sábado, 31 de dezembro de 2011

O Kulmabgigi, o Escravo e a Sacerdotisa



Só espero que a letra não esteja demasiado pequena ou grande ou seja lá o que for (tenho cá uma paciência para passar a limpo as coisas que escrevo no Word e depois pô-las no blogger...! Mas que raio de mundo electrónico é este que não nos deixa ficar com uma letra apresentável? ) Um conto festivo para o final de ano...

Claudinitiana fora há mais de mil anos atrás, vítima de um maremoto de violência. Enganada pelas promessas de um homem que ela achara ser verdadeiros e bem intencionados. Embora as mulheres naqueles tempos na corte tivessem um grande poder e soubessem fazer magia tão bem quanto os homens, a sociedade do Norte era um pouco mais conservadora, pelo menos nos tempos em que a maior parte dos estrangeiros eram Chineses. As mulheres – estou a falar das mulheres de nobreza, aquelas que descendiam de pais de origem Grega – sabiam tanto de literatura como das várias línguas que se falava nas ilhas bellantes. Não se sabe muito bem como, quando nem porquê é que a jovem se encontrou com o feiticeiro, filho adoptivo da família de mercadores e feiticeiros Chineses. O facto é que desde esse dia em que a sua virgindade tinha sido destruída, a jovem rapariga de quinze anos decidiu nunca mais ter a ver com os bruxos do norte. Ela sabia muito sobre ervas e poções, por isso não é de admirar que Rwebertan Samiel Di Euncätzio a tivesse escolhido e não a outra dama da corte. As mulheres bellantes nobres de origem humana eram muito ricas e também muito belas, com as peles caucasianas e os olhos separados e delineados como qualquer Europeia. Seguiam-se as filhas dos guerreiros e oficiais do exército, essas já eram Nahualli de gema e tinham outras feições, com a pele bronzeada como se tivesse sido pintada em ouro. Com os corpos ondulados e envergando vestes coloridas, de sorrisos delicados e muito doces, elas atraíam os guerreiros e comerciantes vindos de partes desconhecidas do mundo.

Eram dos bruxos Japoneses e dos comerciantes Chineses que costumavam vir as famosas trovis, que tentavam seduzir as belas raparigas bellantes. As mulheres da corte nobres faziam-se desejar: dançavam com os seus corpos de raparigas jovens nas festas multiculturais como a Festa de Nagguena e a Festa dos Senhores (Guerreiros), respectivamente no fim da Primavera e no inicio do Verão. Os homens que fossem ou feiticeiros, ou guerreiros – ou seja que fossem do Exército ou que servissem como guarda-costas dos camponeses – podiam, fossem eles de que nacionalidade ou raça, levar uma rapariga para dançar com eles. Nessas alturas, era muito provável que uma jovem (mesmo que fosse uma nobre) se deixasse encantar nos braços de algum estrangeiro. Ai, que o amor não é uma coisa lá muito fácil de se governar! Diz-se que a própria padroeira da Cidade dos Deuses e Deusa da Guerra, a Senhora Bilafassabnsair, toma a forma de uma prostituta para copular com humanos em tempos de festa. Isto claro, era uma anedota lançada pelos bruxos do Norte.

Porém, Claudinitiana – apesar de ser uma das guardiãs das placas que ocultavam o segredo de como usar a Lua dos Sonhos – foi (tanto do Sul, como do Norte) alvo de calúnias e das piores acusações possíveis. Chamavam-lhe de “criatura imunda e desavergonhada” pelas pessoas do Sul, de “mulher serpente demoníaca” pelas pessoas que viviam para além do Rio Cnarq, “cortesã de bruxos” entre os Chineses, “gueisha” no século dezoito e dezanove (no sentido prejorativo), “mulher amarela e sardenta” entre os Europeus, e outros nomes que tais que seriam demasiado porcos para eu os mencionar. Diz-se que Deus dá nozes a quem não tem dentes, e realmente, a mulher com cauda de peixe, sem pés, que apesar de ter um coração muito volátil, também era muito doce e as palavras saíam-lhe dos lábios como quem não tinha cuidado com aquilo que dizia.

Um dia, duzentos anos depois da guerra de Poriavostin, ela encontrou um aprendiz de feiticeiro – ou melhor, um escravo. O homem não tinha o ar bem posto dos bruxos, mas também não era nenhum nobre bellante, daqueles que têm a pele enrugada por cicatrizes e a cara enegrecida pelas dores da guerra. Era um jovem bárbaro, provavelmente que viera através do comércio Chinês. O guarda-costas dela, um guerreiro Japonês de cento e tal anos e Kulmabgigi experiente, talvez tivesse olhado de soslaio quando verificou que o rapaz era de origem Mongol. Porém, a piedosa Claudinitiana não deixou de dar uma esmola ao jovem que tinha-os arranjado o transporte para ela voltar a casa. A partir desse momento, a sereia com mil anos acima perdeu-se de amores pelo jovem escravo de apenas dezasseis anos. Como é irónico, apaixonar-se depois de se ter purificado num dos momenos sagrados do calendário! Bom, ao menos sabia que a Senhora Bilafassabnsair não a censurava. Aquela deusa era a deusa do amor platónico, da paixão desenfreada e sem limites!

Acenava com o leque emplumado para o rapaz se encontrar em segredo com ela, mesmo que não tivesse nem espadas, nem soubesse feitiços, nem coisa que o valesse para a sustentar. Ah, de uma coisa ela estava certa: ele andava muito bem a cavalos, e percebia o suficiente sobre esses animais altos e fortes para comprar os melhores quando era necessário. Era dextro na arte de manejar um arco e flecha enquanto que cavalgava, uma coisa que o velho Kulmabgigi achava ser uma habilidade desnecessária quando ele próprio sabia andar a cavalo e era um espadachim formidável. E ele, o escravo perdia-se naquelas correias de trigo que eram os cabelos dela, tão longos como se pertencessem às de outra personagem de contos de fadas, Rapunzel.

A dor do desejo era demasiado intensa para que ambos a conseguissem suportar sem que, à surdina, se abraçassem apaixonadamente. Era a primeira vez que alguma vez se apaixonara por uma mulher, e Claudinitiana, doce e feminina, deixou que ele penetrasse bem fundo na intimidade dela. Aquelas tranças de mel encantavam-no de uma forma que o escravo não conseguia explicar. E porque não, se aquela era a Vénus das ilhas bellantes? A zona mais delicada e mais fluída daquele corpo atlético era humano, sem um único pelo, branco como se fosse a mais rica e mais bela de todas as pérolas! Os seios eram pequeninos, como bolas da árvore de borracha, com áureolas grandes de caramelo, e as ancas assemelhavam-se à cintura de uma ânfora de incenso perfumado e quente. Os olhos eram da cor do mar, e aqueles lábios rosados encantavam qualquer homem que fosse vivo – ou morto – no Império! Em tempos idos, tinha sido uma das damas de companhia de Eris. Imaginai como um escravo de origem Mongol, poderá se ter sentido inferiorizado diante de tamanha beleza!

«Senhora Claudinitiana! Nem sei o que me dá no meu coração, mas sinto que sempre que vos vejo, parece triplicar de tamanho, e só me apetece abraçar-vos...»

Apesar de tudo o que velho Kulmabgigi dizia, Claudinitiana não deixava de amar o jovem escravo. Mas havía um limite para tudo, até para um homem que era a delicadeza numa túnica preta. E quando a sereia lhe disse que ela estava à espera de um bebé do escravo, ele ficou roxo de raiva!

«Como ousais ter conspurcado o vosso sangue real com um bárbaro simplório, que nem sequer recebeu a sua primeira espada de obsidiana?!»

Ao que a senhora sacerdotisa da Ilha de Melxocolatlbilar respondeu, revelando um tom indignado por detrás do leque:

«Que disparate! Já agora também eu sou uma selvagem, já que tenho igualmente cabelos louros e olhos da cor de safiras...»

O velho samurai fez de imediato uma vénia, ajoelhando-se na terra dura e húmida da gruta da cascata onde a sereia vivia.

«Perdoai a minha insolência, senhora minha. Desde aquela Primavera há três anos atrás, que não me deixo de apoquentar convosco. Por essa mesma razão é que decidi permanecer ao vosso serviço.»

Aquelas palavras tão eloquentes pareciam como que vindas do coração do guerreiro desonrado, e, confiando apenas no tom de voz que eram pronunciadas – que, humildades e simplicidades à parte, era muito experimentada e cortês a voz do encantador guerreiro Japonês – a sereia Claudinitiana deixou passar por aquela vez. A forma como o Kulmabgigi tomava conta dela e a protegia, tendo-a sempre em tamanho respeito, enchiam-na de um estranho sentimento de amizade por ele. Além disso, o Kulmabgigi sabía muito acerca de ervas e poções para amainar as dores de gravidez sem matar o pequeno ser que vivia agora dentro do ventre dela.

Quanto ao jovem escravo, ele ficou igualmente ao serviço dela, protegendo-a com a vida. Mas era mais doce e mais inocente que o velho Kulmabgigi, que por vezes demonstrava um pouco de crueldade quando matava aqueles que ameaçavam a vida da sua senhora. À medida que o tempo passava, Claudinitiana começou a aperceber-se que o velho guarda-costas não era assim tão de confiança como ela pensava que era. Os olhos dele brilhavam de inveja sempre que a via com o escravo, cujos olhos tinham uma expressão mais suave que as amêndoas no Verão. O Kulmabgigi de braços compridos acenava friamente que era altura da senhora ir para exercer as suas funções, com uma das mãos ásperas pousada no cabo da espada.

