sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Um amigo da Tifongirl!



Muito bom dia, caros leitores do jornal cibernético Histórias com Nome Próprio!


A Tifongirl não pôde vir escrever mais uma das suas fantásticas histórias, portanto, eu, como amigo dela, decidi substitui-la e postar alguns artigos interessantes.



A coitadinha sofre de “depressão gramatical crónica” – o que significa que não consegue escrever absolutamente nada sem fazer um terrível erro na nossa complexa sintaxe portuguesa.



Mas chega de falar sobre aquela encantadora rapariga portuguesa. Primeiro, as apresentações:




O meu nome é Erwin Di Gracxiuschandrian e sou um bruxo que ajuda a Tifon a escrever as histórias do Assassino do Amor, aquele grande mestre da Magia Negra. Como Conde de uma das regiões menos faladas da Bellanária, o meu dever perante o império é registar qualquer e importante acontecimento nas nossas ilhas. Contudo, o meu principal passatempo é escrever contos verdadeiros e críticos sobre o terrível sistema de classes que domina o nosso país.



Embora os meus pais sejam de origem finlandesa, sempre vivi na Bellanária. Uma das coisas que vos tenho a dizer é que esta é a primeira vez que escrevo num computador! Portanto, se houver algum erro em Português, basta dizerem.



Entre as minhas personagens, muitas delas já foram aclamadas como verdadeiros “estereótipos imbecis, que não mostram a verdadeira face bellante de algumas classes”. Para mim, o copo está sempre meio vazio do que meio cheio. Isso significa que sou um pouco pessimista. É claro, sou mais velho do que a Tifongirl.



Como já devem ter percebido, um dos homens que eu mais admiro é o Assassino do Amor. Não que seja homossexual, longe disso!




A natureza de um homem por vezes leva-o a ficar fascinado por criaturas mais perversas e ainda mais malvadas do que ele próprio. O mesmo acontece com a Tifongirl. Ela adora-o, e o sentimento é mútuo. Creio que nunca existiram dois escritores tão amigos um do outro.



É claro que por vezes, o Mestre Samiel critica a falta de pontualidade da Tifongirl com os blogs, e, estas coisas electrónicas com homens tão velhos como eu e o Mestre Samiel dão sempre pelo torto.




Apesar de ambos sermos de um tempo em que não existia electricidade nem Internet, talvez seja eu o mais compreensivo.





E, enquanto o Assassino do Amor adora descrever a nossa pátria em terceira pessoa, a Tifongirl é mais optimista e quase nunca se sente obrigada em escrever na terceira pessoa. Ela utiliza mais a primeira pessoa.



Por essa mesma razão, eu sou mais um pupilo do Mestre Samiel do que um tutor da jovem menina portuguesa.



Por mim, eu sou um adepto da narração em primeira pessoa, de um ponto de vista em que me permita mobilar entre pensamentos e ideologias.



Ou seja, não sou nem tanto esquerdista como ela, nem tão conservador como o Assassino do Amor. Contudo, todas as minhas histórias têm uma lição, e essa lição por vezes desdobra-se em três ou em cinco.



No mais, só queria desejar boas entradas a todos os leitores destas nossas histórias.



Cumprimentos deste vosso amigo:



Erwin Di


Gracxiuschandrian




domingo, 29 de novembro de 2009

Um lírio selvagem... (Parte 2)

Subitamente, uma onda de gelo assombrou aquele lugar, como se as tempestades fossem o menor de todos os problemas…! Parecia encurralada, como se, repentinamente, toda aquela luz a fosse engolir. O medieval e barrocal átrio pareciam agora o interior de um templo da morte, na qual ramos de incenso e várias lâmpadas asseguravam um aroma estranho, mas soporífero e agradável, onde ela seria sacrificada a Deus. As velas apagaram-se, como que sopradas por um vento frio, vindo do Norte, e, mal ela pudesse notar um vulto vestido numa casaca branca e prateada apareceu diante de si, um homem alto, numa túnica azul-celeste, com sombras de bege magníficos e tão suaves e doces como o mel.

Uns olhos azuis, belos como duas safiras, pareciam reluzir diante dela, como que se fossem a única coisa que se sobressaia sobre aquele rosto, macio, que se lhe tocássemos, teríamos uma sensação de estarmos a beijar uma estátua grega de mármore frio. Mas o sorriso, o sorriso tinha algo de cavalheiresco e fino. E ela sentiu que estava diante de um génio, um descendente da raça solar dos Homens-Águia Brancos.

Os brilhantes, vermelhos, em forma de labaredas, azuis e vermelhas, como rubis e safiras, espalhavam-se por toda a vestimenta do homem, enquanto que, sobre o tronco, usava um grande colar de homem, onde, três círculos de bronze cintilavam, na luz da noite.

As mãos eram brancas, tão pálidas e fortes, com sinais de que estavam bem limpas e cuidadas. Apavorada, ela nem sabia o que havia de dizer…! A boca estava seca, sem sequer mexer um único músculo.

Com os braços caídos, ela viu que as mãos, aquelas mãos de anjo, ressequidas e secas como ruínas de um antigo templo, lhe tocavam nas costas, nos braços, nas mãos, num gesto semelhante a uma carícia fraternal.

De súbito, ela apercebeu-se que queria saber quem ousava fazer tais compromissos, e, então, só então, se apercebeu, que se estava a casar-se! Um casamento forçado, pois, naquela altura, as tradições bellantes mandavam, que caso fosse um casamento forçado, que o marido apenas inspeccionasse a noiva na altura que ela chegasse aos domínios dele. O feiticeiro tocava nela, mas não era um carinho que não fosse merecedor de um desejo. Aqui, as palavras não eram precisas, pelo que ficou aliviada, pois, quando ele reparou quem ela realmente era, ele acenou com a cabeça afirmativamente, e, dirigindo-se aos criados, que, insensíveis como estátuas, o escutavam atentamente, falou numa língua estranha, arrevesada para ela, que Añuli não conseguiu compreender:

- Ja, dieses ist meine Ehefrau. – A sua voz era grave, mas com um sotaque vienense, como se fossem as notas de uma harpa que não tivesse cordas. Algo estranho, e suave, no entanto, que era, de certa maneira, encantador.

Os Empregados falaram com ele, e, naquela língua, que ela não sabia falar, parecia que estavam satisfeitos, pelos meios sorrisos nos seus rostos brancos.

De repente, alguém falou com ela em Português, era uma empregada, de cabelos dourados como o trigo, e com olhos tão azuis como o oceano, quente, e aconchegador.

Levando uma das suas mãos, brancas e calmas, à testa negra de Añuli, reparou que ela estava a suar.

- Estais bem, menina? – Ao ver que os acompanhantes de mármore da jovem elfo tinham desaparecido, a mulher alta loura sorriu. – Sei que tudo parece confuso e muito bizarro para vós, mas, em breve, ireis compreender tudo.

- Quem era aquele homem? – Perguntou, por fim, ela, a medo, ousando falar na sua língua paterna.

A criada de cabelos tão doces como o mel, respondeu, num ar mais altivo, e, preocupado, como se estivesse orgulhosa, e no entanto, com um respeito, de quem se deveria dar a um rei.

Baixando a cabeça, ela disse, com um ar sombrio, porém, solene:

- É o nosso senhor, Sua Senhoria, o Duque Rüdiger Von Tifon, soberano de todas as terras da Cidade Perdida e Visconde Enviado do Reinado da Prússia, agora nomeado Rei dos Bruxos.

Añuli franziu as sobrancelhas, espantada, mas ao mesmo tempo, fascinada com aquela língua que ali, se falava. Parecia que se arranhava a garganta ao se falar, enquanto que no Português, era mais nasalado.

- Que nome tão estranho para um homem nobre…! – Exclamou ela, desconfiada, de mãos cruzadas. – Quer dizer, ele tem agora mesmo poderes sobre mim?...

- Não é suficiente para a tornar sua, mas sim, ele tem direitos sobre a senhora, enquanto hóspede dele.

domingo, 1 de novembro de 2009

Um Castelo Democrático (especial Dia das Bruxas)



Tenho um especial carinho pelos Tienenses, aqueles que utilizam o termo "menino" e "menina", para os filhos e para os que mais amam.

Se "A alma de um povo está na sua cultura", então a alma dos Tienenses está concentrada numa misturada de vários povos, incluindo o português. Não é para me gabar, nem nada, mas achei engraçado ver um típico lisboeta, com as roupas de uma pessoa lá do norte da Europa, com a excentricidade e fervor ao trabalho de um homem russo, e com a multiculturalidade de um londrino. Assim nasce o Tienense, com a mania japonesa de contar histórias de terror e um humor tão negro e vermelho como o antigo sangue azteca.

Uma vez que os Tienenses estiveram muito tempo sobre a "alçada comunista", seria normal encontrar um pouco de ruínas pós-guerra da antiga Cyborg Town. Mas também se encontra o moderno, e o progresso numa cidade destas. Quando, lá no norte, eu pergunto se conhecem um típico bellante, então todos dirão a palavra chave: organização e burocracia. Os Bellantes gostam muito de organizar tudo, nem que seja a nova praça que foi construída na Nova Losjafhden, que, apesar de ser um monumento ao mau gosto, é muito bonita.

Não desfazendo o meu anterior comentário, o Castelo Negro é aonde toda esta energia e alegria sem descanso têm o seu núcleo, principalmente pelas mulheres e pelo protocolo antigo já é de há imenso tempo. É por isso que opto por receber os meus convidados através de uma série de processos burocráticos, do que ter alguém a apontar nos meus coisos logo na entrada. Creio que é a única maneira de nós, Bruxos, sermos civilizados; optarmos por uma solução que seja acertada e justa para todas as classes.

Nos tempos da Tienânia (1949-1989), os bruxos do Norte conseguiam entender-se muito bem entre as outras classes, através do programa "Vinho de Framboesa". Aliás, a reabertura em 1979 do famoso salão Cavalheiro como "A Estrela de Swertyhina" não foi para outra coisa. As pessoas precisam de distrair-se, trabalhar e recuperar a antiga honra na sua cidade como "A Pérola do Império Bellante", naqueles tempos dourados antes das guerras e dos conflitos contra os imigrantes, nos tempos de 1900-1930. Swertyhina, a Senhora do Sangue Vermelho, a nossa Mãe da cidade Cyborg Town foi especialmente idolatrada, nos maus e nos bons momentos. Por estar associada ao sangue, nos tempos da Tienânia, Swertyhina foi considerada uma heroína santa para muitos - a personificação da rapariga nobre, guardiã do Rio Bênção, que desiste de todas as riquezas mundanas para conquistar Tsesustan, o deus eremita - e uma vilã demoníaca para outros - a terrível deusa negra que ameaça destruir os antigos cultos que proíbem o sacrifício de sangue humano aos Deuses. Porque é que não vemos esta senhora não como uma encarnação do mal ou do bem, mas sim como algo misturado: a Justiça!
É isso o que eu quero, para um castelo mais democrático e feliz...!

