"When and with whom was your first kiss?" Quando e com quem é que foi o teu primeiro beijo? Nunca tinha pensado nisso em relação a uma certa personagem que eu tenho. Primeiro porque ele era demasiado velho para que eu conseguisse adivinhar, e depois porque o exercício de contar na primeira pessoa seria demasiado embaraçoso para o homem em questão.
Porém, assim, hoje, o vento da inspiração bateu-me à porta e já não estava com problemas para descrever a cena. Posso muito bem imaginar como é que seria... Tenho andado mesmo interessada pela cultura oriental!
Culpa dele... ah, ah!
O nome completo – Adrian Demetrius – era a mistura de
nomes de vários santos, de acordo com a lei alemã, e não com a Bellante.
“Demetrius” era a forma latinizada de “Deméter”, a deusa mãe da terra na
Mitologia Grega. Enquanto Adrian era a forma Germânica de Hadrian “da Cidade
Italiana de Hadra”. Não era exactamente o nome perfeito para um guerreiro que a
Senhora Murakami queria, mas era o nome legal que os Alemães queriam. Em breve
(dadas as circunstâncias em que as mulheres Alemãs da nobreza queriam tirar-lhe
o filho para educa-lo segundo os princípios prostestantes cristãos) ela viu-se
forçada a levar o pequeno para o Império do Sol-Nascente. Quando o jovem
“Adrian-chan[1]” tinha oito anos, a mãe teve
outro filho – Karl Adolf e ficou assim com um marido embaraçado por ter de
explicar à sociedade alemã porque é que uma mulher de cinquenta e cinco anos
continuava a ter uma barriga tão fértil. Foi por causa disso (e muito mais) que
a mulher arranjou uma maneira de abandonar o jovem Kali-chan de um ano na
Baviera, no meio do caminho. Adrian-chan ficara muito contente, por
continuar a ser o filho preferido da “Mamã”, e por abandonar aquela terra
horrorosa onde as mulheres o chamavam de mal-educado por ele pregar partidas –
e que algumas até o ameaçavam de lhe bater. Passaram-se sete anos, e a “Mamã”
tinha outro filho. O jovem Adrian ficou muito aborrecido por ter de
compartilhar o “Casarão da Mamã” com um bebé chorão – que ainda para piorar não
tinha um nome Japonês. Foi nessa altura que Adrian von Tifon queria ser tratado
pelos “amigos” e pelos inimigos por Murakami e não pelo seu nome europeu. Sabia
manejar a espada muito bem, e precisou menos que semanas para se destacar na
Era Tokugawa como um samurai experiente. A honrada família Murakami ocultava
bem a sua “raça demoníaca”, e a Senhora Yui era cuidadosa o suficiente para
ensinar aos dois filhos os ensinamentos de como se comportar civilizadamente na
sociedade Japonesa, seguidos por uma filhinha que nasceu em 1810.
O “Senhor Christophe”, o esposo, gostava muito mais do
Japão do que a Alemanha. Ali era o patriarca e não tardou a ganhar um pouco de
confiança para tentar ser um pouco mais bélico com os filhos. O jovem Martin
sorria placidamente e desculpava-se pois ele estava muito ocupado nas suas
lições de como ser um ninja e a forjar armas como devia ser. Adrian não era
assim tão educado. Não falava uma única palavra em Alemão com o pai e forçava-o
a falar em Japonês, coisa que Christoph bem que tentava dedicar-se mas era tão difícil
que o filho, de uma maneira ou de outra, acabava por fazer troça do ar desolado
do pai.
A Senhora Yui, uma mulher paciente e com uma natureza
bondosa, ensinava o marido a pronunciar correctamente as palavras, a
comportar-se para que as pessoas não pensassem que ele era “um parolo
preguiçoso e idiota”, como as três irmãs da Senhora Yui o chamavam. Os maridos
delas eram fortes e severos, com um porte espantoso.