Eles apressaram-se, com o Escravo a ajudar a Senhora Claudinitiana a subir ao seu cavalo, com um leque emplumado da cor da seda branca da sua túnica. Com a tiara de filigrana em ouro e prata com uma jóia de turquesa e um véu da mesma cor que a túnica, ela parecia-se com uma quimera de longos cabelos louros, com cauda de peixe e escamas de jade, e o cavalo da cor de âmbar escuro e polido unia-se a ela como se fossem uma só criatura. Uma besta sagrada que todos os humanos naquela ilha respeitavam e amavam, acompanhada por um guerreiro imponente que andava num cavalo mais alto do que os outros, de uma coloração semelhante ao couro das suas luvas e à bainha da sua espada, negro como a noite. As austeras e frias botas – igualmente de pele negra – espicaçavam o pobre do animal para andar correctamente, como se estivesse a carregar um Senhor da Magia Negra. Embora o Kulmabgigi usasse a adaga de jade e a espada curva de obsidiana embainhadas como símbolo do poder de um oficial de média patente do Exército Imperial – ou seja, um Jaguar negro – nenhum dos Humanos se curvaram perante a sua presença quando ele passou no meio da procissão que se dava para escoltar a sacerdotisa até ao templo, no cimo do monte. Fora graças à compaixão e à amizade que Claudinitiana detinha por aquele homem sem honra que ele se tornara tão influente. Há três anos atrás, ele nem podia andar num cavalo! E lá estava o desgraçado, a pavonear-se pelas ruas como se fosse marido da Sacerdotisa da ilha. O Escravo, desta vez, andava a pé, segurando o cavalo de Sua Senhoria, envergando vestes humildes da cor da terra húmida, típica do final do Verão Bellante. No entanto, não sentia nem um pouco de rancor pelo guarda-costas da sacerdotista. Estava feliz pelo facto de só faltarem poucos meses para que a sua querida senhora lhe der um filho.

Subitamente, quando, uma voz exclamou, no sotaque do Norte:

«Parai imediatamente com esta marcha!»

Era um Japonês, mas decerto não estava vestido da mesma maneira arrogante que o guarda-costas da sacerdotisa. O povo de Melxocolatlbilar virou-se para o sítio de onde a voz vinha. Ficaram boquiabertos: era Rokurou Ishikawa, o primeiro Rei dos Magos e um dos feiticeiros mais poderosos que alguma vez tinha existido em toda a Bellanária. Apesar de tudo, o velho Ishikawa – que tinha mais de mil anos – envergava roupas ainda dos tempos de quando era um Kulmabgigi. Nunca gostara de se rodear de soberbos luxos. Cheirava a um doce agradável, enquanto caminhava lentamente em direcção à Senhora Claudinitiana.

O escravo, que ainda era muito novo e que não ouvira nunca falar do nome do famoso guerreiro e feiticeiro, pôs-se em frente do cavalo da Sacerdotisa e com um ar muito sério e ameaçaddor, ao apontar o arco e flecha para o homem de meia-idade.

«Quem sois vós, seu Kulmabgigi tolo? Ninguém se aproxima da minha senhora!»

O Mestre Rafael, como era chamado nas terras do Sul, permaneceu calmo, enquanto o outro feiticeiro sorria com um ar amável para o gentio plebeu, que estava um pouco assustado com esta inesperada visita de “Lâmina Sagrada de Cinza”, uma alcunha que os povos humanos do Sul tinham arranjado para o feiticeiro, por este usar roupas escuras ou cinzentas, de linho ou de outra coisa mais áspera.

A voz masculina do homem tocou nos ouvidos de Claudinitiana, também ela que no fundo, estava sobressaltada com o homem que há mil anos atrás, tinha-lhe salvado a vida tantas vezes do Assassino do Amor.

«Se queres mesmo proteger a tua senhora, jovem escravo, aconselho-te para que olhes para cima: o homem que está ali não é um feiticeiro branco, mas sim um bruxo demoníaco.»

A isto, o oficial do Exército Imperial – de Sua Majestade, o Rei Neptunvs XIV, que todos os Deuses o tenham em conta – retrucou numa voz serena:

«Sim, de facto fui um homem que cometeu muitos erros. Mas isso são águas passadas, Mestre Ishikawa. Agora sirvo a muito estimada Senhora Claudinitiana, que purificou a minha alma de todos aqueles pensamentos sujos.»

Ishikawa Rokurou limitou-se a sorrir satisfeito com a lealdade da raça belicosa e teimosa dos Bruxos ao Império, enquanto dava espaço, recuando num ar servil para que a procissão arrepiasse caminho em direcção ao Templo da Senhora Bilafassabnsair, no Suryadevnahutbal, na Capital.

