quarta-feira, 24 de outubro de 2007

O Mestre do Disfarce e da Sedução

Após várias horas e horas de investigação, a falar com os criminosos, traficantes e deuses mais corruptos de toda a Atlântida, mal iam desistir daquela busca inútil, quando o encontraram.
O Assassino do Amor refastelado numa sombria esplanada mesmo escondida do sol da tarde, admirando o seu bonito casaco novo amarelo escuro, pois tinha estado a dormir até ao meio-dia nos últimos dias, preparando o seu disfarce para vir à rua sem ser notado ou caluniado pelas más-línguas. Estava agora verdadeiramente esplêndido e elegante, dez anos mais novo. Tirou com incomparável requinte as luvas sarapintadas de castanho e amarelo brilhante de pele da píton do Vale da Morte (hoje extinta) e começou a dar festas na cabeça fofa do seu gato malhado, lambendo os beiços muito satisfeito, enquanto pensava no seu próximo crime.
- Ele ainda não comeu! – Disse Anúbis aliviado. – Tenha cuidado, mãe!
Ele fica sempre um pouco cego depois de arranjar um novo disfarce e é muito rápido no ataque.
Samiel ao contrário dos que as pessoas comuns pensam, não era de se dar com bruxas ou com mulheres fáceis. Na verdade, quase desprezava as antigas feiticeiras praticantes da magia negra por achá-las covardes, mas a sua força residia no seu abraço. Mal ele lançasse sobre qualquer rapariga aquelas garras afiadas desumanas, nada mais havia a fazer.
Anúbis tentou um sorriso para o poderoso bruxo e tirou a cabeleira falsa típica dos egípcios, como forma de comprimento.
- Boa caçada, ò grande Mestre Samiel! – Saudou baixinho.
Como qualquer mago branco, o Mestre Samiel era um pouco surdo, e a princípio não ouviu nada. Através das gerações, essa surdez iria desaparecer, e, de facto, nós, Bruxos, temos uma audição perfeita.
Depois, levantou-se e ergueu o famoso florete para qualquer eventualidade, e baixou a cabeça confiante.
- Boa caçada para todos nós, - Respondeu ele – Oh, Anúbis! Meu rapaz, o que estás a fazer por aqui?
Suspirou fundo, como se não fosse o criminoso mais procurado de toda a Atlântida e sentou-se de novo, embainhando a espada cuja tantas vidas tinha ceifado.
Com um olhar presunçoso, disse:
- Pelo menos um de nós precisa de comer. Há por aí alguma notícia de caça à vista? Uma garça ou talvez mesmo uma corça? Estou tão vazio como um poço seco.
Samiel sabia quando deveria ser um assasino implacável sem coração e quando deveria ser um respeitado membro da sociedade. Quando se encontrava com deuses e estes lhe desejavam boa sorte para a caça, não hesitava em ficar bem visto pelas gentes e saudar os deuses e nobres da mesma forma bem educada. Nesses tempos remotos, até os deuses iam para caçar e celebrar os seus grandes festins. Rwebertan Samiel Di Euncätzio não era excepção, só que, para além de presas animais, ele caçava raparigas indefesas. Só as deusas ficavam imunes ao seu enorme poder.
- Eu estou a caçar. – Disse Anúbis negligentemente. Ele sabia que não devia apressar o Assassino do Amor. Tudo o que aqueles dois não queriam era um massacre.
Assim, a atenção de Samiel foi captada para o que os deuses lhe estavam a dizer. Levantou-se de rompante, pegou no florete, fingindo-se entusiasmado e esboçou um sorriso que não passou além do canto dos lábios secos.
- Dai-me a permissão para ir convosco. – Disse contente. – Um sopro a mais ou a menos para vós, grandes deuses, não é nada, mas eu, eu tenho de esperar dias e dias a fio, numa vereda do bosque escondido, e de noite disfarçar-me com o nevoeiro da meia-noite na expectativa de uma jovem corça perdida do resto da manada.
A bainha prateada bateu com uma força igual a um leve tremor de terra no solo, só para veres o quão forte era Samiel Di Euncätzio numa idade tão tenra, pois um bruxo comum de trinta anos é considerado como um adolescente humano de vinte.
Era certo e sabido que o feiticeiro estava um pouco mal-disposto porque a sua “corça” tinha fugido. Mas logo ia apanhá-la.
- Raios! A louvável Floresta de Cristal já não é quando no tempo da criação da nossa Atlântida. – Exclamou tristemente. – Quando era um rapaz de cinco anos, recordo-me perfeitamente de tremer só de vir para aqui.
- Talvez a tua fome tenha a ver com esse assunto. – Insinou Anúbis, contendo o riso. Ele sabia como o bruxo devastava a maior parte da floresta para encontrar algo que se comesse.
Samiel por seu lado, ripostou sarcasticamente, com um tom vaidoso:
- Ora que essa! Já agora também tenho culpa que Neptuno tenha a barba do comprimento dum carvalho...Eu sou belo e um fantástico caçador, não um destruidor de florestas lunático. A culpa é do nosso rei ignorante, que chama ao meu dom natural de culto do Diabo, uma coisa que não me atrevo a tocar. Para além desse velho senil, existem aquelas marotas das criadas de Eris, algumas fadas. Na última vez que me arpoximei dum bando delas e fiz um desajeitado som, dispersaram-se e chamaram-me os nomes mais horríveis que se pode imaginar.
- Como Deus da Morte e Diabo Pálido? – Interrompeu Anúbis à medida que entravam na limusina preta de Samiel.
Na Atlântida, no ano 20.0034 A.C, já existiam carros, tais como outras tecnologias indispensáveis. A maior parte dos grandes inventores mortais foram descendentes de atlantes. A nossa moderna ilha até teve a desgraça da Guerra Atómica em 30.000 A.C, e é por isso mesmo que o Vale da Morte se chama assim. Em tempos foi um sítio altamente radioactivo, agora em 2005, já não se ouve falar dessas coisas. Até havia aviões e metros sofisticados nessa altura, por isso não te espantes de eu te falar da limusina do Assassino do Amor.

1 comentário:

Arthurius Maximus disse...

Desequilíbrio ecológico por magia? Faz a gente pensar em como o ser humano (bruxo ou mortal) fere a própria terra onde vive. Quanto mais poderoso mais desprezo pelo que o cerca.

Um belo texto.

PS: Me amarrei na descrição do gato.