O filho mais velho poucas vezes almoçava ou estava em
casa, o jovem Martin Wolfgang quase que não aparecia em casa senão para comer e
para dizer “bom dia” ou “boa noite”. Sobrava muito tempo à Senhora Yui para
ensinar ela própria o marido – a não ser nas alturas em que tinha de tomar
conta da pequena Jasmin. Sentia-se feliz pela filha e pelo marido serem assim
tão simpáticos e generosos para com ela. Era uma recompensa vinda dos Deuses
por trabalhar tanto na lida da casa, nos assuntos da família de samurais, e por
ter de aturar os três insuportáveis cunhados.
Nessa altura, a família Murakami era pobre, uma vez que
todas as irmãs e o Hyasuko Murakami tinham gastado todo o dinheiro a preparar o
casamento com a irmã Yui. “Arata” vivia num bairro muito perto do bairro de
prostituição de Shimabara, em Quioto. A casa abrigava a família principal
Murakami: Hyasuko, com as suas duas mulheres, Shizuka e o seu marido, Musashi
Makoto, Suzuki e o seu marido, e Yui com Christoph e os seus três filhos:
Arata, Martin, e Jasmim. Em 1800, Arata teria os seus dezasseis anos. Era um
jovem que fora obrigado pelas tias a rapar o cabelo cor de trigo queimado na
frente aos treze para fazer um rabo-de-cavalo a trás. As tias queriam que ele
se tornasse num grande samurai, um guerreiro que servisse os senhores feudais.
Todos os dias, ao voltar para a casa, Adrian Demetrius (mais
conhecido por Arata Murakami, ou simplesmente Murakami-kun na escola de
espadachins) tinha de ir comprar um quilo de arroz e de sakê e carregá-lo com
apenas as sandálias de palha (era demasiado pobre para comprar as confortáveis choris de madeira com umas meias de
seda). O dinheiro arranjava-lhe o tio com os seus talentos de músico e de
guarda-costas de mafiosos que governavam as “casas-de-chá” de Shimabara. O
quimono azul-escuro com o tigre prateado rendado nas costas era uma relíquia da
família, dos tempos aúreos de Kensaku Murakami, o avô do lado da família da
mãe. As espadas tivera-lhes oferecido Hyasuko. O conjunto era um pouco
patético, mas sóbrio. Quando o tio lhe pousou a wakizashi e a katana na
cintura, Arata ficou impressionado como eram pesadas. Era mais uma forma de fazer com que os braços
se habituassem ao peso de espadas.
Quando Arata passava por Shimabara, as gueishas
suspiravam, ao verem um rapaz com um rosto semelhante ao de uma raposa, os
olhos da cor da chuva, melancólicos, mas magnéticos. Toda a gente na escola de kenjutsu conhecia a beleza exótica de
Arata Murakami. Os olhos azuis captivavam qualquer um, e apesar das suas
origens duvidosas (toda a gente perguntava ao jovem Murakami-kun aonde ele
vivia e quando este dizia que ficava perto de Shimabara, todos arregalavam os
olhos). Arata parecia ser o típico rapaz aristocrático, de fala eloquente, com
um pequeno sorriso suave e sedutor, voz cristalina e pura. Desde os cinco anos
que Arata gostava de tocar piano, mas como a família era muito pobre, o mestre
de kenjutsu – por coincidência, era um antigo daimyo – decidiu oferecer a sua
casa para este não perder a prática. Admirava a forma como o jovem Arata
escrevia, falava e o seu óbvio talento não só com a espada, mas também com a arte
de lançar adagas a alvos incrivelmente distantes! Uma vez, este dissera à mãe,
que veio visitar a escola:
«O seu filho é um prodígio, Murakami-dōno...! Nunca vi um rapaz de origens tão humildes a
manejar uma espada e a comportar-se como um verdadeiro samurai! Também tem um
dom espantoso para a música e para a poesia…»
A Senhora Murakami corava um pouco embaraçada, como que
para fingir o orgulho que sentia em ter um rapaz que atraía a atenção de tudo e
de todos. Apesar de tudo, ela também recebia uma pequena crítica do velho
daimyo. O filho adorava piscar o olho à filha mais nova do senhor feudal. Esta
corava que nem um tomate quando lhe servia o chá, nos momentos em que este
chegava para tocar piano. Aqueles olhos azuis e hipnóticos simplesmente
punham-na nervosa.