Kasimir Ivanovitch Malaghetiyev in News Zone, trecho de "Ensaio sobre A Condição Democrática entre Classes"

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Um lírio selvagem... (Parte I)

Disseram a “Gisélia” – que era em breve, o nome que ela passaria a ter nos documentos oficiais – em Português para aguardar um pouco, pois “Sua Excelência” acabara de tomar chá, e, definitivamente, não queria ser incomodado.
Enquanto, de cabeça baixa em sinal de respeito, ela estava sentada num grande sofá encarnado de linho puro e bastante confortável, para se entreter, impaciente, a jovem brincava com a cabeleira negra, repleta de adoráveis anéis encaracolados, com um grande lago castanho-escuro, curto, e aonde não havia nem um piolho sequer. Toda a gente dizia que ela era feia e pequena, pelo que nunca poderia ter filhos e casar-se, assim tão má, poderia enfurecer os espíritos, e, furiosos, estes vingar-se-iam nos seus futuros filhos! Ela tinha um nariz demasiado pequeno e pontiagudo para as suas filhas serem bonitas fadas, ela tinha lábios e olhos demasiado grandes, uma cabeça “grande” para caber tanto saber! O que na linguagem prática dos Elfos significa que ela era infértil. Coisa que se veio provar a ser mentira, mas lá mais à frente iremos.
Añuli era filha da natureza, por que estar numa casa de Bruxos ou de Humanos, para ela, era algo, novo.
Durante a sua prolongada espera, diversos criados demónios ofereceram-lhe gentilmente vinho, castanhas, nozes, avelãs, Frambinam, chá de bambu, e até cigarros de hortelã-pimenta, mas tudo ela recusou. Tal como todos os seres da Floresta de Cristal, ela tinha feito um voto de pobreza e de descolar-se de tudo o que era luxuoso, voluptuoso e sensual. O único adorno que ela usava era um simples lírio amarelo como gancho para os cabelos encaracolados, que, por vezes, se lhe punham à frente da cara pequena e triangular, arredondada. Um esboço de mãos negras, deliciosas, já com vários calos, desenhavam-se sobre as suas próprias mãos, enquanto, que, direita, repunha os pés descalços e sujos, como que pequenas patas de uma cria de leoa, e nem se atreviam a sujar as compridas, garbosas, faustosas carpetes vindas do oriente.
O olhar dançante, retumbante, ardente, de uma pequena que já sabia tudo, parecia querer adivinhar, com curiosidade, onde raio estaria ela…Agora já não estava assustada, mas sim com um estranho sentimento, que lhe queimava o medo e receio, e, que eram substituído por um bizarro formigueiro na cabeça, que os braços, que as mãos humildes, que os próprios pés, queriam aprender todas as novidades que lhe eram favorecidas aos olhos. Criatura divina, iluminada, ela era um elfo fêmea, contrária àquelas que os antigos nórdicos as pintavam. Mas, em breve, seria alta, julgava a pequena criatura da floresta. Nascida entre os rochedos místicos e iluminados, cheios da música das ondinas e das musas, inspirada, Añuli tinha uma aptidão angélica para cantar, com uma voz efeminada barítono, e que adorava cantar, entoava poemas, como quem pensa alto, e em sempre rimada, ela entusiasmada, como qualquer criatura da floresta, adorava a música, pois era o privilégio, o tesouro dos pobres.
E, teimoso, o seu espírito, parecia querer, cantar, ali, mesmo, com todas as suas lindas flores escravas de um negro destino.
Cor de pele é uma ilusão, alegria de escravo é realidade, feiticeiro nórdico ser senhor, é uma mentira, incumbida por maliciosos diabos e transmitido entre malditas e malvadas bruxas, oriundas das brumas inglesas…! Tudo isto falava ela e cantava, em baixas ladainhas, fingindo dançar inocentemente ao ritmo das suaves fragrâncias que se faziam sobressair naquele sítio de sonho.

domingo, 27 de setembro de 2009

Na Terra dos Homens Brancos...



Para aonde a levariam…e a que senhores serviria?...

Era uma pequena senhorinha, criatura frágil das savanas, rios, nenúfares negros de castidade e pureza, os cabelos encaracolados em nós de marinheiro, quase que se levantavam, na sua curta cabeleira, embrenhada, e que o vento gélido, espicaçava, sobre uma terrível e violenta chuva. As mãozinhas, delicadas e trabalhosas como as abelhas, pareciam agora tão velhas quanto a pele, enfarruscada, de gato negro da sorte de Vovó Unathi, deusa experimentada, e que sabia tudo acerca do Mundo dos Espíritos. As suas sobrancelhas, castanhas, pareciam adivinhar mistério, para além das nuvens negras, lá no Norte! Que Terra tão estranha…! Os pensamentos da jovem pareciam voar pela tempestade, como se ela não os conseguisse apanhar. Estarei noutro mundo, ou será que os Antigos Deuses reservaram um destino diferente do que o das minhas infelizes irmãs, tios, irmãos e tias receberam, nas mãos dos Homens Brancos?...
Uma voz parecia dizer-lhe que não, que as coisas não seriam assim tão más, como ela julgava que seriam, e, por uns momentos, quando o coche branco parou em frente de uma enorme mansão, aquela vozinha, dentro de si, parecia gritar cada vez mais alto que as coisas não seriam assim tão más!...
O rosto, pequeno, parecia, assim não tanto marejado em lágrimas de sal, perdidas por entre orelhas pontiagudas e alturas estonteantes de um metro e cinquenta.



Era um palácio barroco, daqueles onde os senhores brancos viviam, todo ele opulência e majestade, coberto de cores douradas, como se fosse uma enorme gruta adornada em ouro e marfim branco, retirado dos gigantescos elefantes, espíritos antigos, que, naquela “cabana de chefes”, rectangular, com duas enormes campânulas, que se sobressaiam pelos seus tons prateados, como que as pinturas de guerra nos líderes dos exércitos dos seus antepassados, em tempos de guerra, contra os Homens Brancos.
Os lábios aveludados e sensuais, como que um grande xaile de cores de avelã, pareciam ficar pasmados, mas não tão espantados como quando ficariam quando um homem branco, com uma túnica esverdeada, segurada por uma cinta de púrpura, arroxeada, como os olhos rapinados de uma águia, brilhavam sobre as lindas nuvens de claridade que havia sobre o átrio de entrada, uma espécie de círculo, onde vários objectos e imóveis barrocos, de cores aclarados, eram cobertos ou pintados por tapetes coloridos e garbosos, brilhantes, reluzindo numa palete de várias cores quentes. No alto do enorme tecto pintado com azuis-claros e tons de pastel e bege, figuras cristãs, e asiáticas, e africanas, uniam-se, num só céu, de rara tolerância e amor.
Diante de Añuli, havia uma escadaria de cores de mármore, macia, com um piso escorregadio, que parecia ecoar os passos surdos de alguém importante, na sua brancura ocidental e magnífica. O lustro parecia que era o Sol daquele pequeno, mas enorme, universo, de quartos, escadas, salões imponentes, e colunas dóricas ricamente decoradas em talha dourada.
Andando de um lado para o outro, ela parecia maravilhada com todos aqueles objectos e preciosidades, riquezas que vinham, naturalmente, da sua própria terra, facto desconhecido para a nossa heroína. Havia um doce perfume a jasmim e a rosas, no entanto, não havia qualquer sinal de criados, entretidos, de um lado para o outro, como seria de esperar num lugar daqueles. Todo o átrio era um silêncio completo, como uma tumba qualquer, o que enervou um pouco a rapariga, apesar de ela ser corajosa; não! Tinha medo, e não o podia negar. Nem sequer apanhava um único som.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Añuli Nikemdilim - nome de uma escrava salamandra...

Añuli Nikemdilim teria os seus dezoito anos quando “eles” a receberam, naquela terra de estranhos, onde as flores e as árvores tinham um sabor estranho.
Não sabia se era ou o seu coração que estava acelerado, ou se era o facto de estar a chover que a fazia ficar assim…com um nó no estômago. Tinha de o admitir: naquela altura, não saberia o que é que lhe estaria, exactamente, a passar…A vida passava tão depressa…Porque é que agora, sem querer, tinham-lhe arrancado a roca, para que fiasse com uma linha de teia de aranha, para tecer um tecido de seda dourada, como aquela dos cabelos dourados, mas...ela não era nenhuma bruxa alemã…! Era uma fada bellante, com todo seu orgulho e virgindade, na sua castidade, e dedos que nunca tinham conhecido cravos, perfumes parisienses, e orelhas que jamais tinham ouvido falar nas cortes europeias, em 1624. Tudo aquilo era novo para ela…as construções feitas por mãos humanas, feitas com pedra, ouro, que os Humanos tinham saqueado das maravilhosas florestas Bellantes. No seu interior, já se sentia violada, pela sua natureza, e pelo seu coração, que era como uma corça, perdida, e assustada, no cair das folhas de Outono. Estava frio, tão frio, que ela conseguia sentir as suas pernas tremerem entre as suas pobres túnicas e saios, pudicos, esfarrapados, feitos por folhas de silvas e sobre enormes folhas de vinhas, que tresandavam, horrivelmente, lembrando o Inverno. Teria de lutar por tudo aquilo que amava, ou aquilo era apenas o princípio do fim!... Conseguia sentir o vento palpitar, assobiar, rugir por entre os pinheiros, escuros, silenciosos, que os únicos barulhos que pareciam soltar eram tristes lamúrias e horríveis, ameaçadores sibilos.


Ninguém tinha lhe contado absolutamente nada: a sua mãe, uma elfo de nome, religioso e crente, como deveria ser naquela altura, Paula Nthanda, apenas lhe dissera, naquela sua voz, pequena, e com um ar completamente simples, na sua língua, agora há muito esquecida, que todas as suas filhas tinham sido atadas ao “jugo da escravidão”, desde pequenas, e que, segundo o principio do Senhor Tsesustan, que a Senhora Melnjar, a guardiã das Fadas, as guardasse, a elas, salamandras, fadas do fogo, que, delas, nascia o pecado e o santo num só, e, que, só através de um homem, misteriosamente, por artes mágicas dos Antigos Deuses, o Homem e a Mulher eram unidos, num só momento, e que assim, todo o equilíbrio das coisas estavam “resolvidas”. A verdade é que as fêmeas salamandras, as fadas que inspiravam os Seres Humanos nos momentos mais picantes e que acendiam e mantinham as casas deles quentes tinham nascido escravas, e que os salamandras machos também o tinham nascido. De tão horrível fado, Añuli – com antepassados, lá nas “negras Africas”, como lhe chamavam os “Brancos” – jamais conseguiria escapar.
Assim fora também com Zola Unathi, sua avó e fiel confidente desde os quatro, e que lhe contava lendas antigas lá das Terras Sagradas, onde os Leões percorriam as douradas pradarias, e onde nunca existiam flores e pinheiros assim tão sombrios!
Bellanária era a Terra de todas As Cores, agora, e a pobre, pequena, Añuli, jamais esqueceria essas palavras, quando partira da longínqua Terra África Mãe, e que dissera adeus a irmãos, pai e tios. Não sabia quando ia, nem quem a levava, apenas sabia, que as correntes que levava já se tinham enleado nas suas próprias veias, e que as lágrimas que agora choravam, tinham-se colado nas “Negras Africas” para sempre!...

