segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O Califa Onisamatzeka - parte 2

Um mundo tanto de luz como de escuridão - ou o Califa Onisamatzeka


Uma pequena borboleta voou de uma caixa de música com um dragão Japonês pintado na madeira perfumada, iluminada por um lampião a gás Gemmyarkan em bronze. 
Era uma magnífica "onibi-arijkinnara" - Bola Demoníaca de Jade - do tamanho de uma mão de uma criança. As Onibi-Arijkinnara deviam estar a acasalar. Porém, as asas esverdeadas, quase azuladas resplandeciam sob a luz ténue dos lampiões, num movimento sinuoso e lento. 

As adolescentes Humanas estavam surpreendidas com a beleza de uma espécie tão preciosa, especialmente no centro da Cidade de Petrybloom. A borboleta pousara precisamente na varanda, e elas puderam ver os "olhos fantasmagóricos" que faziam parte do padrão das suas asas. 

- Só o Altíssimo podia criar tanta beleza numa criatura tão pequena! - Exclamou a artista do Tar  persa. 

O eunuco sentiu-se inspirado - uma vez que ele podia alcançar, do ângulo de onde ele estava, o perfil do estranho artista, muito parecido com o rosto da sua senhora - a recitar este poema

O que és tu, O que és tu, 
Uma visão, um feiticeiro que transforma papel
Em maravilhosas borboletas, 
Alá criou-te, formoso djinn, 
Gemmyarkan, os teus olhos são jade, 
Emprestaste à Lua a cor branca da tua face, 
Homem glabro que oferece a pagã amizade, 
Numa noite de Outono, eu vi-te, e pensei que o que 
Me foi cortado há muito voltou a crescer, 
E o que eu não sou, começou a aparecer!   

- Abu Nuwas iria ficar orgulhoso se vos ouvisse, eunuco! - Exclamou a aia que ajustava o saree  da sua senhora. 

Uma voz ecoou no meio do jardim de amendoeiras e de pessegueiros, uma voz que embora fosse claramente uma voz masculina, tinha um sotaque muito parecido com o de Benzaiten, num Phetrkaträlam confiante: 

Deus dá pérolas a porcos, 
Os porcos ficam admirados, 
Eras tu uma criança à caça de borboletas,
Era eu outra criança à caça de pirilampos, 
Sob o Luar a iluminar o Outono quente, 
Um Outono sem chuva
E o reflexo do rio cantou aquilo que eu já sabia
Que eras o meu reflexo...! 

Um  coro tilintante de gargalhadas ecoou das três mulheres que ali estavam. Eram vozes cristalinas, doces, como o correr de um riacho puro e fresco.  O poema do "Kolmanatry da Caixa de Música" tinha feito com que as jovens relaxassem diante da severa Segunda Esposa do Emir dos Crentes.  

A Senhora Benzaiten conteve uma pequena risada. 

« Como o Senhor Criador de Todas as Coisas fez com que este Nortenho tivesse uma fala mais romanceada do que a do meu esposo, o Emir dos Crentes! Nortenho, deixai-vos esperar, que eu vou já agradecer-vos pessoalmente pela vossa companhia...» 

O eunuco tentou segurá-la, mas Benzaiten era muito mais forte que o escravo do Califa. Havia uns tantos dez eunucos, treinados em Marrocos.

Contudo, como se o pólen espalhado pelas asas graciosas e reluzentes das borboletas noctunas tivesse um efeito relaxante e soporífero, os dez eunucos bocejaram e caíram inconscientes passados uns minutos, entre as flores Outonais e as folhas de cores avermelhadas.

Até as próprias raparigas que estavam a acompanhar a Esposa do Califa adormeceram...

Ao roçar silenciosa e discreta a cauda nobre do saree  contra as últimas escadas estreitas que davam até ao jardim, Benzaiten encontrou um espectáculo algo inquietante.

As borboletas concentraram-se num exame esverdeado e azulado perto do Tocador da Caixa de Música. Este agora tinha o rosto oculto por um capuz avermelhado, escuro.

« Irmão... » Murmurou num tom quase carinhoso.  

« Benzaiten... »

« Arriscaste-te muito ao vir aqui... Dentro de uns minutos eu... »

« Sim... Eu sei que tens de ir tomar conta do jovem Shekar... Que ironia do Destino! » Comentou o homem a quem Benzaiten chamava de irmão.

