sexta-feira, 25 de junho de 2010

Após os exames.... "Histórias do Rio Sagrado"


Hei.-..... Olá malta!.... Tiveram saudades minhas? Espero que sim....Vamos continuar a história do Visconde Erwin, porque eu acho que era uma pena desperdiçar uma história tão bonita se eu não a posso contar .... ;)



Enquanto lavava, a água gelava-lhe nos ossos, e enquanto o árduo trabalho sufocava-lhe as lágrimas nos olhos, e os seios pequenos espevitavam-se, amassando, delicadamente, a roupa suja dos senhores Von Tifon. A fria noite de Outubro parecia querer atormentá-la ainda mais, mas Añuli não desistiu de fazer as suas tarefas que tinha em dever para com Sua Mui Estimada Excelência, o Duque Rüdiger da Cidade Perdida. Tão breve fora a sua esperança, tão longa era aquela vida de sofrimento. As ondas do enorme, escaldante e cruel e subterrâneo rio, espalmava-lhe implacavelmente.

Toda a vida tinha trabalhado para outras pessoas, mas isto não era nada comparado com a felicidade que passava entre as Fadas. Toda a vida, tinham-lhe dito que seria alguém…E então as riquezas, de que tanto falavam, e então a alegria que tanto lhe tinham prometido…E a sua amada terra, que há muito lhe tinha sido arrancada, mal ela tinha dois anos!...


O grandioso século de 1600 inaugurara-se sobre o signo da fome; na Bellanária, os terríveis, rigorosos Invernos alternavam com verões particularmente frescos e húmidos, que faziam apodrecer as colheitas.


Nem os Deuses se apercebiam do que é que se estava a passar, as Fadas reinavam em paz, e distribuíam generosamente, toda a comida que pudesse a vir ser útil. Os Bruxos e os Feiticeiros tinham triplicado o preço dos cereais, e as crises de subsistência sucediam-se uma após a outra, algumas particularmente mais graves do que outras.


A fome arrastou, lentamente, consigo, a doença: nos corpos debilitados a infecção instalava-se mais facilmente; os assaltos e saques de demónios a navios e a carros tornaram-se mais vulgares e comuns. A delinquência aumentava de dia para dia, de semana para semana, de mês para mês, e de ano para ano!... Eram tempos negros, tempos em que um pedaço de pão era o suficiente para que começassem sangrentas batalhas entre camponeses humanos e criaturas do bosque.


Os Deuses não conseguiam controlar a situação, e por isso, mandavam os feiticeiros para tentarem resolver as querelas, mas o que se pensou ser a solução, tornou-se ainda pior. Eram dolorosos conflitos, que poderiam demorar dias a fio, e em que só o mais forte conseguia alcançar a tão desejada vitória. Os perdedores eram humilhados, à frente de toda a comunidade dos Feiticeiros, e rebaixados durante largos períodos de tempo; porém estas batalhas tinham as suas razões.


O equilíbrio de terras e a economia de trocas pré-industriais dependiam disso, e mais, a batalha entre nobres da classe de Feiticeiros era vital para a sobrevivência de todo o Império Bellante.


Mas, guerra era guerra, e não deixavam de serem extremamente perigosas e horríveis, para ambos os lados.


Añuli já pensara nisso, mas só o facto de pertencer aos Von Tifon proibia-a de dizer sequer uma palavra que fosse à frente deles.


Tinha de ter muito cuidado, para que ninguém a ouvisse; por vezes, até pensava que a sua magia era capaz de alguma coisa para além de lavar todas as roupas que existiam, limpar os chãos do palácio dos senhores, cozinhar enormes festins juntamente com as empregadas, arar as terras, colher os frutos nas árvores, semear os campos, carregar as uvas, tal como a maior parte dos servos humanos daquela região, e por fim, tratar dos animais.