Ela observava, através dos seus grandes, olhos negros, a praia, o mar, que os seus antepassados tinham temido, e, vira, com grande tristeza, que as grandes ondas pareciam engolir as bonitas esculturas em pedra, que mais pareciam totens, figuras da sorte, que agora, nos seus tristes sorrisos, pareciam dizer “adeus para sempre”…

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

7 de Setembro ---- Situação Actual - e algumas revelações...




Agora que as aulas estão quase a começar, e que parece que vou ter de voltar aos estudos ------embora eu não tenha ido ver muitas vezes os posts do arthurius maximus (e diz ele que eu faço textos compridos! sem ofensa, ok, arthurius?), continuo online!!!!!!! ------ e, para além disso, quero fazer algo para ver se vocês estão bem atentos aos meus posts.









Finalmente. Quer dizer, já estava um pouco a perder a esperança com o Grito da VErdade!






Ora bem, a ideia do ^Grito da Verdade^, provavelmente criado em 2007 (já lá vai muito tempo, não é, dois anos, hem?) era a de criar um espaço onde eu pudesse explicar os cenários, os lugares e os personagens pelos quais a Jessica, a personagem principal dos meus posts do ^Histórias com Nome Próprio^, se depara. Isto porque a Bellanária - ou a Atlântida, como eu antes a chamava, se quiserem eu posso explicar porquê de eu ter mudado o nome - era um sítio muito grande nessa altura e eu ainda não tinha muito bem as fronteiras definidas. É VERDADE - e verdade é a palavra chave neste blog - que ainda não acabei a história, mas têm de me dar um desconto!



O texto d'as "Almas Siamesas, Gémeos Diferentes" tem, ao todo, e já vamos na pág. 226 quanto a postar histórias sobre isso. E, como diz o ditado, «...quem conta um conto, acrescenta um ponto...» e só espero não vos estar a maçar com a história da Jessica. Para mais dúvidas, conctactem-me...melhor comentem!









Depois, outro ponto que eu queria discutir, é sobre Cyborg Town - também posso falar sobre isso nos próximos posts....E por fim, comecei a escrever a razão de Cyborg Town ter sido construída - o Assassino do Amor! Ele não é mais que uma personagem, ele é o verdadeiro segredo para que eu ainda consiga comentários e visitantes no Grito da Verdade! E pensar que a ideia e a personagem nasceu com um pequeno poema que eu escrevi na aula de Geografia no 9º ano.



O próprio personagem do Assassino do Amor foi apenas um apelido que eu arranjei para o verdadeiro vilão das minhas antigas histórias que eu já escrevia no PC; nada mais, nada menos (e só espero não estragar o clima de suspense de muitos fiéis leitores), que uma personagem histórica que eu fiquei muito fascinada para aí no Verão de 2006. Senhoras e senhores, apresento-vos, Reinhard Heydrich, "o Carrasco", como muitas das personagens dos meus antigos livros lhe chamavam. Ainda vão ouvir falar dele na história da Jessica e do Pedro, disso podem ter a certeza...! E também tenho a certeza que o arthurius maximus, a esta altura, já deve ter adivinhado qual será o papel deste homem absolutamente misterioso e obscuro...! Não censuro aqueles que ficaram completamente seduzidos pelas histórias do Assassino do Amor...o homem, mesmo depois de morto, tem este condão de encantar todos aqueles que o conhecem!






As próprias feições, características de Rwebertan Samiel Di Euncätzio são caracteristicas que eu copiei do próprio Heydrich - a voz aguda falsete, os olhos oblíquos, frios, e penetrantes, a arrogância quase megalomaníaca, e o total desrespeito pelas leis e regras estabelecidas, já para não falar para o enorme apetite sexual para mulheres bonitas! O cigarro e o tigre e o Castelo Negro foi tudo invenção minha, porque, ao que parece, segundo as minhas fontes, o "Arquitecto da Solução Final" fumava ocasionalmente, e este advérbio de modo significa RARAMENTE fumava. Outra diferença: enquanto que Heydrich tinha um cabelo curto e louro cortado à militar; o meu personagem, o Assassino do Amor, prefere usar um longo cabelo ruivo cor de fogo e tem olhos verdes.



Se não estão a gostar das minhas histórias, é só dizer!!!!!!!!!!!!!! e como o próprio Assassino do Amor costumam dizer...






«....- Não me queriam cá?! – Murmurou com um ar falso de espantado enquanto sacava discretamente do ombro um cigarro duma caixa rectangular de mogno verde-escuro com um elegante fecho mosquete dourado. – Não me queriam? Oh, que situação desagradável. (...)



Sendo assim, o melhor será retirar-me....»








sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Uma "Convidada" Indesejada


Com um simples estalar de dedos e umas quantas palavras, o Assassino tinha conseguido tirar a Eleonora tudo o que lhe tinham dado!... Como é que ele conseguia fazer aquilo, melhor; porque é que a fazia passar por tanto sofrimento?!...

Com as mãos apoiadas sobre o travesseiro vermelho escuro de algodão puro e suave, os seus olhos tornaram-se vermelhos de raiva.
Jamais consentiria que aquele homem lhe tocasse num único cabelo que fosse, mesmo que isso significasse a sua morte…Ela sabia que a rejeição do noivo ao matrimónio significaria a morte da noiva. Era uma lei estúpida, ela sabia disso, mas era um costume já muito antigo, e não queria ser acusada de nenhum adultério. Naquele tempo, uma “Çomanoiraia” – que significa rosa vermelha murchada – era preferível deixar-se morrer e cometer suicídio ritual por uma espada dum homem, do que ser considerada uma demónio imunda e ranhosa, que ninguém poderia tocar. Isso seria a desonra das desonras para a família dela. Tudo menos isso.
Desde pequena, a princesa tinha sido ensinada através dos antigos costumes atlantes, praticados pelas mais velhas e sábias fadas, de todo o bosque, de toda a floresta. Sob altos vestidos coloridos com abas decotadas de renda e espartilhos apertados invisíveis de seda, o mundo das Fadas e das mulheres atlantes estava reduzido à religião, à beleza, o amor matrimonial, e a passeatas pelo campo com as amigas, ou caso fossem das classes mais baixas, teriam que cozinhar para o marido, as mulheres sacerdotisas, as burguesas e as nobres jamais cozinhavam, a não ser nas oferendas para os dias santos de cada deus patriarca ou deusa matrona de cada família ou região da ilha.Enquanto que o papel do homem era o da guerra e o da liderança e amizade para com os seus camaradas e companheiros de batalha e jornadas, a mulher era a “Senhora da Sua Casa”, de facto, era o único lugar onde ela mandava, e, não lhe admirou muito que Samiel ficara indignado com o comportamento pouco formal dela. Embora em outras religiões ou países não fosse assim, a mulher atlante tinha um pouco de liberdade para passear sem estar de guarda com o homem, excepto se este não fosse o seu irmão ou filho. Também estes privilégios estavam reservados ás mulheres feiticeiras nobres e às criaturas sagradas femininas mais santificadas de toda a Atlântida. A Rainha Melnjar, sendo a Deusa e Senhora Suprema, poderia ir sozinha aonde e quando apetecesse, tinha poder total sobre ela própria, como qualquer mulher moderna, o que seria um escândalo, principalmente vindo duma princesa ordinária como Eleonora…

De súbito, as lágrimas não lhe vinham à cara, pois ela estava fascinada por aquele homem, os olhos verdes da noite, que lhe provocavam arrepios, aqueles mesmos olhos que tinham hipnotizado a sua querida amiga Ariana agora olhavam para ela, e, subitamente, ela não se sentia sozinha, mas também não se sentia enfeitiçada ou inconsciente, era como se algo mais forte dentro dela emergisse para se defender da Magia Negra do Assassino do Amor….Conseguia enfrentá-lo nos olhos. Conseguia olhar naqueles olhos de esmeralda, e não ter medo, mas sim ódio! Ódio era o que sentia, por dentro, e por fora. O florete ou sabre do homem quase que se recusava a ser desembainhado para fora para a matar.
- Serás morta dentro de dois dias, Eleonora. – Disse o homem friamente, olhando-a de relance com desprezo. – O teu coração não me serve para me alimentar.
- Isso quer dizer que não sois demasiado cruel para terdes a decência de me matar, como mandam as tradições? – Perguntou ousadamente a jovem, quase num tom trocista, mordendo os lábios com tal impertinência.
O homem limitou-se a fechar as portas ruidosamente atrás de si, obviamente perturbado e irritado com a esperteza e raciocínio rápido da jovem. Ela não era como as outras. Ou talvez seria?...

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Centro Bilafassabsnair (edição especial)

Por causa de uma súbita falta de comentários durante este mês, peço encarecidamente aos que o frequentem, que me dêem algumas ideias sobre o que haverei de publicar...! Uma vez por mês, vou publicar este post (que é "patrocionado" pela Deusa Bilafassabsnair, a padroeira de TODOS os bellantes e deusa do amor, era especialmente venerada na Cidade dos Deuses, considerada como um símbolo nacional do Império das Ilhas Bellantes)


Hipóteses:

  • Tenho alguns contos sobre a Bellanária e as suas muitas ilhas, que não só são realistas, como acho que, de certa forma, podem agradar aos leitores mais exigentes, que achem que a " fantasia não é só castelos em cima de nuvens"

  • A continuação das aventuras - e desventuras e façanhas - do Asassino do Amor

  • "Os Pergaminhos de Sara" - uma colecção de livros e novelas que eu estou a planear publicar realmente em Portugal. Tratam sobre a vida passada nos Anos 30, com a amiga da Jessica nos tempos de adolescente. São um bocado longos, tenho de vos avisar.

  • Curiosidades sobre a Bellanária - se quiserem saber mais sobre estas ilhas, e sobre os personagens que mais vezes aparecem nos meus livros, é só perguntar.

mais dúvidas, consultem o meu e-mail - c.catigirl@gmail.com ou comentem, Please!

sábado, 4 de julho de 2009

um feitiço aromático e amargo (2ª parte)


Soltando uma risada muda, Samiel esboçou um sorriso, enquanto mexia na água cada vez mais.
A seguir, olhou novamente para a princesa, que enfadada, contava as estrelas no céu, que se podia avistar da varanda.
- Eleonora. – Chamou ele, num tom normal. – Sei que pode ser difícil para ti acreditar no que eu te estou a dizer, mas a verdade é esta: a tua mãe usou-te como se fosses uma peça de xadrez, a única coisa que importava realmente para ela neste atribulado incidente era o dinheiro que ela poderia ganhar às custas de ti e do Indra.
Com uma das mãos enluvadas sobre o braço direito dela, ele acrescentou num tom familiar, como se fosse irmão mais velho ou até mesmo pai dela:
- Olha pelo lado bom; se não fosse eu a raptar-te, já estarias morta, é isso que tu desejarias para a tua vida, que acabasse assim de repente, quando ainda és muito nova e…
- Talvez sim! – Respondeu ela, aborrecida, sem quer dignar-se a olhar para o maldito feiticeiro. A sua voz tornava-se cada vez mais triste e insultada – Eu e o meu Indra éramos muito felizes, até vós chegardes e tirar-me dos braços do meu querido amado, e isso é uma coisa que não suporto, eu amava-o de verdade!
- Eleonora, tu não sabes o que é que dizes! – Samiel tornou-se cada vez mais frio, de mãos no bolso, passeando pela suite, soprando impacientemente anéis de fumo para o ar, quase acabando o cigarrito. – Não te vou fazer a vontade de morreres aqui, agora mesmo, só porque abriste, por uma vez, os teus olhinhos ingénuos e patéticos; na vida real, não existem príncipes encantados. Apenas homens que quererão tudo de ti.
- Oh, deixai-me em PAZ!... – Berrou ela, desesperada, correndo a cama, só para se enfiar nas almofadas, com as mãos agarradas às alcovas brancas de seda, deitada na espécie de sofá de veludo macio e suave, com uma espiral, que se desenrolava no tecto, transformado em várias serpente de esmeralda, de linho, decorando toda a parte de cima de tecto. – Seu desnaturado, nem vos passe pela cabeça atrever-se a tocar-me num único cabelo que seja, senão nem sabeis o que é me dá e depois eu viro UMA FERA!
- Mas…Que gritaria é essa toda, Eleonora? – Exclamou o homem, deveras espantado, levantando as sobrancelhas, e tirando a boquilha da boca, pendendo-a numa das luvas negras, apontando-a ameaçadoramente à rapariga, com o olhar mais severo. – Lembra-te, que esta é a minha casa, e se ousares falar-me outra vez nesses tons, então é que terei mesmo de tomar medidas drásticas!
Subitamente, ao acabar de dizer estas mesmas palavras, o homem fez, ao deitar a poção que tinha feito para cima dela, ele fez com que toda a roupa, maquilhagem e aspecto bonito que ele tinha dado a ela fosse retirado, acrescentando-lhe uns cortes horríveis, frescos, extremamente dolorosos, feitas pelas espadas invisíveis, e, quanto mais ferida ela estava, mais triste e irritada ela começava a ficar.
Olhando, rente na cama, para o seu lindo vestido, o sangue prateado e da família real, a manchar porcamente o vestido, que agora parecia uma poça de paixão e tristeza, morte. Cheirava pior do que se estivesse enlameada, e, na verdade, apetecia-lhe chorar só de ver o estado amargo e áspero em que tinham ficado as roupas. Tocou nos lóbulos, e reparou em dois pontos ardentes vermelhos nas suas duas orelhas. Os brincos já não estavam mais lá.
O que raio é que ele estaria a fazer…?

quarta-feira, 17 de junho de 2009

um feitiço aromático e amargo (1ª parte)

De repente, um homem alto num roupão roxo de dormir de veludo com uma fita de seda vermelha, e de cabelo ruivo, rebelde, curto, entrou dentro da suite, seguido por um enorme tigre de estimação, de pelo farfalhudo e fofo, rosnando com uma voz terrível e zangada, parecendo acalmar até ao mais feroz dos furacões. Com uma boquilha de âmbar preta nos lábios e luvas de cabedal a cobrir as garras afiadas e desumanas assustavam imenso princesa, mas o que mais a perturbava eram o conjunto no seu todo, ficava aterrorizada só de pensar que tinha sido enganada por um homem como ele, aceitando comida vinda da cozinha dele…! Como é que poderia ser ingénua a tal ponto!?
As acusações que ele tinha feito à sua mãe, não podiam de forma alguma serem verdadeiras. Ela e Indra amavam-se, e não havia outra maneira de explicar esse facto. Com aquela cobra venenosa, era preciso ter-se o maior dos cuidados.
Os olhos verdes e penetrantes do homem perscrutavam a lamuriosa Ariana, e, quanto mais a fixavam, mais paralisada ficava. Estava cheia de medo, embora não o pudesse demonstrar, e, isso, era uma cena horrível de se ver para a outra jovem. Um frio tremendo congelou o corpo inteiro da rapariga, antes que ela pudesse fazer alguma coisa, e, petrificada, muito branca, quase sem poder se mexer, viu os pés cobertos pelos chinelos de linho azuis do feiticeiro aproximarem-se cada vez mais, num ruído surdo.
O fumo que geralmente, acompanhava Samiel, não se fez esperar, e, subitamente, uma onda de fumo de hortelã-pimenta mergulhou a pobre fada num sono hipnótico, sem que esta pudesse manter-se consciente, do que se estava a passar.
- Ariana. – A voz aguda do feiticeiro ecoou gentilmente em toda a sala, como se fosse um sibilo trazido pelo vento. – Já não devias estar a dormir?
Eleonora sentiu um arrepio quando a sílfide respondeu num tom insensível, e dormente, quase o mesmo que ela usara para se apresentar à princesa:
- Meu senhor. – Ela dizia aquilo num tom tranquilo e adormecido, como se estivesse a bocejar.
A garra direita do feiticeiro apontou por fim para a porta que dava acesso até ao corredor.
- Então vai lá dormir, minha querida. – Sussurrou novamente o feiticeiro, acariciando os caracóis dela com uma estranha ternura. – Vai para a tua caminha, que já são horas de tu estares a dormir, meu pirilampo.
Imediatamente, a rapariga, não obstante, obedeceu, dando os seus pequenos passinhos, qual sonâmbula, num estado completamente inconsciente, não escutando nada do que as pessoas poderiam lhe dizer, pois ela, agora, estava sob o poder do feiticeiro.
Aquilo dava imensos calafrios à princesa, pelo que esfregava constantemente os braços com o ronronar subtil do gatão do senhor do castelo.
Odiava-o, pela sua forma de ser, por disfarçar os seus sentimentos, pelos seus olhos verdes de réptil, por aquela língua peçonhenta e venenosa, e, só de pensar que, qualquer dia, aquele poderia ser o seu aspecto, que poderia vir a tornar-se numa das escravas do Assassino do Amor!... Nem que estivesse morta! Ela preferiria escapar do que ter de aturá-lo, todos os dias, com as suas exigências bizarras e aterradoras.
Mal a rapariga desapareceu pela porta, enlevada por algum dos feitiços daquele bruxo malvado, ela engoliu em seco, ao ver que o sorriso cínico do homem esmorecia num olhar frio e prepotente, olhando-a com um ar autoritário e indiferente, com as mãos atrás das costas.
Encolhida em cima da cadeira feita a partir de madeira de oliveira, ela reparou que o homem continuava de pé, com aqueles olhos gélidos.
- Então, Eleonora? – Perguntou num tom sarcástico. – Não gostas dos presentes que te ofereci de livre generosidade?
Ela limitou-se a virar-lhe costas, tentando não enfrentar os olhos esmeralda e de lobo, consumidores de mil fogos, a olhá-la, como se a quisesse devorar com o olhar.
- É uma pena. – Suspirou num tom desagradável. – Mas eu gosto da tua teimosia, gosto muito dela.
A seguir, sentando-se confortavelmente ao lado dela, retirando quase de maneira inocente, dos bolsos um frasco do qual saiu um pozinho vermelho, ele misturou-o de maneira desleixada, com a boquilha e o tabaco, na água.
Minutos depois, saía uma fumaça inacreditável do líquido vermelho, dissolvido na água potável do jarro, uma espécie de fumo roxo, que tomava as formas duma serpente. O Tigre da Escuridão tentou, curioso, cheirar aquela estranha bebida, mas, logo que pôs o focinho grande dentro do jarro de barro, espirrou com um barulho incrível.

sábado, 6 de junho de 2009

Deuses para todos os Gostos!!! (ésclarecimento de dúvidas)


Para melhor compreender os deuses aztecas, quis fazer um post - para verem que eu não sou assim tão parva a ponto de não vos explicar porque é que esta personagem está aqui na minha história da jessica.



Sei que é um bocado chato, mas vou qotar de uns livros que tenho cá em casa... sou uma afixionada por civilizações antigas, e, por outro lado, se não vos explicasse esta coisa de mitologia, depois não compreenderiam de todo o que certas personagens - nomeadamente, os Deuses - fazem no universo do arquipélago da Bellanária. E, afinal, não será o culto à morte e a arte que nos tornaram humanos?...


Portanto, cá vamos nós:




Há muito tempo vários povos habitavam a América Central. Os Astecas e os Maias, em particular, formaram aí brilhantes civilizações. A sua escrita, o seu calendário e o seu conhecimento estavam intimamente ligados à sua religião politeísta (que tem várias divindades). Estes dois povos, muito parecidos, partilhavam algumas crenças.


Deuses Exigentes:


Os Astecas, como os Maias, acreditavam que os deuses tinham criado e destruído o mundo várias vezes. Tinham por isso, uma grande preocupação: fazer tudo para os persuadir a não destruir o local onde viviam. Apenas uma coisa, segundo eles, podia apaziguar os deuses: a oferta de sangue humano. Era por isso que os Maias e os Astecas sacrificavam vários homens, mulheres e crianças ao longo das suas cerimónias religiosas.



Relação com a história:


Desde a primeira vez que tive a ideia de escrever uma história (foi para aí há mais de cinco anos) que me tinha inspirado nos deuses astecas para representar os "professores" e "membros do honrado Palácio das Reuniões". Para criar certos deuses, mais pacificos e benevolentes para os heróis das minhas histórias, inspirei-me igualmente nos deuses da mitologia hindu, mas isso fica para outro post. Agora quero falar-vos dos deuses que mais contactam com os personagens da história de Jessica:

Primeiro, Quetzalcoatl (a Serpente Emplumada) - ou, na minha história, mudei o nome para Jetwas, que é caracterizado na Bellanária como "O Pai de todos os Dragões" e um deus benéfico, pensando na sua ligação com o deus Ehecatl , deus do vento e do sopro vital.


A seguir, vem Tezcatlipoca - o seu terrível irmão, cujo nome significa «espelho fumegante», porque o seu espelho lhe permite ver e conhecer tudo.


Tlaloc, deus da chuva (na história bellante, adoptei o nome para Plasna, vindo da palavra latina, "Plasma", liquido claro onde se encontram os glóbulos do sangue - irónico como consegui transformar um deus mesoamericano com um nome que tem a ver com o sangue humano!)


E Chalchiuhtlicue, a sua mulher, deusa dos rios e dos pântanos - numa das histórias contadas pelo Assassino do Amor, ela aparece como Arundahti, segundo a minha descrição e imaginação "um protótipo" da típica mulher bellante, rica e excêntrica.



E que panteão não seria este sem Shiva e Parvati - o casal criador do Yoga na ìndia, Shiva é o destruidor, Parvati é, muitas vezes considerada no hinduísmo como a representação da força feminina criativa - ou melhor, Tsesustan e Swertyhina?