Após um breve e misterioso silêncio, o homem com a caixa de música a tiracolo conteve uma risada amarga. Deixou que uma onibi-arij-kinnara pousasse nos ombros cobertos pela capa escura.

« O Himmayasdev pode ver o seu filho quando quiser, e eu tenho de recorrer-me a subterfúgios e a esquemas perversos para ver o rosto de uma das minhas netas! »

« A Mayu e a Misato sabiam o que estavam a fazer ao partirem para viver longe de ti...Não devias ter sido tão severo para com elas, irmãozinho! » Benzaiten começou a falar em Japonês num tom cínico.

Ao que o homem limitou-se a suspirar. Sob a luz da Lua e dos lampiões, confirmar-se-ia as suspeitas: a Esposa do Califa tinha a mesma altura que o "Kolmanatry".

Ryuketsu-Raijin pousou as mãos enluvadas, perfumadas com incenso nos ombros brancos, suaves da irmã.

« Nascemos no mesmo dia, eu uns minutos mais tarde do que tu...Somos  irmãos, Benzaiten! Devias contar-me ao menos onde é que a filha do Rajnustk Bre'Ziziki costuma banhar-se no Inverno...»

Sob a fraca luz dos lampiões dos jardins de bronze, os olhos verdes, claros, outrora amáveis e aveludados da feiticeira tornaram-se frios, austeros.

« Ryuketsu... A Padmaztallityï  Bre'Ziziki não passa de uma criança... Vingar-me assim do meu enteado...! Aonde é que está a honra num acto tão cobarde? »

« Tu própria disseste que detestavas o Rajnustk e os seus avanços patéticos... Além disso, eu preciso daquela criança...O Hibiki nunca iria deixar que eu me aproximasse da sua sobrinha... E a outra filha da Mayu é guardada dia e noite pelo teu querido filho bastardo! » Uma das borboletas aproximou-se do lampião enquanto o Onisamatzeka falava.

De repente, um pouco de gás soltou-se da lâmpada, e o shikigami soltou um grito estridente. Contorceu-se com as asas queimadas. Os próximos três minutos devem ter sido dolorosos para a criatura, pois ela caiu lentamente ao chão como uma pomba abatida.

Uma pequena poça de sangue sombrio e quente foi iluminada pelo lampião, que emitia uma luz azulada, fantasmagórica.

Benzaiten cuspiu para o que restava do shikigami. 

« Raptar uma criança para saborear uma vingança por causa de uns comentários sórdidos e insultuosos...Ryuketsu-Raijin... Se alguém descobrir que és meu irmão, nós... Todo o nosso clã pode vir a perder com isto! »

O feiticeiro acariciou com a mão o ombro da irmã, num gesto fraternal e inocente.

« Não seria a primeira vez que os Di Euncätzio arriscariam os pescoços para mostrar ao Bre'Ziziki o quanto os nossos antepassados ainda são dignos de veneração e respeito! » Disse o feiticeiro num tom convincente e polido ao falar em Bellante do Norte.

« De qualquer maneira... A filha do Rajnustsk, o filho mais velho do Himmayasdev... Não é todos os dias que ela anda acompanhada pela Sacerdotisa Sikataarij'Aka Arujna ou pela tia, aquela Hye-Iseul Bre'Ziziki...! Durante o Inverno, ela gosta de dar umas escapadelas com o cavalo Surya às Fontes do Bênção... Se fores pela "Rota dos Peregrinos", será mais seguro...»

« Foi a própria Princesa quem contou-te isso? »

A voz de Benzaiten permanecia calma ao falar. Um sorriso malicioso iluminou o seu rosto magnético, triangular e pálido, no meio da penumbra dos jardins perfumados.

« Ryuketsu-Raijin...Toma conta da Padmaztallityï... Ela é uma menina energética, bondosa e corajosa...Um homem como aquele Rajnustk jamais compreenderia a bola de energia quente que a Padma é...! »

O feiticeiro inclinou-se numa vénia formal, enquanto fazia com que as borboletas se transformassem em meros pedaços de papel. Estes voaram, como que carregados por um rajada sombria, gélida! Ryuketsu Raijin Kato conteve uma pequena risada:

« Que os Deuses estejam contigo, Benzaiten... »




Sem comentários: