quinta-feira, 7 de julho de 2011

Um verdadeiro Feiticeiro Branco


Biblioteca da Família Von Tifon - os artigos que eles não querem que sejam revelados!



Nem sempre houve esta pressa, este passo ordenado e automatizado tão costume dos Bellantes e dos povos mais do oriente. Em Мэрлоноград (Merlonogrado) – ou Cidade ao Pé do Mar, como dizem os Russos do baronato, vizinho do Ducado da Cidade Perdida – tudo era feito com uma lentidão pacata e humilde.


Custodio Villanueva, é o nome de um dos bruxos mais corruptos e mais obscuros do baronato de Merlonogrado. Merlonogrado, uma família católica de Russos e Espanhóis que nunca se deu bem com o conceito de feitiçaria que nós, os vizinhos Japoneses e Alemães praticamos, torceram o nariz quando os guardas da fronteira marinha anunciaram que um homem alto, de porte elegante e enigmático, tinha aportado com apenas um barquinho a remos, daquelas gôndolas que se vêem nos filmes.


Mesmo assim, há dois anos atrás, em 1978, eles não se importaram de acolher Custodio Villanueva, cujo nome completo era Custodio Dário Villanueva. Villanueva tinha um bigode pintado a pincel preto, com um fluente sotaque catalão.


Um dia, apareceu no palácio dos nobres a dizer que era médico, e que sabia tratar de feridas nas pernas e nas costas. Levava um estojo escuro e uma capa velha para lhe ajudar a aguentar mais o frio de Outono.


Lembrai-vos Vossas Excelências, que havia uma praga de cogumelos venenosos, e a Baronesa Maria Eufémia andava com um reumático nas costas. Custodio Villanueva curou a pobre e velha senhora numa questão de dois dias. Também curou um escravo e uma jovem bisneta do antigo e já falecido Diego Yaranuez.


Após essas pequenas consultas, não quis saber de renumerações ou recompensas para nada. Que, não, que não, que a única preciosidade que tinha era o orgulho em ter ajudado mais pessoas e a tirá-las do sofrimento.


Um dos trinetos do lado da família Russa então propôs-lhe que o ajudassem a subir na carreira como bruxo.


E foi assim que ele se mudou do baronato para o ducado. Custódio Villanueva, com os seus estranhos olhos azuis, os seus modos quase devotos pela morte tardia da Duquesa Abir, e a pena por não ter ouvido da doença da “honrada senhora” mais cedo.


Ficámos habituados a ele, a ele e às suas maneiras delicadas, a sua sinceridade disfarçada em pedantismo, ao fumar aqueles cigarros (quando começou a trabalhar para a nossa família, o dinheiro veio tão depressa quanto o milho em Agosto!) de hortelã – pimenta.


Outro mês passou, e outro, e outro, e quando era Inverno, apanhei sozinho o velho feiticeiro espanhol a rezar pela alma da Duquesa. Estava a chorar. Perguntei-o porquê.


Ele ficou calado durante uns minutos, apenas a olhar reverentemente para o quadro da minha mãe.


Acabou por confessar que ficara apaixonado pela senhora do quadro, e que era uma pena que ela já tinha morrido, porque se fosse viva, ele lhe daria todo o amor que ela precisava.


- A minha mãe não merece o amor de ninguém. – Comentei, quase sem querer. Que é que os meus leitores querem? Que esta minha memória, este meu espírito fique calado? Não conseguia.


- Sois uma mulher muito ingénua, mas também muito esperta, Menina Charlotte. Pode ser que a vossa mãe guardasse no fundo a mesma mulher bondosa e com coração que está reflectida nessas lindas faces de chocolate. – Disse o homem sabiamente. Limpou as minhas e as lágrimas dele, carinhosamente, como se tratasse do meu pai. – Mas é tempo de restabelecer tudo, Vossa Graça. Não vos importuno mais, e mais uma vez, desculpai-me pela minha compaixão.


Fez uma vénia muito formal – até demasiado para um espanhol – e deixou-me, a pensar, ali. Não foi despedido, tal como provavelmente pensara. Agora é muito mais do que um amigo, é como se fosse da família.


Ficou connosco como amigo e como confidente de Karl Honestoffmann, que adorava o seu gosto pelo velho e pelo rústico, e pelo órgão, que Villanueva dizia-se ser uma vez padre, mas que desistira da profissão por causa do herbanário. Com o tempo, adquiriu o carinho das crianças, o respeito dos adultos e o amor dos fantasmas Japonesas, incluindo a Senhora Murakami em pessoa. «Quem me dera que o meu filho fosse assim!»