Os olhares que se pasmavam com a grande estátua da Senhora Bilafassabnsair, erguida num mastro de marfim com bonitas e coloridas faixas de veludo de vários tons de azul diziam que ela naquele ano estava muito bem esculpida, que alguém tinha sido abençoado com o dom de carpintaria pelos Deuses. Era um feriado nacional que passava, fazendo com que um mar de gente comparecesse na Cidade dos Deuses, só para ver a sagrada, monumental e maravilhosa estátua da deusa que protegia todas as ilhas do Império. Comemorava o dia em que a Senhora Bilafassabnsair – protectora da pátria Bellante – tinha derrotado os dois filhos pecaminosos de Jetwas. A seguir ao Dia da Magia Negra e ao Dia de Todos os Deuses, era o dia mais importante no calendário bellante. Acontecia por volta de 12 de Outubro a 31 do mesmo mês, e todas as regiões e ilhas do Império da Bellanária faziam uma estátua com aproximadamente cinco metros de altura a representar a deusa do Império montada num jaguar preto (simbolizando o seu marido, o Senhor Tezcatlipoca, deus da guerra, e a vitória dos Bellantes Nahuallis sobre os Mexica, ou seja os Aztecas), e faziam-na desfilar pelas ruas da capital do império, com vários carros alegóricos puxados por cinquenta homens de cada lado, cada um deles eram guerreiros da classe das Águias, ou seja oficiais de alta patente no exército, que mostravam com orgulho as suas lanças de jade, as suas plumas de mil e uma cores e – no caso dos bairros e aldeias do Norte – as suas espadas e tatuagens com imagens tipicamente Chinesas e Japonesas, simbolizando a paz entre os povos que viviam nas ilhas do Atlântico. Nas ruas de Melxocolatlbilar, só se ouviam coros de homens vitoriosos – os guerreiros e aprendizes de feiticeiros da ilha que se situava na baía do ducado de Shunamari com os Principados dos Feiticeiros e com a Cidade dos Deuses – a hastearem a bandeira cor de âmbar com uma flor de amendoeira (o brasão da Ilha de Melxocolatlbilar) enquanto que carregavam o pesado mastro de ouro, marfim e de prata onde ia a estátua da Senhora da pátria bellante. A seguir, iam vários guerreiros jaguar, dos quais o Guarda-costas da Sacerdotisa era capitão e líder – todos eles, como a maior parte dos feiticeiros que fariam com as outras sacerdotisas dos outros templos das ilhas e das outras regiões bellantes – protegiam da guarda.

Só vendo é que uma pessoa ficaria sumamente maravilhada pelas vozes fortes e bem afinadas dos guerreiros, com as cores do mastro, e pelo facto de carregarem tão preciosa senhora. E pensar que ainda tinham de caminhar mais uns quilómetros, andando pela ponte que ligava o principado Japonês de Yotanji à Ilha de Melxocolatlbilar. As várias raças, classes e imigrantes que habitavam nas ilhas Bellantes, paraíso do Atlântico, alegravam-se ao ver a procissão, com os servos de Tezcatlipoca, o senhor da guerra, protegendo a Senhora Bilafassabnsair.

Claudinitiana sorriu, feliz por voltar a ver que a sacerdotisa de Yotanji estava tão bonita naquele ano tão próspero.

Acompanhada pelo Escravo, que andava um pouco cabisbaixo – mais que não fosse pela pesada argola de madeira que carregava ao pescoço e o prendia ao chão – ela olhou para o rapaz, preocupada.

«Porque estás assim, meu amor?» Ela sussurrou, num tom carinhoso, revelando os belos olhos azuis em direcção ao jovem humano.

«Sois tão cruel quanto o seu Capitão da Guarda, senhora minha. Fui eu que encontrei aqueles belos cavalos negros. E enquanto sois poupada de andar a pé na terra fria e húmida do Outono, Vossa Senhoria, eu tenho que me contentar com os meus pés, que ardem sempre que dão um passo só!»

Claudinitiana reparou naquela terrível injustiça. E não fora ela que lhe pusera aquela argola. Ao ver que tinha sido o Capitão da Guarda – o seu antigo guarda-costas – ela respirou bem fundo. Com um aceno discreto do leque, ela fez com que aquele pesado anel de madeira se desfizesse em cacos. Esboçou um sorriso.

«A partir de agora, és livre. De qualquer maneira, acho que o nosso filho não seria um escravo de maneira nenhuma. Os filhos dos Escravos Bellantes são livres já desde o nascimento.» Ela murmurou, em voz baixa, entrementes o Capitão da Guarda de Melxocolatlbilar cavalgava com um ar altivo pelas modernas estradas bellantes.

O Homem Livre sorriu. O seu coração palpitava de alegria, enquanto caminhava com a bandeira da ilha.

No entanto, o Capitão da Guarda viu-os, naquelas intimidades, a Sacerdotisa Claudinitiana com o Homem Livre, e de imediato os seus olhos encheram-se de ódio! Mas como era um dia de festa, nada fez para perturbar a paz e a alegria que reinava nas gentes, nos nobres, nos dos templos, nos guerreiros, nos feiticeiros, nos escravos, nos demónios, e nos Deuses daquela ilha. Mas, quando o Dia da Magia Negra chegasse...talvez...

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

O que um Kulmabgigi tem de aguentar...

