segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

A caçada de Samiel...


Uma espessa neblina cobriu de súbito toda a zona em que estavam, e a lua desapareceu silenciosamente por entre as montanhas. As fadas amontoavam-se, sentadas em forma de U à volta do lago com os pés à chinês, à espera de ver qualquer coisa.
Anúbis desviou cuidadosamente o olhar, com um pouco de medo e foi beber água a uma fonte que havia num chorão perto do lago.
Néftis tentou olhar para o espelho que trazia sempre consigo e, a tremer, tentou retocar a maquilhagem, enquanto Samiel com um estranho sibilar e, arrastando a lâmina nas poças de água lamacenta, provocou um bizarro som metálico que fez as fadas fixar o olhar nele, contornou o lago até encontrar um sítio onde olhar para todas elas. Com um estalar de dedos, formou por magia negra uma forte labareda roxa, tornando-o igual a um fantasma, apenas vendo-se os seus olhos e o rosto pálido como a cal.
- A lua está a por-se. – Disse num sussurro ominoso. – Consegues ver-me sobre esta luz?
- Vemos-te perfeitamente, Mestre Samiel. – Foi a resposta que veio perto das ervas altas nas margens do lago, como o barulho que o vento faz ao bater no topo das árvores.
O feiticeiro sorriu e acenando o indicador como se chamasse alguém, invocou uma pequena harpa prateada que veio a flutuar até ao local onde ele estava.
- Óptimo. – Exclamou ele. – Jerininantus, o teu bom senhor precisa mais uma vez da tua ajuda!
Um vento agreste cheio de poeira vindo do Sudeste veio em seu auxílio, e, subitamente, todos os seus soldados – os seus outros lacaios, escolhidos a dedo por Samiel – vieram juntar-se à reunião como fogos-fáctuos.
Uma sombra no meio do lago revelou um homem que substitutuiu o Assassino do Amor num espectáculo de fumo vermelho e um trovão revelou um sorriso diabólico, e, nesse momento, os dois deuses aperceberam-se que Neptuno, ao privar Samiel do seu amor, tinha criado o Diabo em forma humana!
O Jerininantus dedilhou cuidadosamente nos frágeis e infímos fios de seda qual hábil guitarrista, e o som que saiu do instrumento era para os ouvidos da sereia algo parecido a...Nada! Não se ouvia nada. Porém, Anúbis, Níftis e as fadas pareciam escutar com uma atenção minuciosa aquele concerto.
O Jerininantus fez acordes estranhos e bizarros, que aos ouvidos “insensíveis” de Claudinitiana soavam ao mesmo silêncio que tinha ouvido antes do pôr da lua.
Como é que podia ser possível alguém ouvir um nada...?!
Sempre ao mesmo ritmo e compasso, sem descanso, mas tranquilamente, acompanhando a triste cena de alguém tocar num instrumento com um zumbido baixo...
As luvas de Jerininantus quase nem se viam e à medida que tocava com precisão ciúrgica em cada corda minúscula com a espessura de cinco milímetros, o seu público ficava ainda mais relaxado e sonolento.
Ao mesmo tempo, o musgo azul-claro morreu e toda a clareira e arredores mergulhou numa profunda escuridão...! Até que por fim, a única luz que restava era daquela harpa; os dedos, as luvas e os olhos dele deixaram-se lentamente de se ver. Este, continuava impertubável, continuando a tocar a harpa.
Anúbis e Néftis deixaram-se ficar petrificados como estátuas, apenas se ouvindo gemidos das bocas deles. Aquilo era simplesmente um espectáculo horrível de se ver. Apenas Claudinitiana olhava sem compreender.
- Classe das Fadas, filhas da Rainha Titânia. – Disse finalmente a sussurrante voz de Samiel. – Conseguem mexer-se sem que eu vos mande? Falem!
