sábado, 8 de março de 2014

Princesa Airina - ou a Princesa Canção Fulgurante de Jade ( II)

Fen Li conseguiu ver nos olhos amarelos, cor de âmbar, adocicados de Leella, algo de nobre! Uma simples camponesa, fosse do Norte, ou do Sul das margens do Bênção, teria ficado calada durante o tempo em que os Gemmyarkan estavam na sala! Mas Leella parecia estar perfeitamente à vontade com aqueles Gemmyarkan...

Ora, ela nem sequer se importara com as maneiras deles à mesa! Qualquer shamã ou feiticeiro Gemmyarkan com setenta anos teria-se apercebido que aquela rapariga aguerrida tinha sangue nobre!

Shajaka e Wstcnak ignoraram simplesmente aquela intervenção brusca da jovem.

Entretanto, Qing tentava ganhar uma partida de Relszhinar, mas Fen Li - o que fazia com que Wstcnak e Shajaka começassem a rir - era muito mais inteligente do que ele! Era um jogo muito popular na Bellanária, especialmente em Losjafhden e nas restantes aldeias, mais para a nascente do Bênção. Quem não conhecesse Fen Li, nem diria que ela era uma novata no jogo!

Aquele era um jogo de estratégia, com uma estructura semelhante ao Jogo da Glória ou ao jogo das Cobras e Escadas, com casas de Fortuna e Surpresa Pelo Caminho, aliciando os piões a moverem-se num tabuleiro circular de madeira, com oitenta casas em espiral.

Inspirado em vários métodos de adivinhação típicos da Tribo dos Gemmyarkan e dos Centauros, dizia-se que o próprio jogo tinha uma aura mágica, e que jogá-lo era fazer os passos dos antepassados! O objectivo era chegar ao Templo da Senhora Bilafassabnsair, na casa que representava "Suryadevnahutbal", na Cidade dos Deuses.

Preso no Poço da Condenação, nas casas que representavam a ilha de Melxocolatlbilar, o rapaz teve que esperar dois turnos para avançar.

Leella sorriu com um ar excitado, as orelhas espevitadas, ao despentear o longo cabelo encaracolado:

- Bem...Para cy-bata, vocês até estão a apanhar o jeito do Relszhinar!

- A Tia Leella já alguma vez jogou este jogo?

- Claro que não, franganote! - Riu-se Wstcnak, ao tentar dar uma palmadinha provocatória no ombro definido da empregada de Ishikawa, mas Leella era muito rápida! - A Leella não deve ter dinheiro para comprar o jogo!

Shajaka arqueou a sobrancelha ruiva, avermelhada, ao puxar o tabaco do cachimbo de mogno cor de terra. O cachimbo era tão comprido e elaborado que Fen Li até jurava que se parecia com uma presa de um Gemmyarkan:

- Também não é preciso exagerar, Wstcnak...! O Rokurou Ishikawa pode ser um Humano, mas ele não é como a malta preconceituosa de Suryadevnahutbal, no sudoeste! Decerto que a Leella deve receber dinheiro suficiente para se vestir e socializar com as outras Gemmyarkahni... Ainda me lembro de quando ela chegou aqui, mal tinha quinze anos!

Entretanto, Qing já podia avançar no número de casas...Atirou os dados feitos de osso de jaguar para o tabuleiro. O colorido peão de madrepérola avançou pelos dedos do rapaz três casas, até à casa cinquenta e dois.

A irmã Fen Li olhou para o que a carta dizia em Phetrkaträlam (a língua antiga dos Gemmyarkan)  e traduziu para Chinês:

- Aquele que erra uma vez, tem uma oportunidade para não errar oitenta vezes oitocentas vezes! Tira lá uma carta, Qing, pode ser que ganhes mais um número de avanço de casas!

Qing tirou à sorte uma carta do baralho feito com papel de milho reciclável, e reparou que lhe tinha calhado um acessório para o seu pião: um arco e uma flecha.

- Oh, um arco e uma flecha! - Wstcnak reparou como o rapaz cy-bata tinha uma oportunidade para lançar os oito dados mais uma vez. - Significa que ganhaste uma boleia de um navio chocolateiro...Se te calhar um número em múltiplos de oito, vais parar ao Norte, nos Alpes das Sereias, na casa de partida, mas se te calhar um número ímpar, significa que avanças oito casas!

- Enfim!

Depois de tantos anos a divertirem-se juntos, Fen Li nem podia acreditar que Qing  estivesse a portar-se como um mau-perdedor! Lançou um olhar espantado, esverdeado e rasgado para os dois Gemmyarkan, que encolheram os ombros, com as orelhas compridas murchas e encolhidas.