Estas singularidades nunca desaparecem com o tempo, e se passam, mesmo com anos e anos de experiência, uma pessoa nunca se esquece daquelas cicatrizes, que nos marcam profundamente a alma. Estas singularidades que falo, têm a ver comigo e quando me estabeleci na ilha de Melxocolatlbilar, situada no meio da baía que fazem a Cidade dos Deuses, o ducado de Shunamari e a Zona Histórica. É lugar calmo, e quase silencioso, cujos áceres me massajam a alma no Outono e os carvalhos inspiram a que escreva doces poemas nostálgicos sobre o amor que nunca tive. Há muitos anos, esta ilha era o único refúgio para aqueles que queriam fugir à guerra. Por vezes, é preciso termos uma espécie de lugar, só nosso, onde temos um pouco de paz, onde nos confiamos a nós próprios e aos nossos sonhos: um belo santuário, um conservado esconderijo, um recanto confortável, uma casa nas montanhas...o que quiserdes chamar-lhe, chamai. Esta ilha é tudo isso para mim e muito mais! Quando fecho os olhos, o meu coração leva-me a sítios que eu nunca pensei existirem. Por vezes, é inacreditável como a vida nos passa de raspão e nem reparamos nisso.
Uma pequena gruta à beira de uma cascatazinha onde corre uma água cristalina que se assemelhava ao canto fresco dos pássaros na Primavera. A ilha de Melxocolatlbilar tem a sua própria aldeia, com um pequeno templo, situado no cume de um agradável monte de onde se consegue ver a ilha inteira: a floresta e a aldeia. Cercado por pessegueiros, crisântemos, calêndulas, margaridas douradas, laranjeiras, pinheiros mansos e cerejeiras, o templo é uma maravilha, dedicado à paz declarada por todos os povos que habitam na Bellanária. Todos os anos, em Abril, vou lá acompanhada por um guarda-costas, para ver como os Humanos estão. Não sei do que é que gosto mais: se deles, ou dos seus sorrisos. A Primavera é de facto uma estação linda nesta ilha...as pessoas na aldeia são muito unidas - apesar de virem de diferentes estractos sociais.
Foi num destes dias que reconheci a palidez cinzenta do céu. Com um ar meio embaraçado, acenei com o meu leque cor de bronze com plumas brancas de cisne, sem mostrar o meu rosto branco.
- Parece que vai chover. - Murmurei, pensativa.
- Também não perdestes o mês de Abril, minha senhora. - Respondeu, cortesmente, o meu guarda-costas, armado com uma espada comprida de obsidiana, elegante, embainhada numa cinto de couro vermelho-escuro. O meu guarda-costas era um homem de braços invulgarmente compridos, e tinha um daqueles sotaques do Norte que me recordava dos tempos em que os Bruxos ainda mandavam em Cyborg Town. A sua voz era rude e áspera, e a minha túnica de cor das rosas contrastava com o preto da sua túnica. Apesar de tudo era um homem muito leal, e eu confiava-lhe a minha vida.
Descemos juntos as escadas de mármore branco. Nesta altura do ano, quando raramente se pensava em sacrifícios, era o vermelho das cerejeiras e das roseiras que substituíam o sangue dos Homens. O meu pesado cabelo louro roçava por vezes no chão branco, como se fosse uma extensão da minha própria túnica própria de sacerdotisa. Embora a Senhora Roshini nunca deixe o cabelo crescer e o prenda num complicado apanhado tipicamente do Norte, eu sou da opinião que toda a princesa, fada ou sacerdotisa deve deixar que a sua cabeleira atinja pelo menos o nível dos joelhos.
Embora não soubesse o nome dele, eu sentia-me segura ao pé dele, e o guarda-costas não era assim tão intimidante quanto parecia. Por isso, nem que fosse para conversar um pouco com ele, pois sabia muito bem que todos os anos, a Família Imperial da Bellanária mandava-se um novo e que não iria vê-lo por muito mais tempo.
- Quantos anos tendes vós, ò Kulmabgigi?
- Cento e cinquenta, senhora minha. - Foi a resposta dele, uniforme e honesta.
Foi então que percebi porque é que estava com um ar meio entediado e incomodado com a minha presença: devia ser um bruxo reformado e desonrado. A ideia de servir uma fada não lhe deveria agradar nada.
As luvas dele seguravam firmemente na espada de obsidiana - uma arma que apenas os que serviam o Império podiam empunhar. Em tempos de paz, uma pessoa sensata não pode simplesmente empunhar uma arma sem ser chamado à atenção pelo Império. De qualquer das maneiras, eu pressentia que este dia não ia ser de todo ordinário.
Ao acabarmos de descer o templo, o guarda-costas de imediato pediu a um escravo para alugar uma diligência para a senhora sacerdotisa, que estava com muita pressa. Entretanto, eu abanava graciosamente o leque, pois estava muito abafado naquele dia de Abril. As flores, o meu cabelo entrançado num emaranhado que chegava ao trilho de pedra cuidadosamente esculpido, numa pedra macia, cor de mel. A pequenez da minha mão segurava ao de leve o leque, e abanava-o, de um lado para o outro, como se fossem os ramos das cerejeiras a abanarem ao som suave e melífluo do vento.
- Ò Kulmabgigi, deixai estar o pobre do rapaz, que ele não vai para a guerra florida!
- Sei disso, minha senhora. - O guarda-costas fez uma vénia longa, curvando de forma bélica (como se eu Sua Majestade, o Rei dos Bruxos) as costas. O fulano lá que era simpático, era, mas enfim!
Quando a diligência lá chegou, ali mesmo a minha pessoa ficou importunada. Como é que era possível que fosse tão espalhafatosa? As pessoas iam logo pensar que eu estava cheia de fantasia para viajar em tal coisa!
Se calhar aquilo fora demais, mas tenho a certeza que dei uma enorme descompostura ao dono do transporte. Mas lá consegui viajar para o meu recanto especial. E ainda dizem que a guerra é um caos!

