quinta-feira, 22 de maio de 2008

A Lua dos Meus Sonhos - O Início antes do início


Tal como muitas demais histórias, esta começa com o fabrico dum precioso e raro objecto, o qual suscita a admiração de uns e a cobiça de outros.
Este tal artefacto, de grande valor, era denominado por Lua dos Sonhos. Enganam-se aqueles os que julgarem que este material fosse uma coisa bem rica, como um diamante ou uma jóia, feita a partir dos melhores joelheiros! Não...A Lua dos Sonhos era, de facto, uma pedra preciosa, mas não era uma pedra qualquer! Concebida com uma mistura de quartzo róseo e turquesa e âmbar, esta bela gema da forma duma esfera, do tamanho aproximadamente duma noz, que cabia perfeitamente no palmo dum adulto, possuía poderes misteriosos e místicos.
Diziam, em todos os cantos da Atlântida, que, quem a tivesse nas suas mãos, teria todas as raças e criaturas da Dimensão Mágico dominadas! Como funcionaria, é que foi, desde tempos imemoriais, um dilema enigmático e intrigante...! E porquê, perguntam vocês, meus caros leitores? Ora, a razão é simples: Vulcano, o deus romano do fogo, filho de Juno e Júpiter – o pai de todos os Deuses – e deus da metalurgia.
Era conhecido como o ferreiro e artesão dos Deuses, e, assim sendo, ele trabalhava nas mais profundas cavernas do centro da Terra. Isto tudo aconteceu há mais de mil anos, possivelmente nos tempos da fundação da Atlântida, quando nem sequer os Bruxos andavam pelas terras, voavam pelos céus, ou navegavam pelos mares.
Vulcano, o único deus fisicamente feio, com um terrível ódio de morte a Marte, o deus romano da guerra e amante da sua mulher, a bela deusa do amor, Vénus, decidiu vingar-se – mais uma vez – das aventuras amorosas entre o famoso casal.
E, foi no mais escuro e quente dos abismos no amaldiçoado Vale da Morte, uma região maldita da Atlântida, que este poliu e criou, com as suas artes de magia, a famosa Lua dos Sonhos. Vá-se lá saber por que é que pobre coitado pensou numa loucura dessas!...
A seguir, com a vingança a arder no peito, dirigiu-se ao reluzente e majestoso Palácio das Reuniões, localizado no grande e vasto Deserto da Sabedoria.
Para os que não sabem, o Deserto da Sabedoria cobre toda a costa sudeste e um pouco da sudoeste da nossa querida Atlântida. Com a forma dum barco, segurado por duas extremidades em forma de “L’s” invertidos – ou seja, o Deserto da Sabedoria no Norte, a conectar a Atlântida com o continente americano, e os Alpes das Sereias a ligarem o país com a Europa – esta era a forma desta curiosa e abundante ilha.
Como já dissemos, o Palácio das Reuniões era duma grande beleza, situava-se no centro do deserto, e, rodeado grades feitas de cristal inquebrável a um raio de cem metros, o palácio, sob o modelo dum cilindro achatado com mais de trezentos metros de altura, todo ele decorado minuciosamente com cristalinas pedras. Sustido por magníficos pilares de marfim branco na ordem jónica. As incontáveis janelas rectangulares, maravilhosamente esculpidas a prata, com dimensões de três metros de altura e dois de largura, mostravam finas cortinas de seda, sem quaisquer persianas.
Separadas pelos sete frisos da sorte de oiro, que, de certo modo, pareciam enrolar o palácio, tornando-o numa bela flor em botão do deserto.
Por debaixo das altas colunas, situavam-se, em cada lado do palácio com forma de prisma cilíndrico de seis lados, estava um portão de mogno, decorado com alto-relevo clássico, representando a beleza da Matemática, Artes, Letras e Direito.
Era neste local, construído pelos filhos de Neptuno – o Rei do Mediterrâneo e Atlântida, deus romano dos Mares – que os deuses das várias mitologias se reuniam e viviam.
