segunda-feira, 30 de junho de 2008

Jutlipa - a Prostituta das Fadas...


Jutlipa, de cabelos castanho e dourados como a mais rica e preciosa filigrana, tão pequena como um travesso esquilo e olhos azuis dançantes, seria a mensageira e isca para desviar a atenção de Samiel.
Leila, a Rainha das Nereidas e a que tinha ordenado o rapto de Eleonora para ser mais uma escrava sua, o sabia como esta nereida, uma fada de aspecto humano duma criança de catorze anos, com um peito triangular e pequeno, de olhar muito atraente, nariz pequeno e afilado, orelhas bicudas e lábios tão apetitosos como uvas acabadas de colher, era capaz de seduzir até o demónio mais empedernido e frio. O seu narizinho, miúdo qual um botão de flor, era o mais bonito nariz que uma fada alguma vez podia ter. Com asas de borboleta transparentes e brancas como a seda, Jutlipa dirigiu-se então, mais rápida do que um raio, à entrada do castelo, disfarçada de uma inocente criança humana de quinze anos.
A esperta nereida sabia como Samiel, para além de mulherengo, tinha um elevado cadastro de pedofilia. Aliás, como mais nova, maior seria o desejo e apetite sexual do feiticeiro. E, mal ele estivesse distraído, ela espetaria uma adaga nas costas do desgraçado. Tinha sido, desde criança, preparada para matar demónios, um bruxo adulto seria um desafio ainda maior. Ela sabia que estava a fazer o certo, pois ao assassinar o mais perigoso assassino que toda a Atlântida conhecera, ela seria considerada uma heroína na sua terra, lá, nos altos Alpes…Sim, esta seria a missão da sua vida. De qualquer maneira, tinha lutado muito para chegar àquela posição voluntária, não iria deixar que um castelo tão gótico como aquele a assustasse. Na ala Norte, tudo é escuro com tons azuis-escuros e frios, e uma cúpula de berço, que ilumina uma escadaria comprida de mármore preto, com cada um dos lados dos corrimões de alabastro azul-escuro decorado com figuras de tigres prateados em miniatura, de precisamente dez centímetros de altura e largura, lindamente esculpidos na melhor tradição hindu. Sobre as paredes prateadas e escuras de dez metros de altura pintadas dum papel de parede com vários lírios azuis, estão suspensas várias tochas de mogno preto, com chamas azuis a brilhar na penumbra do átrio. As cinco grandes colunas de mármore preto e branco, cada uma com oito metros de altura e três metros de diâmetro são uma decoração de ordem jónica, perfeitamente trabalhada com vários altos-relevos de cenas de batalha entre bruxos e fadas, o que arrepiava imenso Jutlipa.
Nesta sala, não existem nenhumas portas nem móveis onde nos possamos sentar, apenas uma esguia lamparina de oiro delicado de filigrana pendente duma corrente banhada a prata, dum comprimento de um metro e cinquenta, com a lamparina de cinco centímetros a baloiçar graciosamente, pendurada ao tecto da cúpula pela corrente de prata fina, que até parece milagre ainda não se ter estilhaçado no chão. A lamparina fornece-nos gentilmente um agradável e calmante aroma a incenso misturado com baunilha, com o qual relaxava um pouco a nereida guerreira.
O porteiro tinha-a deixado entrar porque a considerara uma rapariga bonita, e, além disso que agradaria provavelmente o amo.
Com as mãos escondidas atrás da túnica branca, cuidadosamente retiradas das vestes de seda que usava, Jutlipa escondeu rapidamente as suas orelhas pontiagudas e longas, com medo que algum bruxo desconfiasse dela ao ver aquele pequeno, mas invulgar detalhe fisionómico. Ainda bem que tinha ocultado suavemente as asas castanhas-escuras de borboleta, caso contrário, pensariam mesmo que ela era mesmo uma fada, excepto o tamanho reduzido de trinta centímetros. A rainha tinha-lhe preparado uma poção para que a guerreira conseguisse ter uma altura considerável dum metro e sessenta e esconder as asas.
Estava muitíssimo bonita e expansiva, com as botas de cano alto feitas de veludo calçadas até aos joelhos, com a curta saia branca de renda por detrás da túnica, tapando-lhe as coxas e o traseiro humilde, mas espevitado – tal e qual o peito, mas muitíssimo mais suave.
Com o seu cabelo castanho rebelde e solto a dar-lhe pela cinta, ela suspirou, enquanto observava um bruxo que, decerto, a iria receber…

terça-feira, 17 de junho de 2008

Capítulo 1 (primeira parte de três)


O começo do épico em prosa "A Lua dos Meus Sonhos" - escrito pela escritora Tifongirl, baseado em testemunhas, algumas fícticias, outras autênticas, acerca daquela que veio a ser uma das maiores aventuras, desde a criação do Ser Humano - é como uma lufada de ar fresco antes da tempestade. As personagens, por si, não comentam, nem criticam nenhuma das alterações que tiveram de ser feitas - e estão a ser - durante a producção do livro. Em princípio, a obra era uma tradução em Português de Portugal, feito pela fada Alice Gernnützan no Verão de 1946, com o título original de 'A Princesa, a Bruxa e o General', com o intuito de ser um conto de fadas para crianças, mas devido à censura, a ideia da publicação ficou em «...águas de bacalhau...» até agora. Adaptado para todas as idades, "A Lua dos Meus Sonhos" é um romance que, decerto, apaixonará todos os leitores a um sonho, cujas intermináveis aventuras se desenrolam uma atrás da outra. Em nome de todos, obrigado pela vossa atenção, e agora, silêncio, pois, se vai dar a primeira parte do Capítulo 1 da "A Lua dos Meus Sonhos": ....


A nossa história começa realmente no ano de 1919 depois de Cristo, num dia solarengo de 25 de Maio, precisamente a treze minutos antes das nove horas.
Num campo florido de roseiras brancas, iluminado convenientemente ao Sol brilhante, naquela clareira quente e amena, no meio da Floresta de Cristal.
Esta floresta sagrada, símbolo da paz e da Mãe-Natureza, zona atlante que cobria um terço da Atlântida, habitada pelas Fadas e por outras demais criaturas e seres, nasceria a reencarnação duma das irmãs mais corajosas e valentes de toda a Atlântida, aquela rapariga que deu a vida pela sua pátria.
Este lugar colorido e bonito, com um fresco aroma a rosas trazido pelas graciosas sílfides (as leves ninfas e fadas do ar), com a relva verdinha acabada de regar pelas ondinas – as fadas e ninfas da água, dos rios e dos lagos, com cabelos de oiro e vozes de rouxinol, a nadar calmamente numa pequena ribeira à direita da clareira – e a temperatura agradável com que as folhas dos castanheiros, aveleiras balançavam, sem nunca cair, fazendo com que os botões em flor abrissem lentamente, pelas invisíveis salamandras.
Foi em Nutus – o Campo da Juventude – que Annelina Sara, ou “Anne” como lhe chamavam as amigas – nasceu.
À medida que crescera, a jovem ninfa da terra, ou melhor a dríade Annelina – um dos bons desta história – tornava-se cada vez mais bonita e sabedora. No entanto, conservava sempre a meninice dentro de si. Afinal de contas, era uma fada da terra, e as dríades, essas lindas criaturinhas extrovertidas e brincalhonas, são as mais formosas e engraçadas de todas as Fadas.
Também foi nesse local, que, aos onze anos de idade, o seu bando de dríades se juntara ao relento para dar uma festa em honra ao seu décimo primeiro aniversário.
De opinião aberta, o que a fazia um pouco pertinente, sempre de bom-humor, muito imaginativa, mas frequentemente distraída, Annelina era muito curiosa, para além de ser bastante teimosa e desconfiada.
Porém, diante de estranhos, era um pouco tímida, educada e receosa. Era uma rapariga bastante extrovertida e contraditória, mas era mais doce do que o mel das abelhas.
Ocasionalmente, ela é que era a mais corajosa para ir à cidade mais próxima comprar gengibre, leite, manteiga e pão para as refeições da sua tribo. Annelina até nem se importava de se cruzar com alguns Cyborgs e Feiticeiros Brancos, que a recebiam nas suas bancas com sorrisos de orelha e orelha e diziam nas suas vozes meigas “Ora, o que temos aqui? O que desejas, minha querida criança?”
Ela respondia sempre prontamente, com um sorriso, meio pudico, meio travesso, com os seus grande e lindos olhos azuis a brilhar de inocência «Um litro de leite, cinquenta gramas de gengibre, cem gramas de manteiga e uma baguete de pão.»
Sendo a mais nova da tribo de Dríades Hulme Defgirtanm, composta por aproximadamente vinte mulheres, Annelina seria, sem dúvida, quando crescesse, a mais bela de todas elas!... Tinha cabelos longos e escuros, que lhe davam pelos ombros, dando-lhe um aspecto bem amoroso. Faces morenas e pequenitas e um pouco redondinhas, nariz franzino e lábios pequenos, e um corpo médio, para aí com um metro e cinquenta e cinco, e uns olhos castanhos e cintilantes reflectiam uma alma bondosa e pura duma criança.
As que não estavam a cozinhar saudáveis sopas, saladas e outros alimentos vegetarianos, com bolos de cenoura e fantásticas sobremesas à base de fruta e vegetais – que era, tudo o que elas tinham lá na floresta – preparavam os melros, os rouxinóis, os grilos e as cigarras; ou enfeitavam as árvores, os arbustos e a relva com lindos pirilimpampos a brilhar ao luar; ou, no caso mais atrevido, iam a Cyborg Town buscar cacau em pó e outros condimentos.
Annelina Sara Rós Branca raramente ia à cidade, e quando o fazia, adorava ir até lá e ver os mercados, as gentes...Ficava simplesmente maravilhada com aquelas pessoas tão curiosas e ocupadas a trabalhar. O seu melhor amigo era Isaías Qerbhat, o jovem centauro de treze anos, mercador de gengibre, que viajava por terras desconhecidas e países do oriente. Como passavam pouco tempo juntos, ela via-o como um irmão mais velho. Um divertido e aventuroso irmão que partia, de vez em quando para paragens desconhecidas e regressava um mês depois, com histórias fantásticas e cristais sempre curiosos no saco à tiracolo. E era nessas alturas em que ela lia mais. Apesar de não ter muito jeito para a cozinha e ainda estar a aprender, Anne adorava ler livros, acerca de coisas para além da ilha, e o facto de novas coisas estarem sempre a acontecer em todos os lugares do mundo ao mesmo tempo deixavam-na curiosa.
Refugiada na calma floresta, juntamente com as outras fadas da terra, ela não fazia a mínima ideia de como as cidades podiam ser perigosas! É claro que ela só tinha ido aos arredores da Cidade Perdida, na costa oeste da Atlântida, mas se soubesse que, a esta altura, os Bruxos estavam no auge do seu poder, ficaria aterrorizada!
Isto porque, os Humanos estavam a chegar quase ao limiar entre a Dimensão Mágica e o seu mundo. Isto porque, certos homens maus – não estou a definir a Humanidade em geral – começavam a ficar interessados na Magia Negra e nos seguidores de Tsesustan, os Bruxos.