Bem, isto foi um pouco a parodiar o facto de que na Bellanária - ou como há quatro anos era conhecida, a Atlântida - depois da guerra de Poriavostin, em no início do século doze, as Fadas começaram a ganhar uma certa notoriedade e títulos de nobreza. Perguntei-me a mim própria o que seria de Claudinitiana depois do Assassino do Amor ter morrido, e não me consegui conter em escrever esta pequena coisinha de nada. O humour do Norte da Bellanária nesta anedota em primeira pessoa. É ainda hoje uma anedota muito popular em Cyborg Town, uma vez que a maior parte dos agentes da polícia secreta da SPV são Kulmabgigis - feiticeiros desonrados.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Especial Dezembro



Decidi fazer uma coisa especial para vocês que estavam com saudades da Jessica ^^;






Como sempre, tinha chegado à escola um pouco cedo demais - tudo porque não queria perder pitada do que as outras pessoas tinham para dizer sobre as férias de Natal...mas mesmo assim, cheguei ao bar do secundário e nada! Haviam algumas pessoas, mas ninguém do meu conhecimento, ou pelo menos que me interessasse. É sempre assim quando uma pessoa chega cedo às primeiras aulas do ano e damos com a gente ainda um pouco ensonada. Tinha trazido umas botas de camurça com as jeans que assentuavam a minha figura um pouco escanzelada e alta.




Ao acender o primeiro cigarro - é no que dá dar-se com bruxos que fumam, ganha-se o hábito num instante! - que trazia desde a Noite de ano novo, o maço fora uma prenda do meu avô, deixei que os meus lábios molhados pelo batôm vermelho experimentassem o sabor agridoce do tabaco. Faltavam quinze minutos para o toque de entrada, e ali estava eu, a experimentar o primeiro cigarro de um maço de tabacos oferecido por um homem que detesto! Estava a dar na rádio do bar uma música muito foleira, daquele tipo de música que só dava há séculos atrás. Eu sei, estou a exagerar. Até que o cigarro tinha um sabor nostálgico ao calor das casas londrinas.




Não sei lá muito bem se foi o facto do cigarro ser agradável à minha língua, se foi o fumo a sair-me das narinas que me encantou, mas havia algo de exótico que me punha a pensar no dia em que conheci o meu avô. Tinha sido uma sorte danada ele não ter ficado furioso comigo. Um bruxo da idade dele já não deveria ter paciência para uma rapariga como eu.


Imaginem, eu a dizer coisas como "vá-se lixar" ou a insinuar que gostava de lhe dar um pontapé nos tomates, ao Duque Adrian Demetrius von Tifon! Não admira que ele desse algumas ameaças subtis... Sabia lá que o Fixtanea era o meu querido avôzinho disfarçado!




Quer quissesse ou não, acabara por ficar sozinha, a beber o meu cafézinho, com o cigarro a deitar pequenas nuvens de fumo...uma coisa que detesto. Pensei se seria por causa da minha tatuagem da família Von Tifon. Caramba, eu não sou assim tão má. Liguei o leitor de mp3, enquanto inalava aquele aroma amargo que me trazia saudades de casa, de Inglaterra, e dos dias em que a neve não aparecia só no Norte. Perto da nossa escola, só se consegue ver as nuvens cinzentas, a terra molhada, mas não está suficientemente frio - ou seco - para que comece a nevar. É por essas e por outras que odeio o Sul da Bellanária. Dá vontade de uma pessoa enterrar a cabeça nos puffs do bar e adormecer para nunca mais acordar. Não, não estou deprimida.