Aqui também funcionava uma escola, desde o primeiro ano até ao secundário, para jovens feiticeiros brancos, fadas, bruxos e outras criaturas que tinham o dom da magia.
Vulcano, ao passar pelas portas, ignorou estupidamente a divindade deste maravilhoso local, na sua infinita burrice, nem reparou que a Lenifg, ou a Sombra, uma espécie de ninfa das trevas o seguia.
A Sombra, ser das trevas, e portanto, serva de Tsesustan, o Mal Supremo, ficou muito interessada ao ver com os seus olhos azuis-claros e frígidos que um deus coxo e corcunda, de barba castanho-escuro, mas olhos muitos expressivos e cabelo desgrenhado e solto, a dar-lhe pelos cabelos, caminhava por entre aquele chão sagrado.
Felizmente que a Sombra não podia entrar no Palácio das Reuniões, apenas entrar nas imediações do território. A Sombra, se ainda não perceberam, é representada por, exactamente, uma sombra duma bela mulher, pequena, despenteada, e de top preto.
Quando quer assumir uma aparência “humana”, esta é mostrada como uma pequeníssima – exactamente de cinquenta centímetros de altura – com lábios vermelhos como o sangue dos Homens; cara mais pálida que a Lua-Cheia; braços mais brancos e magros que as patas dum gato escanzelado; mãos tão pequenas e secas quanto as patas dum corvo; cabelo negro e despenteado, encaracolado e olhos frios, inexpressivos.
Estava classificada na classe das Fadas, mas há muito que a rainha a tinha banido, pois a sua ganância e orgulho fizeram com que as suas asas caíssem mortas, no chão.
Há muito que tinha unido forças com Tsesustan, aquele que, segundo as lendas atlantes contam, é o verdadeiro diabo. Não é nem um bruxo – feiticeiro mau – nem um deus. Ninguém sabe ao certo como é que apareceu nem donde veio, apenas se sabe que é maléfico e terrível!
Uma criatura, ora masculina, ora feminina, que se esconde na escuridão e nos infernos, e que apenas se representam sob a forma de dois olhos aterrorizadores, manchados da cor do fogo, avermelhados e repletos de ódio!
Dois olhos que vêem e observam tudo...E que detestavam a bela e maravilhosa luz e Bem que emanavam do Palácio das Reuniões...No começo da Atlântida, Tsesustan, a incarnação do Mal Supremo e criatura das trevas, ansiava por destruir e envenenar tudo o que os Deuses sábios criavam.
De repente, a Sombra viu outra figura a andar, num passo acelerado, em direcção ao palácio. Escuro e alto, com uma capa a tapar-lhe por completo o rosto disforme, mal se podia dizer que era humano.
Uma voz grossa e poderosa, vinda dum homem, com um bafo sujo de há mais de milhões de anos soltou uma risada amarga.
«Amo?!» Outra voz exclamou, num tom quase ondulado e suspirado sensualmente, como o barulho do sibilar duma serpente. «Também o sentistes?»
A voz grossa, e rude, e muito sinistra, respondeu friamente. «Sim, minha querida Lenifg, o ódio corrompia a alma daquele infeliz.» O homem – ou o quer que fosse que estivesse dentro daquelas vestes negras – respirou bem fundo, soltando uma tosse seca e longa. «Conseguiste apanhar o seu doce odor: o delicioso aroma a algo malicioso e falso, minha escrava?» Disse num tom maldoso. «Sabes o que tens a fazer...Cobre aquela horrível luz com a maravilhosa escuridão!»
O vulto ergueu solenemente as suas mãos, como se estivesse a invocar, possuído, algumas forças maquiavélicas.