Se precisarem de mais dúvidas, é só dizer. É claro que há mais deuses instalados nos Assentos Dourados do Parlamento de Classes do Palácio das Reuniões, mas é que acabei de dizer o que mais estão referidos nas minhas histórias... Por agora! E por favor, não me critiquem se mudei o nome dos deuses. Algumas pessoas são tão incultas que podem, se calhar, não saber como se pronunciam os nomes. LoL Just Kidding!

terça-feira, 26 de maio de 2009

"Um mundo tanto de escuridão como de luz"...


A Bellanária, ou melhor, o antigo “Império Bellante”, é composto por várias ilhas espalhadas no oceano atlântico, apenas ocultas ao olhar de quem não acredita, cada uma com o seu próprio clima, vegetação e fauna. E tal como cada ilha tem a sua identidade e étnica e dialecto próprios, cada classe que lá habita vive a sua vida de acordo com os princípios estabelecidos pelo Palácio das Reuniões, o órgão legislativo e representativo supremo de todas as ilhas. Isto significa que nem o Rei dos Bruxos, nem a Serpente de Fogo, supostamente, podem contestar as leis que lá se redigem. Tal como disse anteriormente, todas as classes – com excepção dos demónios e dos miseráveis, os humanos mais “miseráveis” segundo o código constitucional da lei escrita pelos deuses, é uma coisa muito complicada – podem eleger ou fazer representar pelos seus membros mais capazes. As criaturas místicas, as Fadas, os seres Humanos, os Feiticeiros Brancos, os Nobres e os Bruxos têm os seus próprios representantes, e a palavra deles costuma ser a própria lei na terra deles. Acontece que agora, a Grande Ilha está dividida em vários sectores regionais: o Vale da Morte e Cyborg Town estão representados, na maioria, por bruxos e demónios, o que de facto não devia acontecer. Outra coisa muito importante a referir é que nem sempre os Deuses são assim tão divinos. É verdade que já houveram deuses – e estão muitas vezes referidos em outras “mitologias do mundo dos mortais” – que foram conhecidos pela sua bondade e justiça.
Mas depois há o “Fanatismo Pan-bellantismo”, a designação técnica para um sentimento muito mesquinho e conservador que cresceu do senso de superioridade iniciado na Era de Melnjar. Esta coisa é muito complicada, pois implica uma série de teorias, como a descriminação por classes, a “Frieza Justa” (ou A do típico bruxo Tienense (uma filosofia muito semelhante àquela do “Caminho do Guerreiro” japonês e do “Übermensch” de Friedrich Nietzsche, que defende que o ser humano deve se superar para bem da Humanidade), que tende a ser mais sádico e vaidoso que devia ser, e também da antiga tradição do sacrifício humano perante os Deuses. Todas estas teorias têm os seus quês e os seus porquês, mas a verdade é que, por mais que tentemos, para sermos humanos, temos de nos tornar humanos, e não é com mais mortes que o vamos conseguir.
Uma coisa que tem acontecido de bom na Bellanária actual, e o que tenho notado, é que, durante os momentos de crise, o típico homem bellante, o corajoso, sedutor, elegante e frio e brilhante feiticeiro apela sempre à calma diplomática e graciosa da “Princesa Bellante”, aquela Senhora Qahlhaya divina, de cabelos louros e tez branca, da etnia das ilhas do sul, que, segundo os racistas mais racistas da nossa ilha, conseguiu salvar o império inteiro apenas com a sua inteligência e a beleza da “mulher ideal bellante”! É claro que não somos nenhuns super-homens nem nenhumas super-mulheres; já passámos por duas Guerras Mundiais…A questão são: será que o homem e a mulher bellante terão aprendido que não são brancos, mas sim negros? Negros, porque, às vezes, conseguimos ser muito cegos. O Senhor Tezcatlipoca disse, com as suas próprias palavras: ‘…devemos aprender com os erros do passado…eu perdoei as acções dos Aliados e da força do Eixos que viviam nas ilhas bellantes durante os tempos da Ocupação, e talvez seja melhor deixarmos as nossas mulheres um pouco mais de liberdade…’
Não é uma questão de sabermos se as nossas ilhas são multiculturais ou multinacionais, ou quanto mais multiraciais, a questão é se conseguimos lidar com a situação sem andarmos sempre “às turras” e conseguimos perceber se conseguimos retirar algo bom sobre essa condição de mundo tanto de escuridão como de luz!



Crónica escrita por Frau “Maggy” Lessinger no News Zone, em 1979, na ocasião de celebração da comunidade portuguesa do 25 de Abril. O pseudónimo Frau Margareth Lessinger era a única maneira que a minha mãe Katharina tinha para expressar os seus sentimentos e opiniões sobre a sua experiência como “criminosa de guerra nazi”, que era o termo mais educado que ela tinha recebido enquanto passeava pelas ruas da grande cidade de Cyborg Town. No entanto, a minha mãe foi alvo de duras criticas quando se descobriu que uma criminosa de guerra estava a escrever para um jornal liberal. A minha mãe sofreu muito nessa altura, mas lá conseguiu ultrapassar a “maldição” que nomes como Heinrich Himmler, Joseph Goebbels e Adolf Hitler lhe davam pesadelos, não só de noite, como em plena luz do dia. Porque é que a antiga “Fräulein Katharina” se identificaria com a Senhora Baronesa Qahlhaya, uma antiga heroína nacional dos tempos do Assassino do Amor…?

sábado, 2 de maio de 2009

Alea jacta est - que os jogos começem (Parte II)


A porta abriu-se, e, em vez do Assassino do Amor, encontrou uma rapariga, nova, de para aí doze anos, muito bonita, com uma túnica azul pobre e rota a cobrir todo o corpo, de cara limpa, e com cicatrizes de espadas e de chicote no pescoço, cujos cabelos encaracolados escondiam umas tristes jóias de âmbar, e, debaixo da cabeleira, haviam uns lábios secos. A cabeça, leve que nem uma pena, conformada, era triangular, e as suas mãos bege, cicatrizadas, velhas, enrugadas, poeirentas, faziam pena só de a ver.
Não cheirava a nada, e, provavelmente, seria muda, apenas o olhar servia para descrever a pobre alminha, e, aí, ela entendeu. Aquela jovem menina era uma escrava, uma criada do castelo, e, pelos vistos, era uma das mais novas.
Sobre as vestes feias e roxas, haviam insectos a comer alguns tecidos rotos, que depois o repunham, e, com várias fendas e ninhos e redemoinhos na sua roupa, a pequena menina de um metro e trinta e cinco trazia um frasco, vermelho, com a forma dum pequeno esquilo, cuidadosamente trabalhado a vidro, de oito centímetros de altura, oferecendo uma noz.
Foi aí que ela tocou na mão da rapariga, e reparou no sorriso melancólico que esta lhe lançava.
Aqueles olhos hipnóticos pareciam queimar-lhe o coração de piedade, e, sentiu as feridas profundas, os cortes ásperos que tinham sido desferidos na pele da fadinha, e, …Aquilo seria uma sílfide!... Tinham lhe arrancado as asas e todo o poder. Céus…! Aquilo era o horror dos horrores. Larvas devoravam, aos poucos, a carne de hidrogénio, água e sulfato de carbono dos quais era constituída apenas a pele da menina.
Com as cascas de enxofre a saírem, plenas, da menina, ela, falou, por fim, numa voz, fraca, rouca, e quase num fio de vida, como se estivesse a morrer ali mesmo, uma vozinha desgraçada, que já não tem nada que é seu:
- Princesa Eleonora. – Chiou a arruinada criatura. – Isto é para vós, um presente do meu amo e senhor…
Deu-lhe o frasco com uma relativa dificuldade, e, de seguida, desmaiou, com o corpo débil caído sobre o chão!
Eleonora, muito espantada e impressionada com aquela personagem, tentou ajudar a rapariguinha a levantar-se, dando um pouco do copo de água que tinha pousado na mesa, e, de em seguida, generosamente, fê-la sentar-se num banco. Não poderia, de maneira nenhuma, deixar que a pobrezinha perdesse o seu espírito, ali mesmo.
Era tão esquelética e frouxa, como se não comesse há meses uma única semente ou fruta vinda da floresta, que a princesa decidiu compartilhar as suas riquezas com ela, dando-lhe de beber à boca, chegando-lhe o jarro aos lábios.
Aliviada, com um sorriso gentil, ela olhou para a escrava, ainda com os olhos preocupados, segurando-lhe no braço magríssimo.
- Pronto, estás melhor?... – Disse ela, provando, mais uma vez, a sua nobreza de carácter.
A sílfide, abriu lentamente os olhos, piscando-os de vez em quando, de momento para momento.
A princesa ficou com receio que este fosse o fim para a coitadinha, e, então, esperou mais uns minutos. Só esperava que ela não morresse…
Então, a pobre menina lá abriu a boca mais uma vez, e foi então que Eleonora pousou delicadamente o jarro de barro cheio de água.
- Não precisáveis de fazer isso, Vossa Alteza. – Gemeu a sílfide dificilmente, com lágrimas nos olhos.
- Ora, não precisas de agradecer, querida. – Eleonora sorriu, contente por ter ganhada uma nova confidente. – Só fiz o que qualquer outra pessoa ou criatura mágica faria.
- Não é verdade. – Lamentou-se a outra, com os cabelos encaracolados castanhos a esconder a cara. – Os Bruxos são horríveis e tão maus, …
Batem-me, gritam comigo, ameaçam-me!... Dirlent, o duende e assistente de laboratório de Sua Senhoria, é o pior de todos! Puxa-me os cabelos, lança-me centopeias para o meio da cara!
Com as lágrimas de água potável a escorrerem-lhe pela cara branca de nuvens, ela pôs as suas mãos nela, chorando irremediavelmente.
- E…A coisa mais terrível de todas é que…Nós, Fadas, não podemos fazer nada contra isso! – Exclamou, cheia de dó de si. – Oh, por favor, ide embora antes que seja tarde demais!
- Não me vou embora deste castelo enquanto não me certificar que todas as Fadas e criaturas daqui estão a ser tratadas como deve ser. – Respondeu a rapariga, renitente com toda aquela injustiça. – Então não te preocupes, porque falarei de imediato com o teu senhor e, em breve, tudo mudará. Tem esperança, e põe um sorriso, ficas mais bonita assim.
A jovem sílfide tentou forçar um sorriso, enquanto se recostava no assento, mais alijada de todo o trabalho que tinha no castelo. Ela pôs, timidamente, um braço nos ombros da jovem princesa, e deixou-se ser consolada por ela, abraçando-se infantilmente ao seu corpo.
- Oh, sois tão generosa para com o vosso povo, Princesa. – Soluçou ela, acalmada pelo calor fraternal de Eleonora.
- Também não vale a pena chorar por leite derramado. – Animou a rapariga mais velha, dando palmadinhas nas costas dela. De repente, afastou-se e soltou uma risada despreocupada – Desculpa, sou tão distraída que quase me esqueci de te perguntar o nome.
- Ariana, só Ariana. – Inquiriu ela, de mãos cruzadas sobre o colo, encolhendo os ombros.
- Tens um nome muito bonito, Ariana. – Riu-se a princesa divertida. – Não és de cá, pois não? O meu nome é Eleonora, portanto, gosto mais de que me tratem assim, está bem?
Ariana suspirou, quase sem fala, mas, logo recuperou do terrível choque, sentada diante da rapariga.
Ela era verdadeiramente, uma caixa de surpresas, e, depois da princesa contar como é que tinha entrado naquela “casa assombrada”, foi a vez da pequena sílfide contar a sua história, aproveitando para desabafar com alguém diferente e novo lá na casa enorme.
Acenando com uma das mãos, ela bebeu do jarro e fez um movimento especial com as mãos.
- A minha mãe era uma demónio, espia e informadora do Senhor do Castelo, enquanto que eu ainda não tinha nascido. Isto passou-se muito antes do desastre. – Explicou ela na sua voz fininha. – Quando ela se apaixonou por um elfo na Floresta de Cristal, ficou grávida. Porém, o meu pai, ele próprio, era um espião, a trabalhar para a Rainha Melnjar, e, depois de eu nascer, nunca mais quis saber de mim. Furioso, o Assassino do Amor matou o meu pai e arrancou-me dos braços da Mamã e matou-a no mesmo dia, despedaçando-lhe o coração com a espada, literalmente, preocupado que ela tivesse denunciado algum segredo importante. Não quero ir em detalhes, porque foi uma coisa horrível de se ver.
- Jetwas seja louvado! – Interrompeu Eleonora. – Que feiticeiro cruel que este tal Assassino do Amor é! E mesmo assim, poupou-te a vida?...
- Na condição de que eu estivesse aos serviços de Sua Excelência, trabalhando para ele como serva, e depois como concubina, quando tivesse a idade apropriada. – Concluiu tristemente Ariana, com uma lágrima nos olhos, assustada, obviamente, com a ideia de ser violada por algum feiticeiro, ela conhecia muito bem a lascívia deles.
- Mas tu mal tens doze anos! – Disse a rapariga, atónita, de mãos estendidas para a amiga. – Impressionante do que aqueles bruxos são capazes, não é?
A outra limitou-se a abanar a cabeça, habituada à forte violência a que estava habituada, e Eleonora compreendeu uma parte muito importante da natureza humana, e de todos os seres mágicos: quando somos submetidos a provas que arriscam a nossa vida, fazemos tudo para sobreviver, mesmo viver como homens sádicos como aqueles feiticeiros.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