As cortesias que fazia, a opinião conhecida e quase eloquente, fazia-o ser apreciado pelos feiticeiros Japoneses que muitas vezes, coitados, vinham pedir esmola na época do comunismo.


A roupa, diga-se de passagem, durava-lhe muito. Por vezes, escovava com a mesma mesura que lavava a roupa, o pelo do gato de família, Spiegel. Nessa altura, até o nosso gato persa era um atleta, a caçar ratos e baratas.


Lembro-me que Irene o chamava de “o Avô emprestado” por ter uma barbicha prateada que lhe ficava muito bem na pele queimada do sol.


Wilhelm Couto e Hans, por sua vez, gostavam muito dele por causa das piadas que o velho espanhol sabia. «Come-se do que há, peixe fresco é o melhor que tem cá.» Dava para as pessoas rirem-se do jantar simples e tipicamente Bellante: uma vez era arroz, outras vezes tortilhas com carne esmigalhada de porco com pimenta, cebola, molho de maionese, e papa de espinafres, tomate, cenoura e batatas, outras vezes, era peixe.


Havia depois o Usagi – o meu namorado dessa altura – que ajudava-me a coser as roupas. Eu contava os poucos lucros que tínhamos a vender para a União Soviética. Nessa altura, a Katharina morava na Inglaterra.


Aqueles eram bons tempos. Sentava-se sempre com a gente o Tio Maximilian e o Tio Martin, juntamente com os primos Ernst e o Rutger. Todos nós, ajoelhados no velho e empoeirado salão de jantar, com umas almofadas rotas e apenas a mesa de mogno cujas pernas tinham sido cortadas. Dava um estilo mais oriental ao palácio. Nessa altura, era mais uma Menina von Tifon do que “As Senhoras e os Senhores von Tifon”. Ao pequeno-almoço, comia-se pão com salsichas (coisa que Usagi e o Mestre Custódio nunca comiam), e um leitinho, outra coisa que os nossos rapazes Ernst e Rutger adoravam era molhar o pão no leite com cevada, coisa que eu achava intragável, mas enfim. Eram manias alemãs, tal como era mania Japonesa servir-se o peixe cru porque às vezes não tínhamos dinheiro para pagar o gás. Ainda bem que a Avó me tinha ensinado antes de morrer a fazer comida Japonesa para o jantar, senão, morríamos à fome.


Ninguém na “Capital” – como falava o Usagi falava de Tóquio – queria saber de nós. Nem na Alemanha, nem no Japão. Era como se não existíssemos.


No entanto, nós ajudávamos os humanos, e eles sentiam-se bem connosco. Eram tempos muito diferentes. O palácio nunca estava limpo, não havia criadas a correr de um lado para o outro, e tinha de ser eu a tratar de tudo: da roupa (a não ser da de Usagi ou da do Mestre Custódio, que não me queriam dar mais trabalhos), das paredes, do pó, da cozinha, da burocracia para que a nossa empresa sobrevivesse no mundo comunista…podem imaginar como é que eu me sentia depois de um dia de trabalho.


A velha casa Von Tifon era sinónimo de tradição, era sinónimo das antigas canções do Norte, que eu costumava cantar, por distracção.


O destino prega-nos cada partida. O baronato e o ducado gostam muito dele. E assim, quando caiu o muro de Berlim, e a família Merlonorgrado foi condenada à morte por traição e por comunismo, Villanueva foi um dos primeiros bruxos a ser considerado como o possível novo senhor de Merlonogrado, ele recusou prontamente.


Disse que tinha saudades de Espanha. E partiu sem deixar rasto. Lembro-me, dois anos passados, neste Dia da magia Negra, que ele punha sempre os Deuses acima de tudo. Bruxo? Bruxo coisíssima nenhuma! Aquele era um feiticeiro branco.


Este é uma crónica antiga que encontrei sobre um feiticeiro branco que a Tia Charlotte (a irmã da minha mãe Katharina) conheceu nos Anos 80. É engraçado como nessa altura, o reverendo "Mestre Custódio" era quase como uma figura paternal para a família von Tifon, arruinada pela mentira da ideologia comunista.


Recordam-se talvez daquele bruxo do "Fumo Sinistro" e do "Um bom exemplo de um bruxo quase ao nível do Assassino do Amor"? O Custódio Dário Villanueva era esse tal feiticeiro! Nessa altura era muito simpático, todo ele simples, todo ele cumpridor das regras dos Deuses...


E o que é que aconteceu nos Anos 90? Ninguém sabe. Talvez tenha feito fortuna na Espanha como médico da medicina alternativa, não sei.


O que eu sei é que a bondade de Villanueva trazia água no bico....