinal de contas, era mesmo um estrangeiro - ela deixou que ele ouvisse a sua bela voz uma vez mais:

- Sim...eu vivo não muito longe, perto das margens do rio.

A jovem apontou para o horizonte, onde os damasco prateados cercavam as ruas com as suas lindas folhas amarelas e resplandecentes. Contudo, não deixou que ele contemplasse o seu rosto branco, herdado do seu pai escravo. Ora, se ele estava a tapar a cara com o capuz, era justo que ela também não mostrasse os seus olhos rasgados e grandes como duas avelãs. Para além disso, uma jovem dama como ela não devia mostrar a sua beleza a homens estranhos. Porém, ela podia ir aonde quisesse, desde que usasse longos e maravilhosos vestidos que cobriam de todo a sua figura perfeita e incrivelmente feminina. A Mãe estava preocupada com ela, e tinha-a criado para que jamais homem algum a pudesse magoar. E oh, como Citlali era uma jovem desconfiada e inteligente! Os seus olhos ao olharem para o horizonte, pintado com as cores sedosas e rosadas do anoitecer, repararam o quão belas as árvores eram, e o quão felizes aquela humilde gente de Losjafhden estava. A verdade é que sempre que ia visitar a tia, nunca deixava de admirar tudo o que lhe aparecia pela frente, mesmo que fosse uma ninharia comparado com os tesouros que existiam na casa da Mãe. Lembrou-se da sua querida Mãe, do quão ansiosa ela devia estar por voltar a ver aqueles lindos olhos castanhos, e decidiu não voltar a cara para aquele homem.

De tal modo ela procedeu que qualquer homem que visse esta cena provavelmente procederia de forma diferente e não se atreveria a dirigir-lhe uma palavra sequer. Contudo, o homem da túnica verde continuou a falar.

E ela - apesar de não o mostrar diante dele - ficou de tal modo espantada com aquelas palavras...afinal de contas, ele estava-lhe a contar que era apenas um guerreiro, que procurava um pouco de paz naquelas montanhas.

- A guerra de Poriavostin foi algo sem dúvida extenuante para qualquer feiticeiro. Mas eu sou apenas um homem que veio de terras distantes, um camponês que conseguiu arranjar uma arma e lutar ao lado de irmãos e amigos. Tudo isto deve ser deveras maçador para uma donzela, filha de um escravo que conseguiu ascender à classe dos Bruxos...

Ao que ela respondeu, um pouco indignada com o ligeiro tom de desprezo com que ele dissera aquelas palavras:

- Não sou exactamente filha de uma bruxa...A Mãe é um pouco severa, tal como qualquer mãe deve ser.

Ele soltou uma leve risada. No entanto, a sua voz continuava a ser tão melosa como quando abrira pela primeira vez a boca, tão dourada quanto as folhas de gingo. Não havia nada de estranho naquela figura de um guerreiro, com uma espada Chinesa, envergando uma túnica de veludo semelhante ao jade escuro e polido. Era como se houvesse algo mais para além disso. Contudo, ela deixou-o continuar, com uma postura digna de uma altiva senhora Chinesa.

- Sois uma donzela muito inteligente. Voltei para a Bellanária para ver se está tudo bem, e parece que sim. - Disse ele num tom ambíguo e enigmático.

Naquele momento, Citlali só pensava em voltar para casa. O Sol já se escondia sobre as sombras dos espessos troncos. Estava a escurecer, e ela tinha a certeza que apesar da sua Mãe ser bastante condescendente, ela jamais a perdoaria por estar fora durante tanto tempo. Se aquele homem continuasse com aquela conversa, ela ia sacar da espada curta num instante!

- Para um homem como o senhor, isso deve ser bastante extenuante. - Ela comentou num tom gentil, mas frio.

O Homem da Túnica Verde encolheu os ombros num gesto conformista. Só aí é que ele reparou que ele era de uma estatura média, até aceitável para um Japonês. No fundo do seu coração, secretamente, ela suspirou de alívio. Aquele não tinha ar de ser um demónio disfarçado.

- Faz uma semana que cheguei do Japão. Como o tempo passa depressa, não é verdade? – Desta vez, a voz era mais informal.

Sem dar ares de admirada, ela respondeu com um simples “sim”, acenando com a cabeça num ar submisso. Foi então que ele aproximou-se uns poucos metros dela, o que fez com que Estrela Prateada se arrependesse de se fazer submissa. Devía tê-lo chamado nomes, devia actuar como se fosse arrogante ou autoritária, tal como qualquer outra bruxa faria! Sentiu-se como se fosse a rapariga mais estúpida à face daquele universo.

- Bem... O que pensais que estais a fazer, Mestre... – Ela carregou o sobrolho, por detrás do leque cor de pêssego, desta vez com um verdadeiro ar de desconfiada.

- Pensei que podia acompanhar-vos até casa, minha senhora... – Ele respondeu num tom nada malicioso.

Respirando bem fundo, ela lá deixou-o escoltá-la até casa. Ao chegarem às portas da vivenda da Mãe de Estrela Prateada, ela parou, e agradeceu com uma ligeira, mas distante vénia pelo cavalheirismo do misterioso homem. Tudo isto sem revelar o seu belo rosto de arroz fino e macio.

- Talvez nos possamos encontrar uma vez mais, Senhora...

- Talvez... – Ela disse numa voz reservada. Foi aí que ela, mais para fazer troça do homem do que por outra coisa, deixou que um pedaço do leque lhe destapasse os lindos olhos amendoados de menina. Piscou-os em direcção a ele, num ar sedutor, mas ao mesmo tempo, recatado e doce.

E foi assim que ela se apressou, graciosa como uma fugidia ninfa dos bosques, para as portas de madeira escuras, desaparecendo por entre elas, sorrindo para dentro.