- O que é que se passa, Qing? Não estás a gostar do jogo?

Ele levantou-se repentinamente, mal-humorado. Fixou-a nos olhos, frio, como se já tivesse perdido o jogo.

Rokurou Ishikawa abanou a cabeça, num olhar reprovador. Se Qing não tinha a paciência para fazer cálculos fáceis para um rapaz de catorze anos, então como é que poderia vir a tornar-se num excelente guerreiro e num feiticeiro inteligente?!

- Não é nada disso, mana, eu adoro este jogo! - Resmungou, e tanto Leella como Fen Li compreenderam que ele estava a mentir. - É que um arco e uma flecha não são propriamente armas próprias para um guerreiro...! Além disso, é que era suposto ser eu a ganhar, não tu! Tu és uma rapariga! O que é que uma menina percebe de guerras?

Fen Li corou, irritada ao tentar defender-se diante dos Gemmyarkan, de Rokurou Ishikawa e de Leella:

- Sei muito mais sobre guerras do que tu, meu honrado irmão Qing!

Leella mostrou um semblante severo ao jovem Qing, um pouco indignada com o comportamento do rapaz, mas este limitou-se a ignorá-la!

sexta-feira, 7 de março de 2014

Princesa Airina - ou a Princesa Canção Fulgurante de Jade


( Isto é um re-make de um velho conto meu... Coitadinha da Leella... Ser-se uma jovem Gemmyarkahni de vinte anos apaixonada por um Humano não deve ser fácil! ) 


Ajsaitrovina - Canção Fulgurante de Jade - é uma das princesas mais comoventes, dramáticas da história dos Gemmyarkan...! A sua história é cantada muitas vezes, celebrada na "Noite Triste", como alguns antigos Gemmyarkan chamam à Festa da Bandeiras Humanas...Até se diz nesta Tribo que ela é a vida passada de Arij-Çarvnatr, a escrava Humana que, seiscentos anos depois, tornou-se na Rainha da Ilha da Tartaruga Flutuante de Jade! 

A sua história mistura-se com a de outra mulher lendária na vasta mitologia Bellante: a Senhora Roshini, a Rainha das Kinnaree! 

Quando a jovem Fen Li e o seu irmão, Qing - pronuncia-se Zhing - apercebem-se que a Grande Ilha da Bellanária não é só um império habitado por Humanos, Rokurou Ishikawa tenta compreender as razões pelas quais os Gemmyarkan andam tão inquietos! Os Gemmyarkan são mais próximos da Natureza que os Humanos, sendo a "segunda raça" de criaturas inteligentes que os Deuses criaram no princípio dos tempos, de acordo com a mitologia Bellante.  

A jovem criada Gemmyarkahni, Leella, não parava de suspirar pelos cantos da casa do seu patrão, o experiente feiticeiro Humano...Mas, quando Rokurou Ishikawa lhe perguntava se a jovem criada andava a beber às escondidas, a jovem negava com a maior das friezas e seguranças! 
Limitava-se a sorrir, embora as orelhas encolhiam, murchando como se fossem duas flores azuladas. 

Mesmo sendo uma jovem orfã, Leella tinha o seu orgulho, e nunca deixaria que um homem Humano a apanhasse com a flecha da Senhora Bilafassabsnair a ferir-lhe o coração! 

Sentia-se por vezes comovida com a história dos dois cy-bata adolescentes: Fen-Li e de Qing respectivamente! E aquela pobre Gemmyarkahni vivia para adoçar com os seus cozinhados e as suas bebidas, a vida do seu querido mestre! 

Um certo dia, Shajaka, o líder de Gemmyarkan da povoação de Losjafhden e Wstcnak, o mais importante  comerciante Gemmyarkan do lugarejo, decidiram aparecer na entrada da moradia de Rokurou Ishikawa!

Era verdade que Leella não gostava lá muito de estar com outros Gemmyarkan, mas também não era adepta de ficar sozinha o dia inteiro na moradia, enquanto Fen Li e Qing iam cavalgar com o seu mestre! 

Por isso, tentara puxar uns cordelinhos com os "amiguinhos dos Framboeseiros" para arrastarem o Chefe da Aldeia de Losjafhden para a moradia...E lá conseguira! 

Suspirou um pouco, enquanto Qing colava as orelhas ao conto que Wstcnak lhe contava...A própria Leella achava que os Gemmyarkan tinham um dom para contar histórias reais de modo a que se parecessem tão fantásticas como as lendas da criação! 