Só estou um pouco aborrecida pela porcaria da minha família não ter tido coragem para dizerem que estavam a colaborar com um Nazi nojento, que ainda por cima, fez amor comigo! Agora estou sozinha, sem ninguém para me consolar das piores férias em toda a minha vida.
Mas enfim, a música sempre era engraçada, daquele tipo de músicas que se ouvia depois da guerra. Esqueci-me que tu nunca estiveste na Bellanária: Tumantravmtsuka - Canção (Lamento Falhado do Mar) . São lamentos irónicos escritos pelos soldados de descendência Japonesa, pequenos poemas recuperados no início dos Anos 80, que começaram a ser tocados numa forma melancólica, mas doce à maneira dos cabarets dos Anos 30. São muito giras, mas também um bocadinho macabras. Cantada ao ritmo de um acordeão e de outros instrumentos, a canção um pouco foleira, mas perfeitamente adequada ao meu estado de espírito, fazia com que eu imaginasse uma mulher de um vestido vermelho-escuro que lhe assentuava as curvas das ancas, tocadas por um perfume picante, enquanto o pó-de-arroz tentador e com sabor a arroz doce tinha sido polvilhado desde a cara macia e redonda até ao decote fogoso e que revelava uma certa graça impossível de se pronunciar. Que engraçado, na rádio estava a tocar uma música tipicamente "do Norte" enquanto lá fora, a paisagem dos ciprestes ainda verdes lembrava o infindável Outono do Sul.
Subitamente, vi Pedro a entrar pela porta do bar da escola. Esbocei um leve sorriso à medida que dava uma passa no cigarro de hortelã-pimenta. Bem, acho que ele ficou muito atrapalhado , ao ver-me com aquela comprida camisola de lã preta e branca com um decote fundo e os jeans justos que davam para ver quase todas as minhas pernas.
- Onde é que te meteste? - Foi a primeira coisa que lhe saiu da boca, assim como quem não quer a coisa.
- Pedro, não discutas. - Preguei-lhe um beijo apaixonado e molhado na boca, olhando-o com desejo.
Tal como a maior parte dos meus beijos, aquele deixou-o boquiaberto! Eu sei, eu beijo muito bem, e são poucos os que têm o privilégio de tocarem nestes lábios! Percorri, num acto carinhoso e meio na brincadeira, o pescoço dele com os dedos, enquanto o beijava, deixando o Pedro com uma erecção forte.
- Meu Cyborg adorável... - Sussurrei ao separar a minha boca da dele, os meus dentes afiados à mostra, dando-lhe uma dentadinha no lábio inferior.
Alguém chame os bombeiros, que este rapaz está a arder! Pensei, ao evitar uma risadinha provocadora. Será que estou a tornar-me um pouco como a minha mãe? Só espero que não! Nunca quis ser uma prostituta profissional, eu só sou uma bruxa que por acaso é neta de um dos bruxos mais mulherengos de toda a Bellanária! Já para não falar do meu antepassado Leberecht Hermann von Tifon...
Respirando bem fundo, o Pedro deitou vapor por tudo o que era metálico no seu corpo. Até parecia que eu nunca lhe tinha pregado um beijo na vida! Bom, um linguado como aquele também não se dá todos os dias.
- Ena! Andas a treinar com o teu avô, é? - Perguntou-me, num tom meio desconfiado, meio envergonhado. Isso por acaso é ironia? Ele estava a ser irónico comigo, com a Jessica von Tifon?
Aí é que me subiu a mostarda ao nariz! Olhei para ele, com os braços cruzados, e de imediato, afastei-me dos braços - ainda derretidos e aparvalhados - do Pedro.
- Não sejas parvo! - Suspirei, com um ar bastante zangado. - Eu tive tantas saudades tuas, ia lá trocar-te por um velho palerma que ainda por cima tem a pistola toda encarquilhada?
O Pedro desatou a rir às gargalhadas com aquela da pistola. Ao olhar para o fumo que flutuava do cigarro, ele encolheu os ombros.
- Apesar de tudo, continuas a mesma, Jequinha.
Que bom...o Pedro continua apaixonado por mim...! Tenho de confessar eu não sou lá muito de ficar emocionada quando recebo flores ou com filmes romântico, não, eu não sou dessas. Mas, quando ele me beijou no rosto, senti que ninguém me podia separar do Pedro. Ele é meu, e não há outra mulher que o deixe louco como eu o deixo! Estava praticamente nas nuvens naquele momento, ao segurar-lhe na cintura, enquanto o pateta do Pedro mimava-me com os beijinhos dele na orelha.
Embora estivesse frio lá fora, no bar, escutava-se uma moderna mistura de uma canção Tumantvratsuka com a música quente do sul. A letra era obviamente no dialecto do Norte da Bellanária.
O Pedro - que não percebe uma palavra de Japonês, quanto mais do sotaque do Norte Tienense, que é uma mistura de Japonês com Bellante Arcaico -perguntou-me se eu podia traduzir a letra.
Beijando-lhe no pescoço, eu sorri com um ar brincalhão.

A mulher da noite mordeu-me,

Com a sua pinça dourada, ela enfeitiçou-me!
A princesa transformou-se
Numa nuvem de ópio intoxicante ela evaporou-se...

Agora eu estou aqui, esquecido,

Pensei ter ouvido aquele sensual gemido,
Quatro copos de saké e uma garrafa de amido!

A minha vida está arruinada,

Quem se interessa se eu morro, às garras da minha amada,
No entanto as minhas mãos malditas,
Ainda conseguem enredar as sedosas fitas
Do cabelo dourado dela!

Agora eu estou aqui, oh pobre de mim,

Pensei ter ouvido a voz dela debaixo da cama de cetim,
Quatro copos de saké e um perfume de jasmim!

O resto da canção eu já não sabia lá muito bem, mas tenho a certeza que acabava com "quatro copos de saké" e mais não-sei-o-quê...olha, rimei! Não me perguntes em que é que estava a pensar o raio do homem quando escreveu isto! Enfim, lá consegui traduzir a letra...e se queres que te diga, eu estava assim um bocadinho com uma ressaca por que tinha bebido à surdina na noite anterior. Era por isso que estava a tomar o café. Para ficar mais sóbria!

Uma vez mais, beijei o Pedro, como se quisesse acender um foguete para uma festa!
- Não é linda a letra...?
- O que é que aquele cigarro tinha, Jessica? Isso era um charro? - Ele arqueou as sobrancelhas, muito espantado pela minha atitude atiradiça.
Soltei uma gargalhada excitada. Pronto, acho que o cigarro tinha mais alguma coisa do que hortelã-pimenta.
- Eu estou-me a cagar para a porcaria do cigarro!
- Estás completamente pedrada! - O Pedro olhou para mim, alarmado. - Acho que é melhor levar-te para a minha casa.

Aos poucos, estava a sentir-me um pouco tonta. Apoiei-me no braço – ou seria no topo, sei lá! – da cadeira, com a outra mão na cabeça, mas ainda com um sorriso apatetado no rosto. Estava a fazer o pior papelão que eu já alguma vez em toda a minha vida – isto, segundo o Pedro!