terça-feira, 10 de junho de 2008

O Cavalheiro (Informação)


Tal como já te contei, o Cavalheiro é uma mistura dum restaurante, com um clube nocturno francês e um salão de dança de aproximadamente cinco andares, localizado no número 88 da Avenida Principal. Fundado em 1928 pelo bruxo parisiense Alfredo Chévrier (um indivíduo deveras bizarro, diga-se de passagem, foi preso pela Gestapo por suspeitas de ser homossexual, apesar de ser casado), inicialmente como um salão de baile com jantares e almoços, o Cavalheiro teve um sucesso estrondoso por volta dos inícios dos Anos 30.
Por volta dos anos obscuros da ocupação nazi na Atlântida, o conhecido local nocturno de entretenimento faliu, devido à séria acusação de Chévrier. Actualmente, desde ‘79, este edifício é gerido por uma entidade anónima, que financia e dá carradas e carradas de dinheiro aos empregados, bailarinas e chefes de cozinha que trabalham lá. Embora já não seja o rei dos salões ou clubes ou restaurantes de Cyborg Town, continua a ter um seu toque de requinte e elegância pelos seus brilhantes pratos típicos atlantes, e por ter as mais belas dançarinas atlantes, com o estereótipo exótico moreno, mediterrânico, do qual o General B tanto gosta. Como se isso importasse de qualquer maneira, francamente! O turismo atlante é frequentemente alimentado pelo machismo que continua a imperar na nossa ilha, e o Cavalheiro é um hotspot para todos aqueles pimbalhões mulherengos que vem lá dos USA, da Rússia e dos países do Norte da Europa, que gostam das nossas pobres adolescentes que vêm dos bairros de lata ou do inocente campo da Floresta de Cristal. Sinceramente, sempre gostava de saber quem é o desavergonhado que gere aquele antro de…De…Bom! De uma pouca-vergonha, é o que aquilo é. Com aquelas lambisgóias todas, e o maricas do Nälden lá, toda a santa terça-feira. Mas enfim, o que quer que ele queira provar, dentro do seu minúsculozinho aparelho genital, o certo é que não tem nada a ver connosco, não achas?

