sábado, 26 de janeiro de 2008

A ondina do Crepúsculo (parte I)


Bom, na verdade, Eleonora estava nesse preciso momento a comtemplar o famoso Lago Nelnjar, e a aprender as línguas dos peixes e das criaturas marítimas. Como infanta, o seu dever era preparar-se para um dia, casar-se e tornar-se Senhora da Floresta de Cristal, a Rainha Eleonora, descendente dos Deuses do Olimpo e dos Céus Celestes. Os seus olhos castanhos-claros resplandeciam sobre o luar, enquanto observava a escuridão, numa túnica à prova de água, azul transparente, com o cabelo negro encaracolado molhado a ondular ao sabor do vento agreste a soprar violentamente. Ela não se importava, como ondina – espécie de fada, tanto de sexo masculino, como feminino, de grande sabedoria e contacto com a natureza, que pode viver até aos quinhentos anos – a sua primeira tarefa era entender a água e as suas criaturas. A chuva caía devagar por toda a parte, anunciando um possível aguaceiro, mas nada fazia a pequenita de se abraçar às ondas do calmo lago à meia-noite. Ela adorava o elemento aquático e o ar. Por uns momentos, quis abrir as suas asas de borboleta azul-celeste e voar com o seu grande e travesso amigo, Indra, o deus Indu dos Quatros Ventos e da guerra. “A Sonhadora” – era o que o seu nome significava em Atlante-Arcaico, a antiga língua ancestral da qual a princesa era uma excelente aluna.


Como quarta filha de Neptuno, fora criada na agradável corte dos Deuses e das Fadas, entendia a Natureza como ninguém. Aí, os dez juízes da Atlântida ficavam encantados com a eloquência da pequena. Rapariga inteligente, sábia e dotada de uma bondade incrível, percebia a Filosofia, as Artes e as Ciências antigas tão bem que até os magos da corte elogiavam a jovem.
Algumas vezes, sonhava com terras desconhecidas; batalhas fantásticas onde ousados cavaleiros se desafiavam por amor a belas donzelas; ardilosos feiticeiros capazes das mais inacreditáveis proezas; misteriosas damas encantadas no meio de luxuriosas e vastas selvas; maliciosas e gananciosas bruxas; demónios de fealdade indescritível; e, no fundo, havia o garboso príncipe encantado, que, um dia apareceria no nevoeiro, com o seu nobre corcel branco....! Essa era a sua parte favorita das novelas de feitiçaria, em epopeias heróicas e apaixonantes que a faziam suspirar quando via o romântico final do “felizes para sempre”.
As florestas à noite eram um lugar fresco e demasiado imprevisível, mas ela gostava delas assim mesmo, pois ocasionalmente (dependesse das fases da Lua), avistava uma manada de Unicórnios a correr por entre os campos húmidos de erva e folhas atlantes.
Eleonora, também conhecida como a “coraçãozinho de criança sábia”, tinha um temperamento de uma alegre e inocente criança, mas a sabedoria e calma duma mulher adulta.
Nesses tempos, as Filhas de Neptuno passavam imenso tempo a admirar a Mãe-Natureza e a brincar entre os castanheiros; framboeseiras; pinheiros e aveleiras; a nadar nos lagos e a chapinhar no Rio Benção; e a correr alegres entre os jardins do Castelo dos Sete Mares, na Cidade dos Deuses.
Ela suspirou satisfeita, e, relaxada nos braços do lago
Eleonora sentia-se perfeitamente em casa, com aquelas criaturas místicas todas a ajudá-la, a tornar a Floresta de Cristal ainda mais sonhadora e romântica, duas coisas que a própria infanta era.
Sempre com a cabeça no ar, ela gostava tanto de contar histórias às pequenas crianças lendárias, filhas de centauros e sereias, que até se esquecia que se encontrava numa zona de caça do Assassino do Amor.


Na verdade, os olhos verdes, pequenos e penetrantes de Samiel observavam-na com um sorriso malicioso. No entanto, ele nunca a atacaria, como Anúbis dissera anteriormente, ele tinha presas suficientes para aquela noite. Além disso, sob o disfarce dum lustroso cavalo negro, ele estava a uns perigosos metros dela, apenas a devorá-la voluptuosamente com os olhos verdes.
Ela fazia lembrar-lhe Eris: tão bela, tão perfeita, tão intelegente, tão perto de si...Porém, tão distante e impossível de conquistar!
E depois? Cometera um erro com Eris, não o faria com Eleonora! Já com uma donzela desmaiada no negro dorso, ele sabia que ansiava por provar sangue azul....Mas, desta vez, iria ser cauteloso para não a assustar muito, além disso, tinha um bom pressentimento que lhe dizia que seduzir a divertida e inocente menina seria mais fácil do que roubar um doce a uma criança.
Mas naquele dia não, que o Sol já se escondia por entre os cedros e pinheiros bravos e ele tinha de ir retirar para o Castelo Negro, caso alguém o avistasse.
Então, decidido, Mestre Samiel desapareceu por entre as brumas, cavalgando suavemente por entre as ervas altas.
Eleonora pareceu escutar qualquer coisa a galopar, mas....Que lhe interessava isso? Toda a gente sabia que o coraçãozinho da jovem palpitava enamoradamente e tão depressa pelo garboso deus guerreiro hindu quanto o dum beija-flor à procura do néctar.
Quando o via, montado no seu imponente elefante de quatro presas a ír para a caça de garças e a governar as tempestades e chuvas, a jovem ondina sentia como se milhares de borboletas esvoassem no estômago e mal conseguia falar. O jovem guerreiro e príncipe hindu, também de natureza púdica, mas também militarista, não conseguia declarar-se à donzela, pois havia uma data de códigos de cortesia a serem compridos, e nunca foram mais do que meros amigos. No entanto, no fundo de ambos os corações, amavam-se um ao outro como autênticos namorados.

1 comentário:

Arthurius Maximus disse...

O amor se manifesta de formas estranhas. Quer em seres humanos; quer em seres místicos a essência de ternura e carinho é sempre a mesma. Daí nascerem relações assim, como a deles. Amor é amor, em todas as suas formas.