- Deviéis escrever um livro... - Leella comentou, ao servir uma repetição de mousse de chocolate Gemmyarkahni com cerejas e pimenta ao guloso rapaz de catorze anos.

- Ah, eu não passo de um comerciante de licor de framboesa! Nenhum Gemmyarkan de um clã superior (nem mesmo o nosso Estimado Imperador) iria querer ler as narrativas das minhas viagens! 

Vestidos com retalhos e túnicas um tanto empoeiradas, as duas "importantes" personalidades de Losjafhden não esperavam receber a notícia de uma terrível represália aos Gemmyarkan do Sul por parte dos Humanos nos jornais...! 

Shajaka estava precisamente a discutir o assunto com Rokurou Ishikawa... 

-  Quer dizer, nós, que somos, geralmente, um povo pacífico, somos acusados de distúrbios na grande capital industrial de Cy-bata Teito, e eles começam logo a pensar que é o fim do sétimo mundo; o Assassino do Amor expulsa uma quantidade de Gemmyarkan que viviam nas terras dele. – Comentou o aborrecido Shajaka, mostrando o enorme jornal, no vozeirão de leão de quarentão que tinha, bebendo o resto do chá de jasmim. – Mas quanta é que eram estas pessoas? Seiscentos, duzentos? E nem uma palavrinha dele no jornal dos Humanos! 

O feiticeiro Humano acenou com a cabeça, enquanto bebia pacientemente a sua chávena de chá. 

- Não é assim tão injusto quanto parece...Os Humanos de Suryadevnahutbal estão assustados com o que aconteceu há coisa de quinze anos atrás, com os Gemmyarkan do D'Joll, do Jerininantus e do Nimtauk a matarem raparigas Humanas inocentes! Lembram-se o que aconteceu na Noite da Magia Negra?

- Isto agora vai cantar fino...Se a malta da Capital dos Deuses não se puser a toque de tambor de guerra, então o Rei da Tartaruga Flutuante de Jade irá conduzir um massacre em Suryadevnahutbal! O Senhor Nékok Ashatz é que nos passou a tortilha quente para as mãos! - Explicou Wstcnak ao comer o que restava da tarte que Leella fizera. - Os Humanos de Suryadevnahutbal, na Cidade dos Deuses, não resolveram o problema do Assassino do Amor, apenas varreram-no para o rodapé do tapete! Enfim, talvez a Princesa Ajsaitrovina consiga fazer alguma coisa...! 

- A Princesa Ajsaitrovina? - Rokurou Ishikawa arqueou as sobrancelhas, espantado. Embora tivesse passado muitos anos na companhia de Gemmyarkan do que a maior parte dos Humanos que tinham contactos na Capital do Império, ele nunca pensara que uma mulher pudesse ter uma voz na sociedade...Se bem que Swertyhina era a principal padroeira das Seis Tribos! 

- Aí está uma rapariguinha corajosa! - Wstcnak sorriu com os seus dentes e as suas presas compridas, ao refastelar-se, expelindo um pouco do fumo do cachimbo. - As raparigas podem tornar-se guerreiras na nossa Tribo, Ishikawa! De facto, não me admirava nada que aquela franguinha estivesse neste preciso momento a dirigir-se para a Cidade dos Humanos, para falar com o Imperador! 

- Nós temos os nossos próprios jogos diplomáticos, Ishikawa. - Comentou Shajaka, ao deixar que Leella lhe enchesse o cachimbo com o tabaco. - Mas aquela rapariga...Sua Alteza acredita mesmo que é descendente da Senhora Swertyhina! 

Leella suspirou: 

- Isso significa que a Princesa não passa de uma marioneta?! Para que serve ter todo o jade, milho, chocolate, e vestidos lindíssimos e coloridos se somos como se fôssemos um saca-rolhas para licor Frambinam do Papá! 

- Filha...Tu cala-te, sim? Tu cala-te, que não é toda a Gemmyarkahni que entra nas residências Imperiais de Sua Majestade, Senhor da Grande Ilha da Bellanária!

« Porque é que não te calas tu, seu comerciante de segunda?! » Leella riu-se com um ar embaraçado, enquanto tentava beber o seu chá.

Quase que se engasgava ao beber o chá, quando viu que Rokurou Ishikawa estava a sorrir para ela! Ele era tão maravilhosamente belo como um humano com cinquenta anos!

Rokurou Ishikawa suspirou com um ar optimista:

- Talvez fosse melhor eu escoltar essa jovem Princesa Gemmyarkahni, nunca sabe se ela pode ser apanhada por um dos carrascos do D'Joll...

- Não! - Leella soltou um grito irritado em Phetrkakaträlam, como se fosse o guincho de um macaco.