"Alea jacta est" - que os jogos comecem (Parte I)

O aroma a rosas perfumadas e a cravos vermelhos inundavam uma suite ampla e bem iluminada, num estilo predominantemente neoclássico, vitoriano, com pétalas de lilases e suaves camélias a encher o quarto dum requintado perfume, a rapariga parecia ter a sensação que estava a andar nas nuvens, descalça. Com um vestido vermelho de seda, sem abas, com uma saia larga cheia de pregas e rendas, e uma cintura rosada a adelgaçar as ancas pequenas, ela caminhava sob o chão de algodão com relativa facilidade, parecendo que voava….tocando nos brincos de ouro branco esféricos a pender de fios de prata, sob as orelhas delicadas, pequeninas e pontiagudas, ela quase que jurava estar num sonho.
Ajeitando com cautela a tiara composta de fio de prata, com duas jóias de ametista e um rubi pequeno no centro da testa, como um terceiro olho, a jovem fada soltou um longo suspiro. Tudo aquilo era lindíssimo, e, quando já passava da meia hora da manhã, ela nem pôde acreditar; Eleonora estava lindíssima, maquilhada, com os lábios pintados de vermelho pudico, que lhe ficava muito bem com as faces de pó-de-arroz e com os olhos castanhos brilhavam sobre o rímel castanho, tímido e discreto.
Tinha de confessar a si própria, estava enfeitiçada pelo charme e luxo inacreditável de Samiel, era, sem dúvida alguma, o homem que ela conhecera com melhor gosto para agradar às mulheres, ele era um génio do mal com um poder especial sobre elas, parecia poder entendê-las tão bem, não conseguia dizer-lhe que não. Porém, ele era frio, severo e implacável contra os seus inimigos, não gostaria nada de o irritar qualquer dia.
Estava um calor impressionante, e a luz das três velas, colocadas apropriadamente sobre a mesa redonda de carvalho castanho, atoalhada por um lençol enorme, rosado, às pintas, não ajudava nada, ela mal podia respirar, ou seria do súbito nervosismo que sentia ao saber que iria estar sozinha com o verdadeiro Assassino do Amor em pessoa. Não gostou nada da ideia de que ela fosse trocada por uma nereida, mas, lá teve que aceitar, com uma tristeza desiludida, observar, por um buraco na parede da câmara por onde os homens do senhor do castelo lhe tinham levado, os beijos atrevidos de Indra, a tocar nos seios de outra mulher, que não era ela. Aquela rapariga, aquela criatura, que os Bruxos tinham apresentado à sociedade de elite bellante, não era mais do que um pequeno chamariz para desviar a atenção da verdadeira vítima da perversidade do bruxo: a verdadeira prisioneira, a Princesa Eleonora, ela mesma, sem um único sitio ou possibilidade de fugir.
Sentada na cadeira, à beira da mesa, ela mal sabia o que é que seria dela, que agora era prisioneira daquele bruxo perigoso e cruel, sem o seu amado para a ajudar…! Que teria feito para aborrecer os Deuses?... Ela apenas pedira um homem diferente do aborrecido, possessivo e atrevido Indra…Seria demais, e, em vez dum príncipe encantado, saíra-lhe na rifa, um dragão malvado.
Enfim, a vida continuava, e, ao ajeitar os seus brincos, reparou num toque, suave e respeitoso, que agora era mais brando que da última vez que lhe tinham pedido para mudar de roupa.
Quem quer que fosse, que se despachasse, pois ela não tinha tempo a perder, quereria ir-se embora mal amanhecesse, mesmo sem aquela produção toda.
Não gostava nada de se sentir como se fosse uma bonequinha de plástico, a qual aquele feiticeiro poderia vestir e decorá-la como ele bem entendesse.
Mesmo que fosse muito educado da parte dele, não iria aceitar aqueles presentes todos de mão beijada. O toque da porta foi mais insistente, e acabou logo por dizer:
- Entre.

domingo, 8 de março de 2009

O Tigre da Falsidade


Quando toda a gente tinha acabado, só Rafael, Neptuno, Yermant, Samiel se encontravam naquela sala, todos uns ao lado dos outros, enquanto analisavam a situação.
Os olhos rasgados do feiticeiro oriental estavam completamente pasmados, e, fixando os olhos verdes de Samiel, (este, com uma cigarrilha na ponta da boca, estava mais satisfeito do que nunca), o japonês perguntou, com uma das suas espadas afiadas penduradas à cintura do roupão:
- Mestre Samiel, acreditai naquilo que vos digo; estou realmente estupefacto com tudo isto! – O sotaque honrado japonês notava-se na língua. – A Senhora Melnjar, que sempre fora uma dama respeitada, recatada e digna do seu título, uma governante corrupta?!... Nem pude acreditar nos meus próprios ouvidos mal aqueles homens rudes a agarraram: esperemos que o castigo seja apropriado para a senhora.
- Tenho a certeza que Sua Alteza marcou por fim o seu destino mal entregou as moedas à nereida encarregue de faz tal barbárie terrível à nossa querida Princesa Eleonora! – O Rei das Nereidas, Yermant Damanwo, quase que susteve a respiração mal engoliu em seco, completamente destroçado por tudo aquilo, servindo-se dum copo de Frambinam. Dirigiu-se, com um olhar extremamente preocupado e desonrado, ao rei Neptuno. – Oh, Majestade de toda a Divina e Grande Ilha, perdoai-me se as minhas filhas nereidas lhe causaram um sofrimento indescritível, pois este é um momento de terrível luto e vergonha para mim!
O rei da ilha pôs uma mão amiga e companheira em cima do ombro do outro senhor nobre, esboçando um sorriso meigo e misericordioso, abanando mais uma vez a cabeça.
- Não preciseis de fazer tal cerimónia, meu amigo. – Disse ele, sabiamente, apontando para cima. – Jetwas perdoa tudo e todos, mesmo a sua irmã que pecou, Ele a perdoará, e também abençoará os vossos arrependimentos e os das vossas irmãs, filhas e netas nereidas.
O Rei dos Magos, como era chamado o “Mestre Rafael”, colocou as suas mãos em forma de oração e fez uma vénia em direcção aos céus.
- Que os grandes e poderosos Deuses triunfem com a Justiça e Honra, é só isso que peço. – Pediu num tom de reverência.
De repente, uma voz mais nova falou de repente, uma voz igualmente heróica e premiada de júbilo e alegria.
- E que os Deuses abençoem o nosso casamento com sorte e amor para o resto das nossas vidas! – Indra abraçava a sua querida Eleonora, apertando-a contra o seu peito com a maior das felicidades.
Todos concordaram, soltando gargalhadas bem-dispostas, mas, quando iam festejar com um brinde de Frambinam, um cigarro foi deitado no cinzeiro, soltando um cheiro desagradável e abrupto, queimando de repente os corações esperançosos dos grandes homens. Todos ficaram espantados e assustados.
O rosto de Samiel olhou para os outros cinco homens com frigidez e cepticismo.
- Que bando de idiotas ingénuos! – Comentou o bruxo, acenando com a boquilha presa nos dedos, ainda a fumegar o fumo azul sinistro. – Aquela mulher não vai desistir enquanto não estivermos todos na banca rota e ela no poder, tal e qual como nos tempos em que Sua Majestade andava completamente às cegas, através dos poderes dela. E depois dizem que sou eu o bruxo.
- Agradecíamos imenso que calasses essa boca fedorenta e que, em vez de dizeres disparates, nos oferecesses, um dos teus famosos Frambinam de se tirar o chapéu. – Sugeriu Indra entre dentes, com um dos braços, agarrado ao da sua amada.
- Se quiserdes que nos retiremos da vossa senhoria, será um prazer delicioso, meu caro Mestre Samiel. – O feiticeiro japonês permaneceu calmo, embora tivesse uma grande vontade de desembainhar a espada. – Mas, por favor, dizei-nos duma maneira educada.
Neptuno logo impediu os outros cavalheiros de desembainharem as armas, com o seu tridente omnipotente, oferecido pelo Tsesustan em pessoa, e, ao erguer a sua arma de ouro, os outros homens logo se afastaram, conformados, mas contrariados pela malcriadice do Assassino do Amor. Eles sabiam que nada podiam fazer contra o poder do Rei autêntico da Bellanária, no entanto, sentiam uma enorme vontade de dar uma lição àquele ingrato, mal-agradecido bruxo de terceira categoria, que nem sequer lhes oferecera uma bebida antes de se irem embora.
O homem nem se despediu deles, e, mal os viu pelas costas, dirigiu-se, por fim, até aos seus aposentos, lançando pragas baixinho àqueles hipócritas patetas, guerreiros de terceira classe. Em breve, eles se aperceberiam que tinham sido pagados numa moeda falsa.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Os Amigos e Inimigos do Narciso Negro...! (1ª Parte)