«ESPÍRITOS! DOENÇA! PESTE, GUERRA E SOMBRA, E, POR FIM, QUERIDA ILUSÃO!» Gritou histericamente para o céu límpido. «FAÇAM COM QUE OS MEUS INIMIGOS CAEM DE DESESPERO E DESTRUAM AS SUAS CASAS, OS SEUS BENS, AS SUAS FAMÍLIAS, O SEU PRECIOSO E PATÉTICO AMOR!...»
Debateu-se a seguir uma terrível guerra, mas, felizmente, os Deuses ganharam a batalha contra as forças demoníacas e mulheres-generais dos exércitos das trevas, que se intitulavam como Tin, Fer e Nom – Guerra, Peste e Ilusão em Atlante – todas elas furiosas por matar, contra Júpiter, Plutão e Neptuno, que triunfaram, juntamente com os seus colegas, o glorioso Consílio dos Deuses.
Houve muitas baixas, de ambos os lados, mas Tsesustan não conseguiu escapar!...
Para o seu próprio bem, os deuses aprisionaram o Grande Mal numa gruta, na mais profunda das trevas, onde, encerrado numa flecha maligna, para toda a eternidade, ficaria.
Quanto à Lua dos Sonhos, bem....Ela, na verdade foi a arma da sorte para as forças do Bem, pois, quando usada com bons intuitos, a pedra reluziu triunfalmente, e, num raio de luz insuportável para os Demónios – os servos de Tsesustan que estavam mesmo em frente das linhas de batalha – e recuaram, assustados com a Gim, a Luz ou a força interior da pedra. Houve, porém, em toda a história da Atlântida, um anti herói que usou a pedra a seu favor e a propósitos, como e quando precisasse de usar a jóia, o bruxo Rwebertan Samiel Di Euncätzio, o apelidado Assassino do Amor, cujo segredo da utilização apenas revelou à mulher no leito de morte, deixando-lhe várias pistas, para que, um dia, ela encontrasse a jóia, e ajudasse a lutar contra as Forças do Mal.
Com os Demónios banidos para a Fronteira – o lugar mais noroeste da Atlântida e igualmente tenebroso – e com o Tsesustan derrotado, o único problema dos Deuses foi esconder a Lua dos Sonhos para que mais nenhum outro mal antigo ameaçasse a existência divina....!
Qual seria o paradeiro verdadeiro da maravilhosa relíquia...?
Para que propósitos tinha-a Vulcano construído...? E estaria, para sempre, Tsesustan, condenado a ficar reduzido a uma flecha negra...? Sim, mas não a sua serva, Lenifg, que, condenada a renascer todos os séculos como uma mulher malvada e traiçoeira, tão venenosa como as cobras, e mais hipócrita e falsa que um crocodilo, fora incumbida de recuperar a Lua dos Sonhos para o seu senhor, e que, com a sua caixa de mil males, uma vez em cada cem anos, Lenifg libertava todos as forças do Mal sobre a Atlântida, atraindo-as com os seus olhos demoníacos e maléficos…!

segunda-feira, 12 de maio de 2008

O Senhor do Castelo (Parte II de III)

Quando, por fim, ele se viu a sós com a rapariga, ele olhou-a com um ar encantador.
- Vamos comer qualquer coisa? – Perguntou, numa voz que podia passar por gentil, e estendendo uma mão a Eleonora, que ela não aceitou. – Então, Princesinha? Não é preciso teres medo de mim, de momento, a única coisa que eu estou interessado em provar é o meu pequeno-almoço normal. Podias esquecer as nossas divergências durante algum tempo e tomar qualquer coisa comigo. Afinal de contas, depois de um mês sem comer absolutamente nada de jeito, deves estar com muita fome, não é?
Eleonora sentiu uma onda de irritação e ultraje a invadi-la, mas expulsou-a, rapidamente. Precisava de estar calma e pensar claramente, e, logicamente, não conseguiria fazê-lo de barriga vazia. Para além do mais, pelo que tinha visto daquela demonstração de raiva do senhor do castelo, ele parecia ser bastante cruel e severo para com os seus escravos!