Em honra ao clube nocturno e salão de baile mais famoso de toda a Atlântida, o General B mandou esculpir e pintar esta estátua dos dois "Senhores Amantes da Fronteira e da Magia Negra", onde foi colocada precisamente perto da entrada do Cavalheiro. Como é que Swertyhina e Tsesustan se conheceram? Isso é outra história

domingo, 1 de junho de 2008

O Senhor do Castelo (Parte III)


Terminado o delicioso pequeno-almoço, Samiel já ia começar com as suas artes de sedução, quando Jerininantus apareceu de repente, um pouco preocupado e os olhos azuis a reflectirem um ligeiro receio.
- Senhor, caro Mestre Samiel! – Disse ele, a recuperar o fôlego. – Preciso de falar convosco! É importantíssimo.
Samiel levantou-se rapidamente, ávido e curioso por saber as novidades e o que teria acontecido na sua ausência, enquanto estava ocupado a fingir ser um homem de bom coração para Eleonora acalmar-se.
- De que estás a falar, Jerininantus? – Perguntou ele, interessado.
- Jurai não vos enraivecer. – Disse ele numa voz inquieta.
Inclinou-se diligentemente e cautela até estar ao nível da altura do patrão, e com um ar de conspiração, segredou alguma coisa ao ouvido de Samiel.
Passado algum tempo, um ou dois minutos depois, soaram algumas vozes a anunciar a vinda de Anúbis, Indra e a sua comitiva.
Samiel acenou com a cabeça e sorriu. Eleonora não tinha a certeza, mas tinha a impressão de tê-lo ouvido murmurar “Perfeito” enquanto o bandido acariciava com os dedos magros o seu tigre, que ronronava ternamente em resposta ao dono.
- Então...compreendeis porque é que eu...
O cobarde servo já ia dizer mais alguma coisa quando o sempre calmo e frio bruxo interpelou-o, levantou-se da cadeira dum salto e deu uma palmadinha cúmplice nas costas de Jerininantus.
Eleonora franziu o sobrolho, desconfiada, e tentou aproximar-se com cautela discreta para escutar melhor a conversa.
O que estariam aqueles dois a tramar?
Com um ar frio e malévolo, Samiel estalou prontamente os dedos, e logo a louça foi arrumada numa nuvem de fumo pelos fantasmas das mulheres escravas.
Depois, ergueu o olhar autoritário, para Jerininantus.
- Não faz mal, convida essa boa gente para o meu castelo, ordena que tenhamos um bom café; excelente presunto; chocolate; figos; o melhor vinho e das melhores iguarias na sala de estar. Procura divertir todos com as mais belas bailarinas e os meus pássaros musicais; mostra a todo o séquito os quartos, os jardins, os corredores. De facto, faz com que o meu Indra esteja demasiado ocupado e contente para não dar falta da nossa querida princesa. – Ordenou ele de forma calculista. – Mas, faças o que fizeres, não menciones aquilo que nós sabemos e do qual não podemos falar com gentalha divina. Entendido?
Jerininantus beijou respeitosamente o anel do seu senhor, levantou-se, fez uma leve vénia quase militar e retirou-se solenemente pelas portas principais, sem dizer uma única palavra.
A rapariga olhou com nojo e desprezo para o homem. Afinal, o que é que ele pretendia ganhar com todos aqueles jogos manhosos de “faz-de-conta”?
Obviamente que não era nada de bom, senão, ela estaria mais aliviada.
Samiel pensara mal ao julgá-la inocente e ingénua. Na verdade, ela era bastante esperta. Pelo menos era o que lhe diziam.
Então, levantou-se de braços caídos, muito chateada, com uma coragem digna duma rainha, e lançou-lhe um olhar amargo.
- Chega, Assassino do Amor! – Disse ela. – O que é que quereis de mim...?! Dizei imediatamente! Pensais mesmo que eu sou medrosa ou burra o suficiente para acreditar na vossa língua peçonhenta e venenosa, é?
Samiel, concentrado nos seus planos, nem reparou nela, e, mal a ouviu, soltou uma gargalhada maldosa, esboçando um sorriso, como uma fissura num icebergue que fez com que a desconfiada rapariga recuasse uns quantos passos.
Com a boquilha de prata presa nos seus lábios, ele sorriu divertido com o aparente desconforto dela.