Pois que então não se vissem os pássaros a cantar uma alegre canção de triunfo, e as flores a murchar, como que os belos, coloridos cabelos de pétalas se perdessem numa chuva de folhas geladas e pesadas, como que lágrimas dos longos, velhos, escarnecidos, chorão, que, sombrios, murmuravam ao vento ladainhas que, desde pequeninos já tinham sido contados e narrados pelos seus trisavós! Que as ervas não fugissem aos juncos, com as suas ondas turvas de águas sujas de pântanos, que assemelhavam-se ao fim de um lindo, amável, desiludido, quase enlouquecido, soneto de amor cantado às cotovias, que, geladas pelos ventos, agrestes, amargos, que sopravam de Este, enquanto o Sol nascia entre nuvens ameaçadoras e negras. Os lagos, envergando tristes vestidos de luto, negros, enquanto a Lua, esta, branca, pálida, ainda dançava, como uma ninfa adormecida, sob a melodia, embaladora, das corujas, que, estas, sábias e ancestrais anciãs da noite, bibliotecárias de mil e um sonhos e pesadelos, lançavam os seus últimos olhares em direcção à terna luz dos pirilampos.
Os caracóis que envolviam, secos, os castanheiros da índia, resplandecentes, naquela luz de madrugada, passeavam, pois estas flores, são raras na Bellanária, e, no Outono, costumam gerar uma coloração cinzenta, quase prateada, a quem os narcisos se inquietação, perante uma perturbação qualquer vinda por entre as sombras da natureza morta que vem por entre os aromas das rosas, que se escondiam por entre campainhas húmidas e folhas castanhas das vinhas naturais, que se entrelaçam, como eternas amantes, aos carvalhos e aos eucaliptos, erguendo-se, até ao infinito da alma das pequenas flores de groselha azul, que apenas floresce em cada cinco anos, e, que o seu fruto, terno, doce, tal como as curvas das asas de uma bela pomba branca, germina na forma dócil, subtil e macia das coxas de uma bela figura divina.
Esta flor é chamada na Bellanária como Pollishunumarisihsita – “O Meu Amorzinho”, por se assemelhar às coxas, cruas, mas deliciosas, de uma mulher jovem e frágil. As últimas sílabas juntas – risihsita – é um hipocaristico ou um nome carinhoso que o típico bruxo sedutor das florestas chama à sua amante, como que a referenciar às partes íntimas das nádegas de uma mulher. Pode ser considerado, na língua e cerimónias aristocráticas das Fadas e do mundo civilizado dos Deuses, como a gíria das classes de Bruxos mais baixos – “Mein Schatz” – é outra planta que só cresce em estações frias ou em climas muito gelados ou hostis.
A zona em que se estava era uma daquelas sombrias, largas travessas, rodeadas de vários campos, brancos, de ciprestes, cinzentos, inexpressivos, e frios até ao próprio vento. Eram estes os arredores de Cyborg Town.
A Travessa de Aloísio Colóquio não era um dos melhores lugares para se estar a esta hora da noite, principalmente quando se é um jovem centauro de dezoito anos e ainda por cima, com uma mãe judia, não que não goste da minha mãe humana, e que era a melhor do mundo….É só que, naqueles tempos, era preciso ter-se cuidado, pois, se fôssemos centauros, e ainda por cima judeus, nem precisávamos de uma placa de néon a dizer “Estou aqui, atirem-me com tudo o que tiverem” para que viessem todos os inimigos conhecidos e mais alguns quantos a atacar-nos, apenas por sermos da classe dos Demónios. Mas, para explicar tudo isto muito bem explicadinho, precisava de mais uns capítulos, e o que interessa saber agora eram as ameaças que corriam por aqueles lados, naqueles tempos.
Depois do que aconteceu no capítulo anterior, duvido que alguns de vocês ainda estejam com vontade ler este romance, mas, lá dizia o sábio Salomão, «é glorioso para um homem desdenhar uma ofensa…» contarei tudo ao pormenor, o que me aconteceu, a mim e aos meus companheiros…não é uma história de amor e triunfo, não é uma história de ódio nem de vingança, é sim uma história em que há um tempo para tudo. “Há um tempo para nascer, e uma altura para morrer, uma altura para plantar e uma altura para recolher o que plantámos/, uma altura para matar e uma altura para curar, uma altura para a queda de alguns e uma altura para se reconstruir/, uma altura para chorar e uma altura para nos rirmos, uma altura para fazer luto e uma altura para dançar/, uma altura para lançar pedras e uma altura para as juntar, uma altura para nos juntarmos e uma altura para fazer o refrão desse mesmo ajuntamento/, uma altura para amar e uma altura para odiar, uma altura para guerras e uma altura para paz…”

Primeiro de tudo os edifícios, sempre negros ou brancos, pareciam ter milhões de olhos como janelas, de estilo barroco, numa diagonal estranha e bizarra, que dava para mil e um caminhos de terracota e tijolo, quase como se estivesse pintado com o sangue derramado sob os pobres amantes, melancólicas vozes de estranhas e vigilantes criaturas da noite, que, por vezes, sussurravam clamores diabólicos, por vezes tenebrosos, de poder sair, daquela amargurada tortura!
Sentia-se um horrível, mas delicado aroma a enxofre, uma vez que as casas tinham milénios e milénios de construção; ninguém se atrevera a dedicar, novamente, o seu amor por elas, assim sendo, estavam ali, abandonadas a habitantes desnaturados, como fadistas, ciganos, demónios e a outros pobres infelizes seres.
Por vezes, havia um desesperado, desconsolado, fiar de roca, atravancada, velha, que, com lágrimas sobre a madeira grave, como que se fosse a serradura o seu rosto cansado de velha de bengala, e as pernas de carvalho, quase sem frutos, o grito mudo daquela coxa mulher, que, enquanto na escuridão daquele crepúsculo, parecia ser a única vivalma, negra, triste, melancólica, perdida, abandonada, num lago de e mil e um vermes, predatórios, consumidores, ingratos, egoístas, mesquinhos, que a devoravam, aos poucos.
Amor perdido dentro de um coração de andiroba, peito descaído sobre seda roubada aos bichos dos bosques selvagens, negros, e mãozinhas de fantasma, ninfa, moura que, eternamente, tinha uma renda para terminar, para que o seu amado, coitado, sem dinheiro, pudesse tornar a ela, tal como o divino príncipe dos céus, messiânico, que sempre fora.
Ela, pobre travessa, pobre rua, roca sem destino, sem fuso, ai! Ninguém a respeitara, ninguém cuidara, alguma vez dela, e não passava de uma viela, de um traste, que albergava bandidos, demónios e delinquentes, nas suas velhas saias de janelas de barroquismo, iluminado entre candeias de azeite e olhos amarelos dos gatos pretos vadios, quase farsantes, grandes, como as chamas de duas efémeras, quimeras passageiras, de duas velas, postas em castiçais, como últimas decorações de prédios musgosos e empoeirados pelas ratazanas, dos quais os sinistros e arrepiantes corvos, como especiais e honrados anfitriões, não se faziam rogados ao retirar aos seus convidados um pouco das últimas migalhas que chegava lá do riquíssimo e glorioso centro da cidade.
Por enquanto, os habitantes daqueles bairros arruinados e antigos, quase góticos, continuavam a ser pobres, e nenhum deles tinha a vergonha disso, não. Aquela era uma existência antiquária, temporária, e todos aqueles que viviam bem longe, naqueles arredores secos e desgraçados pelas garras dos tempos, eles sabiam que, mais cedo ou mais tarde, dariam de fertilizadores para mais um rebento de cipreste, esta era a filosofia daquela estreita e mal feita rua, que apesar de ser cinzenta e horrível, e, apesar de um terço da sua população sofrer de toxicodependência, ninguém tinha pudor disso, e ninguém tinha pudor dos seus trabalhos, por muito sujos que eles fossem.
Sentia-se uma mistura nauseabunda de vários tipos de tabaco, desde ao fumo do cachimbo do ópio até ao inebriante estupor de morfina e de haxixe. Algumas pessoas ou demónios já não tinham esperança de mais viver, por isso, matavam-se, aos poucos, e, desde que a vida fosse levada sobre as regras do forte condão da fada do absinto, tudo correria bem.
O tresandar daqueles lugares assustava muitos bellantes da alta aristocracia, ficando absolutamente admirados, com o aspecto daquela sofreguidão e solitária daquela vida de pobre, onde se tinha apenas sopa de cogumelos e papas de sarrabulho com pickles como única refeição do dia – ou se comia aquilo ao almoço, ou não se comia mais nada!

Aqui não havia lugar para Dia de Magia Negra ou festas, era apenas comer e ficar calado o que a alta sociedade de Bruxos lhes davam como prenda naquele dia tão especial…E que tinha ele de tão especial?...
Só se fosse os gritos do raro ardina que passava por aquelas zonas, gritando, na sua vozinha de menino de dezoito anos, andando de bairro em bairro, distribuindo os jornais grátis do povo, desde que Sua Alteza soubera que as poucas pessoas letradas daqueles antros não tinham com o que ficar informadas.
Esse miúdo, trigueiro, tão pequeno quanto um elfo – isto é, se não fosse já um – começou, por aí, a distribuir os jornais da “Informação Bellante Matinal”, a partir das seis horas da manhã.
Esse rapaz, jovem, envergando um enorme sobretudo, gasto que já devia ter uns sete anos para cima, um pólo castanho claro, e uma camisa rasgada que nem chegava ao umbigo, com uns cabelos encaracolados de azeviche, secos, abanando até ao pescoço, de nariz arrebitado, era uma das personagens mais engraçadas e divertidas que tive o prazer de conhecer. Com ele, passei muitas noites em branco, segurando, com todos os cuidados, a vela da minha mocidade, com ele toquei guitarra junto aos famosos fadistas da época, com ele escrevi poemas que nunca serão vistos por olhos de ver, mas sim pelos olhos da sabedoria, daqueles que passaram pela fome, pelos meses frios de Inverno, pelas fugas aos bruxos e aos demónios fanáticos…Enfim, digamos apenas que centauro, metade pobre, metade feliz, metade humano, metade monstro, metade amor, metade ódio, lá, na Travessa Aloísio Colóquio, encontrava-me sempre com esse centauro, com esse amigo desde as três até às oito e meia da manhã. Era na Travessa Aloísio Colóquio em que misturavam-se as lágrimas nestas minhas mãos, e em que, sobre ele, iluminava-se um sorriso de café barato em pó, que comprávamos em lata numa loja num canto esquecido do universo, e depois misturávamos com o nosso leite e a nossa broa de cada dia.
Este era um jornal, escrito por seres humanos ciganos e por demónios, que sabiam escrever e ler muitíssimo bem, e que dedicavam os seus fundos – os jornais eram apenas grátis para quem não tinha dinheiro para os comprar, as pessoas de classe média e de classe média alta e de classe aristocráticas eram forçadas a pagar ao menos dois centauros pelo jornal – à sua interessante campanha para ganhar alimento para os seus camaradas, o que dava mais interesse a este facto, era que eles diziam mal de toda a gente, e saliento mesmo, toda a gente que vivia em Cyborg Town. Desde as mulheres prostitutas demónio, até aos hipócritas e honrados, cavalheiros bruxos da alta sociedade que habitavam nos arranha-céus e edifícios mais chiques da grandiosa metrópole.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Uma Armadilha para Quatro Amantes