Deu a mão ao Assassino do Amor, como se toda aquela confiança fosse normal e aceitou o convite dele.
Logo que viu que ela estava segura que não lhe faria mal, Samiel assobiou alto cinco vezes e em cinco segundos, apareceram, vindos de uma porta escondida através dum retracto do pai do senhor daquele castelo, a levitar assombrosamente, dois tabuleiros com três pratinhos de porcelana dispostos em cada ponta, cada cinco fatias de pão quente, acabados de aquecer. Uma baixela de mousse de chocolate veio logo, juntamente com uma jarra de cristal, com sumo de laranja.
Mal desse conta, já toda a comida estava pronta e posta na mesa por aqueles criadas invisíveis, que não passavam de fantasmas das muitas raparigas que o terrível Assassino do Amor matara, apenas com um feitiço muito difícil e complicado fora possível tornar o ectoplasma destes seres deprimentes de forma a que não se visse.
- Desejas um pouco de açúcar e chocolate no teu leite, Eleonora? – Perguntou ele, naturalmente, numa voz simpática, como se fosse normal que uma ondina, ainda por cima uma filha de Neptuno, tomasse o pequeno-almoço com um terrível e maléfico bruxo.
Lambendo os beiços de satisfeita com a torrada com manteiga que tinha comido com grande apetite, a rapariga anuiu timidamente.
O que é que ele queria...?
Estava com algum medo, e era natural. Afinal, ele estava a tratar-lhe como uma igual, e isso era raro na personalidade arrogante e egocêntrica de Samiel.
Por que é que ele não a desprezava, ou dizia coisas vergonhosas a seu respeito...?
Seria muito mais fácil aceitar essa realidade do que a que estava a viver realmente; e, apesar de ser corajosa, só esperava que Indra e Anúbis viessem o mais depressa possível para a irem buscar!
- Sim, pode ser. – Disse ela, nada nervosa.
- Muito bem. – Disse ele calmamente.
A seguir, olhou para o açucareiro e para a baixela de prata e chamou alto, fazendo sinal para eles se aproximarem:
- Açúcar e Chocolate! Venham cá.
Eleonora nem pude acreditar quando a baixela e o açucareiro ganharam vida de novo e levitaram alegremente, quase como crianças irrequietas, até ao copo do gentil anfitrião, que agora, nem parecia o mal-humorado feiticeiro de pedra que há pouco tempo mandara os seus lacaios embora.
Ele sorriu levemente e abanou a cabeça, resignado e, com uma cara que podia passar por a dum homem compreensível.
- Não! – Riu-se honestamente. – Sirvam a nossa encantadora convidada primeiro, minhas chinesinhas incompetentes. Já deviam saber isso.
Num momento inacreditável, ele deu um beijo suavemente na palma da mão da princesa, e acrescentou, num tom gentil:
- Nem que procurassem em todos os cantos do Universo, mulheres idiotas, conseguiriam atingir a beleza e castidade desta adorável e nobre menina.
Eleonora sentiu-se profundamente revoltada e dirigiu o olhar para outro lugar que não o rosto de Samiel.
Ele admirava-a!? Como poderia ser lá isso, se ele detestava todas as Fadas, Deuses e tudo o que fosse benéfico e divino?!
Estava a acontecer tudo como no caso de Eris e do Assassino do Amor…E, no entanto…Não! Samiel nunca era honesto.
As mãos invisíveis dos fantasmas pegaram cuidadosamente no açucareiro e na baixela, estenderam-nas de forma silenciosa até ao tabuleiro de madeira da rapariga.
- Diz-lhes que chega quando não quiseres mais, Princesa. – Aconselhou Samiel com um ar bem disposto. – Depois de acabares o leite, gostaria imenso que me acompanhasses num passeio pelo meus domínios e tivesses uma palavrinha comigo...