- Sim! Leva-me para o teu quarto! E eu não estou pedrada! Eu sei perfeitamente como estas merdas funcionam!

Mas o Pedro não me quis ouvir e pegou-me – o idiota! – ao colo, por muitos pontapés de corça que eu desse.

Cheirando o ar fresco de hortelã-pimenta que vinha do cigarro, ele abanou a cabeça, muito desapontado comigo.

- Bem me parecia que aquele hálito que tu tinhas não era do café!

Ao chegarmos à pastelaria onde o Pedro e o Tezcatlipoca vivem, ele deixou que eu tomasse um banho bem gelado no cubículo que era o único quarto de banho daquela espelunca.

Finalmente, acordei para a realidade. Sentia-me tão estúpida por ter acreditado que o meu avô me ia oferecer uns cigarros inofensivos! Regra número sessenta e cinco do meu guia para aprendizes de bruxas – nunca confiar nos membros da tua própria família!

Deixei que o Pedro me secasse o cabelo, ao chegar do duche. O meu cabelo estava bonito, estava! Parecia um monte de folhas vermelhas queimadas. Nunca gostei de desembaraçar o meu cabelo por ser muito encaracolado e oleoso. Mas, quando o meu namorado – sim, acho que posso chamá-lo assim – passou com a toalha por aquela cabeleira horrorosa, ele sorriu, com um ar protector.

- Olha se não fosse eu, ainda adormecias no bar!

- Não brinques...mas que burra que eu fui...! – Comentei, muito chateada comigo mesma, frustrada pelo facto de ter caido na armadilha do meu avô que nem uma patinha, como se fosse a Sara! Ou talvez ainda pior: como a minha mãe! – Devo ter fumado uns quantos charros daquela porcaria!

Tentando acalmar-me, o Pedro beijou os meus ombros molhados. Consegui sentir o amor que ele nutria por mim. Aquele rapaz é um anjo! Nunca tive um homem que se preocupasse assim tanto comigo.

- Não exageres, o meu tio viu que só tinhas experimentado um... – Ele disse com um pequeno e embaraçado sorriso. – Além disso aquilo era só hortelã-pimenta peperita, é a versão mais tóxica que existe na Bellanária. Mesmo assim não era ópio ou haxixe.

Cobri-me com a toalha, contente pelo facto de que ele fazia-me sentir uma mulher verdadeira.

- Estive a beber a noite toda, Pedro. Mas não me sinto bêbeda. Vejo as coisas claramente... Oh sim…Vejo-te com muita clareza! – Exclamei eu abraçada a ele, mas de repente, aquele maldito oficial nazi me veio à cabeça e larguei-me dele. – Cometi erros terríveis, Pedro!

Não consegui conter as lágrimas. Sentia-me imunda, embora tivesse tomado banho duas vezes naquela manhã.

- Terríveis! – Exclamei. Nessa altura, sentia-me um monstro por ter tentado brincar com os sentimentos do Pedro quando o conheci! As pessoas tinham razão: eu era uma bruxa, e não podia negar isso.

- Todos nós fazemos porcaria de vez em quando, Jequinha. – Disse ele a tentar beijar-me.

- Sim...e pagamos por essas merdas! – Comentei, cabisbaixa ao olhar para o meu pulso, a marca da minha família. – Porque raio é que eu tive de nascer com esta coisa pregada à minha pele?!

Mesmo assim, ele segurou-me nos braços dele. Que carinhoso...que doce que o Pedro é...e eu não mereço nada disso!

Com um beijo na minha mão, ele disse numa voz mais doce que o mel:

- A tua tatuagem é tão bonita, é o que faz de ti a Jessica que eu conheço...e amo!

Ao deitar-me na cama dele, deixei-me mergulhar nas almofadas comfortáveis e brancas, cobrindo o meu corpo branco de seda com elas. Porém, ainda se via um pouco das mamocas à mostra.

- Ai, Pedro! A princípio pensei que isto tudo era só um jogo. – Confessei-lhe, deixando evidente o desejo que sentia por ele, as partes do meu corpo molhadas e quentes. – Mas agora, o jogo está a tornar-se tão perigoso...posso queimar-me!

A minha voz estava melada e a suspirar. Tinha mesmo vontade de o fazer, e ia fazê-lo com amor!

Acenei com os dedos longos e compridos pintados com o verniz das unhas, ao que ele obedeceu prontamente como se fosse um cachorrinho. Uma vez mais, os meus dentes de vampira sobressairam-se, enquanto eu sorria com um ar devorador.

- Não tens medo de te queimar, meu amor?

Ele abanou a cabeça com um grande sorriso.

- É claro que não, Jessica! Já não sou nenhum bebé!

Eu sorri, satisfeita, enquanto que lhe arranhava ao de leve com as unhas de bruxa nas costas, como se massajasse o corpo dele.

- Ainda bem...porque eu não gosto de bebés!

Quase tão excitado como eu estava, ele tirou de imediato a roupa, enquanto procurava, distraidamente, qualquer coisa para tapar aquela coisa que estava com sede de entrar naquele sítio maravilhoso e felpudo entre as minhas pernas.