Só para o fim da noite, é que apareceu uma rapariga desconhecida, a qual era segurada pelos braços de dois homens. Era tão pequenina que mal se poderia notar pela sua presença, no entanto, o manto marrom e a cabeça apanhada num puxinho à oriental, faziam mais querida do que nunca. Sem maquilhagem nem jóias, a princesinha parecia muito frágil e ténue, com o seu corpinho a fraquejar das pernas…Os olhinhos castanhos fixavam todos com uma tristeza de musgo seco, onde já tinha ido por muita água, onde já tinham secado caudais.
A espessura do manto de linho delimitava as curvas da pobre filha de Neptuno, e os seus pés descalços, macios e puros, tinham sido rasgados pela dureza dos chãos do castelo. A sua pele, outrora limpa e bonita, estava seca e com marcas por várias camas duras de masmorra, o seu peito, espevitado, era agora marcado com uma murchidão de meter dó, e o aroma a que anteriormente o seu corpo estava acostumado, apodrecera num cheiro horrível e nauseabundo.
Porém, mal ela passou por detrás de Samiel, ele insistiu para que sentasse ao seu lado direito, como forma de respeito. Neptuno deu uma vista de olhos à ficha que o Tigre da Escuridão carregava na boca, durante dois minutos, quase nem acreditou naquela história. Por fim, suspirou e disse:
- Isto é verdade, meu amor? Queríeis roubar o dinheiro e usar o dote da tua filha para corromperdes o dinheiro do estado?... Só por umas jóias e roupas?!
Melnjar, detida por dois guardas do Exército Atlante, abanou a cabeça, com lágrimas de crocodilo a escorrerem-lhe pela cara cheia de maquilhagem.
- Eu juro que é mentira, meu querido Rei e Senhor. – Balbuciou, fazendo um beicinho com os lábios prateados e roxos, curvos. – Aquele…aquele homem é que o monstro, ele é que devia estar detido, por traição à Coroa Atlante e blasfémia contra uma deusa!
- Enrolai-lhe a manga esquerda. – Disse Dirlent, com uma bandeja nas mãos, a rir-se descaradamente. – A nossa rainha é uma nereida. Anda a esconder este segredo há mais de cinquenta anos!
Neptuno fez sinal com a cabeça aos homens que agarravam Melnjar, e, quando eles expuseram o lado esquerdo superior das suas costas, perto do ombro, estava um horrível lírio negro tatuado em hena permanente. O símbolo das nereidas, as servas eternas das montanhas e de Tsesustan.
- Se ainda não estiverdes convencido, tenho aqui comigo uma declaração de vinte páginas, assinada por Jutlipa, a Prostituta das Fadas. – Acrescentou Jerininantus, espantado com todo aquele reboliço, erguendo o braço, que continha um pergaminho enorme de para aí três quilos; com o selo das Nereidas carimbada em cera e mel derretido.
Neptuno continuava a acenar com a cabeça, contornou a sua cadeira, e colocou-se em frente da mulher, a sábia da trindade dos três deuses, e esbofeteou-a duas vezes com força, à frente de toda a gente.
Oferecendo-lhe a mão gentilmente à rapariga, que logo lhe beijou, o estranho homem limitou-se a levantar-se duma maneira cortês, mas não deixando o seu olhar mórbido e arrogante.
Levantando a cadeira ao seu lado e enxotando o seu tigre para outro sítio, ele olhou de maneira quase hipnotizadora para a rapariga, não lhe retirando o manto.
- Querida Eleonora. – Murmurou Indra, espantado. – O que é que ele te fez?
- Não precisas de te preocupar, meu amor. – Falou a voz cansada e fria de Eleonora, quase pálida, átona, sem um único sentimento nas cordas vocais, mas feminina, com o roçar duro e áspero da manta a queimar-lhe a pele sensível. – Sou, mais uma vez, tua…!
- Minha pequerrucha Eli…És mesmo tu…? – O velho monarca quase que ficava boquiaberto com a recepção, desconfiado de alguma trapaça.
- Tínheis dito que, por um momento, acreditastes em mim, Vossa Majestade, e, é, precisamente, dessa confiança que vos quero falar. Naturalmente, não há aqui ninguém que se deixasse ludibriar por um esquema tão ridículo como o delas. Contudo, uma das características das mulheres vingativas é pensarem que aquilo que fazem está certo, quando na verdade, a sua hipocrisia as leva a um estado de loucura tal, que lhes leva a cometer disparates patéticos apenas pelo prazer de se sentirem satisfeitas pelo aquilo que fizeram. – Num estalar de dedos, fez com que três guerreiras nereidas, todas armadas com punhais e venenos letais, fossem apanhadas pelos guardas no meio de todos os convidados.
- Meu Senhor e Rei! – Bradou Melnjar, desesperada. – Detende aquele homem imediatamente, aquilo de que ele está a falar é monstruoso!
- Concordo totalmente. – Disse Samiel calmo. – E o monstro sois vós, Alteza.
A Rainha levantou-se repentinamente, de braços caídos, com o seu longo vestido branco a cair-lhe sensualmente na cintura alta. Os seus ombros pálidos e suaves quase que suavam de tão gelados que estavam no castelo, e, os olhos azuis faiscavam de ira e ódio.
- Não é verdade, meu amor. – Cuspiu ela para o marido. – Tendes de acreditar em mim, jamais estaria envolvida em tal cabala!
- Podeis acreditar na vossa esposa, Majestade, mas digo-vos que ela não merece a atenção que lhes tendes dado. – Cortou o bruxo, estalando os dedos, fazendo sinal para os seus cúmplices. – Este é o plano matrimonial para Eleonora Francisca Natália Arco-íris Di Neptvnvs, que até há pouco estava na posse da nossa estimada Rainha das Nereidas…
- Não! – Gritou Melnjar, os dois guarda-costas que ladeavam a mulher seguraram-na pelos braços. – Seus brutos, o que é que vocês pensam que estão a fazer, tirem essas patas nojentas de cima de mim! Por favor, eu sou a sagrada Rainha da Atlântida; meu Rei, fazei alguma coisa!
- Segurem essa mulher, ela enlouqueceu completamente. – Gritou um dos convidados, horrorizado com aquele escândalo enorme.
Um dos outros homens tentou puxar a princesa para outro sítio, mas Anúbis, empunhou o seu machado e apontou-o bem na direcção do molestador.
- Tocai-lhe num único fio de cabelo e terá um braço para o resto da vida, meu caro amigo. – Avisou ele, carregando a arma.
Samiel continuou, parecendo não se sentir afectado por aquele tumulto.
Ao seu lado, ronronava o enorme tigre da Sibéria branco, prateado, aproveitando o resto da noite e da sobremesa de carne especial que o dono lhe deixara como prenda especial.
- Parece que a nossa querida rainha não estava disposta a permitir que uma das suas filhas se casasse com Indra, portanto, divisou um plano; pagou inocentemente às Nereidas para que raptassem a Princesa, e deu um recado aos dois amigos guerreiros, Indra e Anúbis, atraindo-os para uma armadilha. A seguir ao súbito e infeliz assassinato dos rapazes, ela aproveitaria para escolher um marido para a filha, particularmente, o demónio com quem os meus homens e os guerreiros em questão acabaram por lutar, e o resto, é, com certeza, do vosso conhecimento, Majestade.
Com um ar frio e severo, o homem dirigiu-se definitivamente para a rainha receosa e preocupada, a tremer de medo.
- Sua Alteza queria o dinheiro de Indra para cobrir as altas dívidas que deve à populaça, não é assim, ò bela e maravilhosa Rainha Melnjar? – Acusou impassivelmente o homem.
Neptuno deu uma vista de olhos à ficha que o Tigre da Escuridão carregava na boca, durante dois minutos, quase nem acreditou naquela história. Por fim, suspirou e disse:
- Isto é verdade, meu amor? Queríeis roubar o dinheiro e usar o dote da tua filha para corromperdes o dinheiro do estado?... Só por umas jóias e roupas?!
Melnjar, detida por dois guardas do Exército Atlante, abanou a cabeça, com lágrimas de crocodilo a escorrerem-lhe pela cara cheia de maquilhagem.
- Eu juro que é mentira, meu querido Rei e Senhor. – Balbuciou, fazendo um beicinho com os lábios prateados e roxos, curvos. – Aquele…aquele homem é que o monstro, ele é que devia estar detido, por traição à Coroa Atlante e blasfémia contra uma deusa!
- Enrolai-lhe a manga esquerda. – Disse Dirlent, com uma bandeja nas mãos, a rir-se descaradamente. – A nossa rainha é uma nereida. Anda a esconder este segredo há mais de cinquenta anos!
Neptuno fez sinal com a cabeça aos homens que agarravam Melnjar, e, quando eles expuseram o lado esquerdo superior das suas costas, perto do ombro, estava um horrível lírio negro tatuado em hena permanente. O símbolo das nereidas, as servas eternas das montanhas e de Tsesustan.
- Se ainda não estiverdes convencido, tenho aqui comigo uma declaração de vinte páginas, assinada por Jutlipa, a Prostituta das Fadas. – Acrescentou Jerininantus, espantado com todo aquele reboliço, erguendo o braço, que continha um pergaminho enorme de para aí três quilos; com o selo das Nereidas carimbada em cera e mel derretido.
Neptuno continuava a acenar com a cabeça, contornou a sua cadeira, e colocou-se em frente da mulher, a sábia da trindade dos três deuses, e esbofeteou-a duas vezes com força, à frente de toda a gente.
- Tirem esta bruxa malvada da minha frente! – Disse ele, amargamente arrependido pela sua ingenuidade. – Fica detida nos seus aposentos até novas ordens. Quero que procurem essa rainha nereida e mandem-na para os calabouços mais fundos que alguma vez existir. – A sua voz elevou-se até a um tom grave e solene, dirigindo a cabeça e os olhos para as nereidas. – Já não são membros das criaturas mágicas, perderão os vossos poderes. Depois decidirei o que fazer convosco.
Rafael, o Feiticeiro Branco e Capitão do Exército branco, chamou os outros homens que estavam a postos, e ordenou em Atlante Antigo para que acompanhassem as quatro senhoras até aos aposentos na floresta de cristal.
Por esta altura, todos os feiticeiros e convidados daquela sala tinham a boca aberta de espanto. Só Samiel se mantinha calmo, e o seu longo rosto reflectia tanto o contentamento que, sem dúvida, sentia, perante a queda dos seus inimigos como se fosse feito de cera.