Eleonora apenas cruzou firmemente os braços; bastante aborrecidos e retorquiu num tom de desafio:
- Ah, sim! Pois, claro. Eu gostaria imenso de falar com um bruxo velho, feio e mau como vós, ò arrogante e fantasioso Assassino do Amor!
A ondina esperava uma ameaça ou insulto horrível por parte do feiticeiro, mas ele, em vez disso, bateu palmas entusiasmadamente.
Com um sorriso, bebeu um pouco de Frambinam rapidamente, engolindo de forma muito perturbadora a bebida alcoólica.
- Bravo, Eleonora. – Disse ele satisfeito. – Afinal, também consegues ser sarcástica.
Por esta altura, já a princesa começava a ter dúvidas se o Assassino do Amor realmente era um monstro sádico e sedento de poder ou um bruxo com um coração de manteiga.
As faces de Eleonora coraram de pudor, enquanto bebia o leite com ambas as mãos nervosas.
Engoliu duma só vez o doce leite, que tinha um aroma divinal a pêssego e canela, com o qual ela ficou quase que relaxada e olhou para os olhos verdes de Samiel, escondendo timidamente as mãos debaixo da mesa.
- Desculpai se foi isso que as minhas palavras vos pareceram. – Disse num tom defensivo e humilde. – Não queria, de maneira alguma, ser admirada por vós.
Ele estava a ser tão simpático e querido para ela...! Não podiam haver dois homens no mesmo corpo! E isso, assustava-a imenso. Ainda mais do que o próprio aspecto dele. O facto é que com ele, tudo era imprevisível, ele nunca fazia o que realmente se esperava da sua parte. Era esse o terror que o perverso Mestre Samiel influenciava nas pessoas: não há nada mais assustador do que não saber o que é que o destino nos reserva...!
Para além de Indra e dos guardas, ela nunca tinha visto um homem a sério em toda a sua vida – muito menos um bruxo – o que a mantinha numa posição ainda mais ingénua e ignorante. Apesar de demonstrado ter muita fibra e valentia, estava com receio que Samiel a pudesse apanhá-la nas suas garras.
Foi obrigada a admitir que ali, ele era o senhor, e ela, apenas uma mera rapariga, que Samiel poderia muito bem assassinar num piscar de olhos, ao virar duma esquina, e ela, neste caso em particular, estava em desvantagem.
Quase que virando o leite, aceitou a proposta com um anuir humilde da cabeça, mas lançou-lhe um olhar desconfiado.
- Só depois de me prometerdes que não tentareis violar-me. – Um sorriso de desafio apareceu de repente no rosto de Eleonora.
- Isso será uma promessa difícil de cumprir, minha querida. – Respondeu o bruxo, retribuindo com um sorriso matreiro, mas um pouco levado na brincadeira. – Mas não te preocupes, que eu não te quero fazer mal, és a minha convidada, afinal de contas.
De súbito, ela deu – por sua própria vontade – um beijo brincalhão no rosto desfigurado do bruxo, com um sobrolho levantado, mas com um sorriso amarelo nos lábios femininos.
Seria…?

segunda-feira, 5 de maio de 2008

O Senhor do Castelo (Parte I de III)


Ao chegar ao colossal átrio de cinquenta metros de altura, com uma gigantesca cúpula de vidro em forma de esfera, viu que o Sol incidia propositadamente sobre o centro do salão pentagonal, onde uma figura em mosaico dum tigre branco a chacinar, em cima de uma fada, os órgãos sexuais desta, que estagiava-se em sangue...!
Do lado direito do extenso átrio, havia duas portas às quais davam acesso a dois salões – Salão de Jantar e Biblioteca, segundo as placas. No esquerdo, haviam também duas portas, menos ricamente decoradas, que tinham os seguintes letreiros: “Escritório” e “Sala Proibida”.
Com o espaço totalmente vazio, um homem de média estatura, capuz amarelecerão e um manto de viagem sujo e empobrecido, com botas de cano alto castanhas, apoiado num bastão de um metro e sessenta, feito com madeira de um carvalheira, estava de pé no centro desse mesmo mosaico.
Então Eleonora apercebeu-se que era Jerininantus, o desprezível motorista e fiel braço-direito do Assassino do Amor.
Que estava ele a fazer numa casa tão fina como aquela...?
A jovem engoliu em seco: só esperava que as suas previsões não se tornassem em certezas!
Os dois bruxos anuíram simultaneamente com a cabeça, com olhares amarelos e a rirem-se baixinho.
A seguir, escoltaram a princesa até à primeira porta do lado direito, onde mal ela entrou, as portas fecharam-se rapidamente atrás de si!
Estava numa enorme sala rectangular, sem janelas, nem portas, com um grande candelabro de setecentas pedras preciosas a brilharem o escuro recinto.
Quatro mesas compridas feitas de madeira estavam praticamente dispostas em forma de “E”, com todas cadeiras pequenas numa madeira vermelha. Na base da letra, um homem alto estava refastelado num grande trono de madeira preto. Neste trono estavam esculpidos em baixo-relevo um “D” vermelho e um “S” que serpenteava pela outra letra, dispostos sobre um tigre prateado com riscas azuis, de com braços fortes e altos. Debaixo dele, havia uma cauda branca às riscas pretas que fazia uns certos barulhos estranhos.
O seu rosto estava coberto pelas sombras do capuz preto, mas mesmo assim, ficava extremamente elegante e, de certa forma, as roupas escuras com estranhas linhas vermelhas de sangue e roxo davam-lhe um certo ar poderoso. Com um estranho objecto prateado a pender da luva direita de cabedal, igualmente roxo, o tal feiticeiro tinha um aspecto deveras sinistro. No entanto, a princesa não se deixou intimidar.
Sem esperar que a chamassem, a rapariga avançou em direcção do feiticeiro, com uma altivez quase etérea, o vestido a ondular à sua volta, de forma adorável. Apesar de, no fundo estar receosa e preocupada, não havia dúvida que era uma das filhas da velha Rainha Melnjar das Fadas, Senhora da grandiosa Floresta de Cristal, Esposa do Rei Neptuno.
O feiticeiro soprou uma misteriosa baforada de fumo para a cara da corajosa menina.
- Bem vinda, Princesa Eleonora. – Disse Samiel com um sorriso falso e uma voz aguda, muito familiar a Eleonora, parecia já a ter ouvido num tom mais grave e masculino, quando Samiel era ainda um feiticeiro normal. Retirou das vestes uma adaga de jade com a qual arrancou cuidadosamente qual artesão a refinar os pormenores duma jóia as correntes nos pés e mãos de Eleonora, e, mal a lâmina passou pelas ferrugentas e desconfortáveis algemas, estas desfizeram-se em pó, que a boquilha presa na boca de Samiel aspirou. – Já não precisas delas, agora estás comigo.
Depois, examinou atentamente os pulsos de Eleonora por um momento.
«…como eram bonitos e frágeis, como pequenos pastéis morenos, recheados de mil pozinhos de chocolate de avelã, com um uma pitada de açúcar escondido nos lagos da floresta, símbolos de humildade e formosura eram, aquelas canas de canela e mel, que tive o prazer de cheirar e sentir. Oh, como a seta do Cupido me atingiu naqueles trágicos instantes. Aquele aroma a canela e pêssego lembrava-me as românticas recordações de Samielzinho, menino, aprendiz de chocolateiro…» e ergueu o olhar para a única porta ao longe.
– Tsc, tsc, tsc. Jerininantus! Nimtauk! – Ordenou alto num tom irritado os nomes dos seus mais fiéis lacaios.
Os dois homens andaram em passos apressados para irem ter com o seu mestre, e ajoelharam-se numa vénia profunda.
- Sim, Patrão? – Disseram ambos com olhares vazios e em tons respeitosos.
- Vocês fizeram um trabalho deficiente. Usaram demasiada força ao trazerem a Princesa Eleonora, primeiro no fim da batalha, agora, quando tu, Nimtauk pediste que te seguisse. Os pulsos da princesa estão não só esfolados, mas rasgados. E há sangue fresco nas feridas. Mesmo com um banho, é possível ver as cicatrizes.
Samiel quase parecia zangado, e, atrás de si, a princesa ouviu um comentário atrapalhado por parte de Nimtauk:
- Perdoai-nos, Mestre...
O feiticeiro agitou a cigarrilha de forma quase desinteressada, e, olhando com incrível crueldade os lacaios, com os braços cruzados, deitou uma fumarada arrogante para as caras dos subordinados.
- No Castelo Negro, não há lugar para vencidos. – Comentou ele de forma fria e autoritária. – Mas, uma vez que sou generoso, vou dar-vos uma última oportunidade. Se algum de vós cometer mais um erro que seja, fiquem a saber que o CASTIGO que vos estará reservado será doloroso e prolongado!
Os dois carrascos estremeceram ao ouvirem estas palavras. Nenhum deles tinha-o visto tão ameaçador como naquela altura.
Levantaram-se cuidadosamente, e, permaneceram de calcanhares juntos até que este lhes disse com um sorriso irónico:
- Bom...! Afinal, até fizeram um bom trabalho ao dominarem a princesa, uma vez que, se fosse Sua Majestade, a Rainha Melnjar, já estariam sem mãos para o resto da vida.....
Já lhes ia ordenar ainda mais alguma coisa, se não fosse a interrupção ousada de Eleonora.
- Deixemo-nos disto, Assassino do Amor! – Disse ela, numa voz tão convicta e alta, que até Nimtauk e Jerininantus desviaram o olhar, muito surpresos com a valentia dela. – O que é pretendeis realmente, agora que me tendes nas vossas mãos?
Samiel levantou-se de seguida, e, fitou o seu olhar no de Eleonora, permanecendo contudo no lugar, e, tirou rapidamente o capuz.
- Para já, apenas conversar convosco, Vossa Alteza. – Respondeu ele calmamente, num tom agradável. Só aí, é que Eleonora se apercebeu do quanto diferente Samiel estava da primeira vez que o vira, há uns anos, quando ela ainda era uma criança.
O seu rosto oval, antes belo e jovem, estava desfigurado por enormes queimaduras e terríveis cicatrizes, que se prolongavam pelo pescoço, mas que quase não chegavam ao tronco. Eris tinha sido misericordiosa em poupar o resto do corpo do bruxo a semelhante castigo. O seu cabelo ruivo cor-de-fogo, outrora longo e comprido, estava reduzido a um cabelo rebelde e que não chegava aos ombros por uma unha negra. No entanto, os lábios permaneciam os mesmos sempre: tentadores e efeminados, um bocado seco.
O seu aspecto era tão horrendo que Eleonora assustou-se.
Samiel esboçou um pequeno sorriso, talvez o primeiro em que não havia nada de maldoso, e olhou para os dois ajudantes, mais um grupo de cinco demónios que os observavam.
- Mas ainda estão aqui, minha cambada de imbecis? – Perguntou autoritariamente numa voz alta. – Voltem ao trabalho e vigiem as portas. Nada disto vos interessa, escumalha. Depois asserto contas com vocês e o vosso líder mentecapto!
A sua voz suou como um poderoso trovão, e atingiu de rompante os acéfalos demónios, que logo ficaram surdos.
Olhou por um momento para a rapariga, já sentada ao seu lado direito, e esboçou um sorriso cínico, acrescentou:
- Só para o caso de termos certos convidados indesejados...
Imediatamente, Jerininantus, Nimtauk e os demónios desviaram a atenção, e, num olhar solene apressado, dirigiram-se às portas, fechando-as rapidamente.