Avançou lentamente até ela, e, ao ver que Eleonora finalmente tremia de medo, pousou as suas mãos gélidas e frias cobertas pelas luvas nas costas frágeis da rapariga, quase como que num gesto meigo.
- Não há dúvida que és uma autêntica filha da grande Rainha Melnjar, minha querida, esperta e pequena Eleonora. – Ela fechou os olhos, por um momento, tentando manter a paciência e evitar dizer algum insulto ou calúnia, tentando ao mesmo tempo não olhar para o atroz rosto de Samiel, que sorria maliciosamente. – Vejo que não consigo mudar a tua opinião acerca de mim. É uma pena. Talvez num outro dia, com mais tempo.
O feiticeiro suspirou com alguma leveza e olhou para o Tigre da Escuridão, que agora estava adormecido num sono profundo, deitado na carpete, como sempre.
- Não é engraçado como a vida tem certas ironias? Se eu nunca tivesse conhecido a Eris, nunca me teria tornado num dos homens mais poderosos de toda a Atlântida e jamais me aperceberia da importância do espírito. Cada vez que mato uma mulher, penso nela, naquele dia em que ela me fez....Desaparecer, extinguiu o meu corpo verdadeiro, a minha matéria, deixando apenas o espírito. E, de cada vez que eu devoro o sangue e a carne duma mulher, a minha antiga beleza de jovem anjo reconstitui-se. Claro que, da primeira vez que o fiz, pensei que iria perder tudo! Mas, foi por causa daquela mulher e daquele doloroso dia que eu percebi a importância do espírito e da forma como manipular a Atlântida, de a governar tudo e todos sem ser preciso sequer sair do castelo, com uma única e rara excepção: as mulheres de sangue prateado. Aquelas malditas das tuas irmãs são a única forma de me derrotar em combate, querida Eleonora. Mas, … tu não compreendes, pois não? Que o mundo está cheio de inimigos, inimigos que te querem…Magoar, fazer-te muito infeliz, …
Enquanto dizia isto, o manto preto de Samiel roçava sinistramente dum lado para o outro, de encontro ao chão, enquanto as suas botas ouviam-se como assustadores sinos, prenunciadores da desgraça que se poderia vir a abater sobre a Atlântida.
«Se eu conseguir induzir uma que seja a deitar-se comigo, casarei com ela, e, numa só noite, sugarei toda a sua energia vital até que esta não passe duma linda marioneta, e, aí, poderei soltar o meu espírito e usar o corpo desta a meu favor, posso ascender á mais perfeita das imortalidades, poderei livrar-me de todos os meus adversários.
Chegarei onde quiser, verei tudo e todos. Serei imparável e imbatível, até que o idiota do teu paizinho ajoelhe-se perante a minha pessoa! Tão perfeito como um deus qualquer. Aí, eu restaurarei o meu corpo ao normal e reinarei em todos os domínios atlantes que me pertencem por direito. É uma visão ideal. O problema é que o corpo e espírito dessa rapariga nunca me aceitam tal e qual como sou. É por essa razão, devoro a sua carne para me tornar ainda mais poderoso. Poder e exterminar aqueles que me desafiam e tentam cobardemente apunhalar-me pelas costas! É tudo o que me interessa.» Parou abruptamente, acabando com aquele devaneio aterrorizador. O seu rosto ostentava a mesma expressão trocista e cínica que Eleonora lhe conhecia desde criança.
Ao apagar o cigarro e acabá-lo com elegância, pousando-o num cinzeiro de cristal em forma da cabeça dum leão chinês, prestes a engolir as cinzas a queimar de incenso e hortelã-pimenta, disse:
- Claro que, para isso, tenho de aprender muito. Mas, em todos estes anos, as minhas pesquisas sobre como possuir um corpo de outrem e outras magias universais revelaram-se sempre insuficientes. Por isso, fui obrigado a admitir que preciso de uma espécie de professor. E é aí que tu entras, ò meu rostinho de ouro. Que conheces tão bem o reino dos sonhos e podes entrar na mente de qualquer um sem qualquer dificuldade. Não é por acaso que te chamaram da “Sonhadora”.
Ela virou-se friamente para outro lado, completamente desinteressada dos planos megalómanos do bruxo. Com os braços cruzados, nem reparou que o felino de Samiel acordara para estar a passear entre as pernas suaves e bem esculturais dela.