- Não, nosso senhor. Não conseguimos mover-nos sem que nos mandes.
- Óptimo! Então, aproximem-se um passo, minhas filhas. – Disse ele, com a voz cada vez mais arrepiante.
As fadas, sem forças, avançaram em direcção ao lago, e mãe e filho deuses, deram também um passo em direcção ao lago, tal como elas, que agora reflectia a imagem dum castelo negro situado no Vale da Morte.
- Mais perto! – Sibilou Samiel, e todos eles se mexeram novamente. – Mostrem aos atlantes e aos seus deuses quem é SAMIEL RWEBERTAN DI EUNCÄTZIO!
Aterrorizada com tamanha visão, a sereia pegou em ambos os deuses para os levar bem longe dali.
- Claudinitiana...Mantém a tua mão no meu braço! – Murmurou Néftis com medo. – Mantém-na aí, senão irei cegamente até ao Mestre Samiel!
- Não estou a perceber nada! – Disse a sereia espantada. – Vamos!
E os três rastejaram com dificuldade até à saída da floresta e, ao verem uma estação, correram imediatamente até lá.
Ao se sentar num dos bancos, são e salvo, Anúbis suspirou de alívio. Como ele etava contente pela Claudinitiana não ser uma dríade.
- Uff! – Exclamou o adolescente – Nunca mais quero a ajuda do Assassino do Amor!
- Foi mais esperto do que nós. – Disse Néftis a tremer. – Mais um pouco e tinha ido parar directamente aos seus braços!
O seu filho concordou, abanando as mãos e todo o seu corpo nervosamente, para certificar-se se o encantamento já estava quebrado.
- Quantas não irão parar ao Castelo Negro antes que o Sol nasça? – Perguntou ele, arrepiado. – Vai ter uma bela caçada, mesmo ao seu estilo.
A rapariga não tinha compreendido nada e olhou os seus dois senhores, muito confusa. Ela não sabia nem se lembrava que tinha sido hipnotizada pela primeira vez quando Samiel a induziu a ir até à sua morada.
Por isso, com as mãos no colo, e com o pé direito húmido a bater no chão, lançou um olhar desconfiado.
- Que significa tudo isto?! – Perguntou. – Só vi um feiticeiro a tocar uma harpa parva que não dava nota alguma!
A deusa começou a ficar zangada, e retribui-lhe o olhar.
- Agora, nós! – Disse ela secamente. – O que é que puseste no copo de água de Eris?
- O quê?! – Exclamou com sinceridade. – Não me lembro de ter posto coisíssima nenhuma no copo da minha senhora!
Foi aí que Anúbis veio em defesa de Claudinitiana, e olhou para a mãe com um pouco de vergonha. Era verdade, ele tinha um fraquinho pela sereia, e já tinha um plano para lhe demonstrar os seus sentimentos.
Mas primeiro, tinha que ganhar a confiança da mãe protectora.
Pondo a mão no ombro da rapariga atraente, exclamou:
- Mãe! A mãe ainda não viu que ela estava sob o poder do Assassino do Amor? Ela não se lembra de nada, pois não?
A sereia encolheu os ombros e abanou a cabeça, corando um pouco ao ver que o rapaz bonito estava a dar-lhe razão.
- Sim, lembro-me vagamente. – Respondeu ela na sua voz de classe baixa, tentando esconder-se. – Excepto a sensação do meu corpo ter sido explorado e estar muito fria. Isso sempre ficará no meu pobre coração!
Assim, Claudinitiana contou tudo o que se lembrava acerca dos seus encontros às escondidas com Samiel, do maravilhoso manjar que comera antes de ser dominada de todo por ele, da vida de escrava que tinha no castelo e, por fim, da melhor maneira de saír do castelo e do Vale da Morte, caso outra rapariga caísse nas garras do Assassino do Amor.

1 comentário:

Arthurius Maximus disse...

Realmente, o poder dele é impressionante.

Mas, uma curiosidade: O que seria "sentado a chinês?"

Um abraço.