Tudo isto num só dia, e, se não tivesse mais nada para fazer, então organizava todos os ingredientes e poções de Sua Excelência antes que este chegasse à hora combinada. Ela nunca o via, muito menos ficava o tempo suficiente para que pudesse contemplar os outros membros da família dos Duques Von Tifon.


Já se tinha passado três luas cheias, e nem um rasto de bondade para com ela. O trabalho nunca parava, desde a manhã até à noite, e dormir numa cama feita de palha com um saco carregado de sal não era precisamente o que ela chamava de um lar. Tentara falar mil vezes com Sua Excelência, mas ele nunca lhe prestava atenção, nem sequer se dignava a olhar. Na verdade, ela nem sequer tinha o direito de lhe falar, e era isso que a irritava…Porquê? Porque é que ninguém falava com ele?


Haviam guardas por toda a parte, até mesmo perto da praia, e, quando ela parava de lavar, atiravam-lhe pedras ou atiçavam-lhe cobras para o corpo.


Graças a Deus que nenhuma delas lhe mordia, pois eram suas amigas, e nunca deixariam que aqueles homens sujos a fizessem chorar ainda mais.


Haviam turnos diurnos e nocturnos, nas portas traseiras, nas portas dianteiras dos portões do palácio, naquela gaiola, nas portas, no interior do palácio, no primeiro andar, nos compridos e médios, claustrofóbico, corredores do segundo andar, na cozinha, nas masmorras, no átrio…Já para não falar na multidão de homens brancos sem armas, que a rodeavam para aonde quer que andasse nas câmaras, nos salões, nos quartos, nas salas e nos sanatórios do palácio, e estes eram os espiões do Diabo Branco, como Añuli já lhe apelidara há pesadelos passados.


As cicatrizes do chicote dos Homens Brancos ainda estavam no seu coração, os gritos de insultos e de rebeldia, as pernas a correr o mais depressa que podiam, as marcas de palmatória e de ferro a escaldar de fervor e crueldade desumana.


Os pontapés, as gargalhadas implacáveis, que não paravam de ressoar dentro do seu coração, o sangue prateado de fada que secava entre lagos e intervalos de trabalho…A vida era difícil, e isso ela já tinha aprendido, há muito, muito, muito, muito tempo. Só o facto de ver outros como ela, a morrer, a morrer, a morrer, num mar de esperanças e desespero. Aquilo era uma tortura, não havia maneira de ela escapar à morte certa, pois sabia, ela sabia que um dia, os Homens Brancos a iriam matar.




Lavava, lavava, lavava, e continuava a lavar, porém, por muito que tentasse, as manchas do vestido de farrapos brancos de sangue de fogo de paixão entristecida, empobrecida, não saiam, nunca mais, nunca mais…Da sua vida…! A esperança de que algo mais saísse daquela desventura de vida, de que a morte aliviasse aquela dor no peito, aliviava-a.


Seria louca…? Não, não, não era. Apenas apreciava a noite enublada, as corujas que piavam adoravelmente sobre as sobrancelhas dos carvalhos e pinheiros, a natureza inóspita das grutas, tão silenciosa, tão pacifica…


Que pena, que pena de que aquela noite não pudesse durar mais, quem lhe dera que aquele Inverno nocturno não acabasse.


Só ali encontrava paz, só ali encontrara esperança para continuar a viver, e para que fosse ainda mais alegre, por que não era vergonha nenhuma ser pobre, o único problema que ela tinha é que ninguém a respeitava, ninguém a amava, e toda aquela multidão de olhos perturbava-a.



Naquela floresta subterrânea, podia encontrar solidão, naquela floresta doce de novos, fofos e macios sabores, perfumes que jamais esqueceria, e que sonharia nos seus ricos, ásperos, realistas sonhos da sua vida, ilusões verdadeiras, de facas e alguidar, gritos de amor e beijos odiosos e carinhosos. Na madrugada, naquela silenciosa, sombria, gelada e quente madrugada, ela lavava as roupas do sangue que os Homens Brancos lhe tinham imposto sobre mãos de demónio.