- Eu não tenho medo de vós… – Disse ela receosa, tentando não olhar outra vez para Samiel, que estava a uns perigosos centímetros do seu rosto, tão perto que ela conseguia ouvir a respiração ofegante, mas gelada dele. – É só que eu nunca trairia as minhas irmãs para fazer parte dum dos seus diabólicos truques!
Eleonora tentou escapar do tigre, mas ele era tão grande, e com aqueles grandes olhos redondos que, ou eram azuis, ou vermelhos, ela sentia-se prisioneira do bruxo!
Inesperadamente, Samiel passou-lhe uma mão enluvada pelo rosto, um gesto que teve bastantes semelhanças com as carícias de Indra.
- Não sejas idiota, minha bela Eleonora. – Disse ele, numa voz quase doce e sedutora. – Eu posso dar-te tanto...
Com as mãos pousadas cobertas pelas luvas de cabedal nas mãozinhas delicadas da ondina, o feiticeiro olhou ternamente para ela.
O brilho amoroso dos seus olhos verdes encantava, lentamente, a pobrezinha, que convencida pelas palavras suaves e queridas de Samiel, já sucumbia à sua vontade. Já não eram os mesmos olhos frios e repletos de maldade que tinham ameaçado torturar os próprios ajudantes mais fiéis. Não, eram olhos dum homem experiente e que sabia o que queria, onde o podia achar e como o fazer.
- Oh...Que palavras doces...! – Exclamou ela, aproximando-se do corpo predatório e viril do Assassino do Amor. – E que corpo robusto...Quem me dera que o meu querido Indra tivesse a vossa discrição e corpo tão forte!
De repente, lembrou-se de Indra, e teve pena dele, que não devia estar a traí-lo com aquele homem horrível! Era um namorico desavergonhado, e, ainda por cima, que vinha contra tudo o que a sua mãe Melnjar lhe ensinara.
Não podia fazer uma coisa daquelas a Indra, era contra a sua própria natureza, e, mais do que tudo, contra os seus instintos femininos.
Eleonora sabia que o Assassino do Amor ainda poderia a vir enganá-la com algum truque ou magia qualquer; porém, ele continuava a olhá-la com aqueles olhinhos tão arrebatadores e masculinos....Mais um pouco e ainda não aguentaria.
O seu coração confrangia-se um pouco, e, no entanto, as palavras de Samiel pareciam tão verdadeiras....
Suspirou, presa num complexo dilema, com a mão encostada no bonito queixo de rapariga.
Recuou mais um bocado, já livre do animal de estimação do Assassino do Amor, que agora ronronava não nas suas pernas, mas sim as do nefasto amo, que sorria para o leal tigre com um ar satisfeito.
Eleonora abanou a cara, um pouco a medo, assustada com a ideia de poder ser uma traidora aos seus pais.
- Não o faria! – Disse ela num tom hesitante.
O tabaco de Samiel veio subitamente à sua cara castiça e perfeita, num sopro, quase que o expelisse e assobiasse para o ar.
Com o comprido objecto prateado entre os dedos da sua mão direita, ele tocou levemente nos cabelos encaracolados, quase como se estivesse a brincar lascivamente com eles, e aproximou-se novamente dela, com um ar atrevido, sorriu.
- Não faríeis o quê, vida minha? – Disse ele num tom hipócrita.
- Ajudar-te e ser morta no fim! – Retorquiu importunada. – Sei muito bem que os bruxos raramente são honestos e sinceros com as mulheres.
Ele largou repentinamente o pau feito com madeira refinadamente banhada em prata, que caiu de forma inócua no chão.
Pelos vistos, Samiel não admitia ser desconfiado com tais blasfémias, e, pelo seu ar, parecia bastante irritado pela rapariga ter falado acerca dos rumores e nomes que lhe chamavam.
- Disparates! Como é que uma princesa tão inocente, inteligente e bondosa poderá acreditar em tais calúnias espalhadas por nereidas cruéis e venenosas das montanhas?! – Comentou rispidamente. – A Magia Negra nasce limpa.
E, continuou a seduzi-la com os seus encantos de aristocrata, mas, por mais que tentasse, Eleonora conseguia sempre ser fiel à sua castidade e guardar-se para apenas os lábios e braços de Indra.