Num dia normal como tantos outros, quando as flores de
cerejeira estavam no seu auge, no jardim esplendoroso do mestre do rapaz, a
filha do daimyo decidiu pedir ao jovem para que este tomasse chá com ela.
O rapaz aceitou prontamente, mas quando ia dizer os
bons-dias, reparou que a sua voz já não era tão aguda e encantadora. Saiu um
vozeirão de homem pela boca, o que deixou a pequena Hanako-san vermelha que nem
uma cereja.
«Está a mudar de voz, Murakami-kun?» Perguntou num
fiozinho de voz, depois de cumpridos os formais e habituais salamaleques.
«É uma voz arrepiante, não acha? Já nem consigo ir
comprar o arroz e o sakê, porque as empregadas ficam todas nervosas.» Respondeu
Arata, sombriamente, ainda com os olhos fixos no chão. Não queria parecer
mal-educado diante da filha do daimyo. «Depois é a altura, não reparou que
estou mais alto uns quarenta centímetros?»
«Sim, mas isso não quer dizer que não caiba na porta!»
Hanako riu-se um pouco, encantada com o facto da voz de Arata “Murakami” ainda
não ter mudado completamente. Era verdade que durante aqueles dois anos, o
nariz dele triplicara de tamanho aos quinze, o queixo estava a ficar grande
demais, e quando sorria, era como se os dentes caninos fossem maiores que os
outros, mas ele continuava a ser um rapaz muitíssimo educado e bom a ouvir os
problemas dela, uma jovem condenada a casar mais cedo ou mais tarde com um
homem muito mais velho que ela.
Ao ver que o jovem e formoso Arata tinha desaparecido
para dar lugar a um jovem envergonhado do seu próprio aspecto, Hanako indicou,
com a mão livre, as flores de cerejeira.
«Murakami-kun,
as coisas não podem ficar bonitas para sempre…além disso, ainda tem a espada, a
caligrafia, a poesia, o piano…»
De repente, a mão do jovem pousou discretamente na mão da
jovem filha do daimyo, que apesar de ser dois anos mais velha que ele, parecia
ser tão bela e inocente.
«Sim, creio que ainda há coisas que nunca mudam…!»
Suspirou, como se estivesse fascinado pela cor dos lábios da jovem Hanako
combinavam com as pétalas de flor de cerejeira.
«Tenha calma…!» Gaguejou a jovem, num tom ainda paciente.
«Acho que é melhor o senhor falar senão ainda perco a face.»
Arata riu-se, desta vez na voz ainda de jovem rapaz. Mas
foi uma risada amarga. Ao contar que fora sempre diferente dos outros rapazes,
quer estivesse na Alemanha, ou no Japão, a jovem Hanako começou a ficar cada
vez mais curiosa. Mas uma coisa que ele gostava muito era de apreciar os
jardins do “sensei”…
«Recordam-me da minha terra, lá na Alemanha…as árvores
são maiores que as casas, e devia ver os lagos…Adorava molhar os pés no Verão. Mas isto de mudar-me para o Japão é tudo culpa
das minhas tias. Elas são umas víboras, especialmente a Tia Shizuka, aquela
mulher que anda sempre com um cachimbo de tabaco. Apesar de não me baterem, eu
tenho a certeza que têm inveja de mim e da minha mãe. Lá na Alemanha, não tinha
amigos, tal como aqui. Porém, não havía criminalidade. Podia andar de um lado
para o outro, tocar piano livremente, respirar e espirrar o ar puro. As minhas
tias dizem-me que eu devia comportar-me mais como um Japonês, mas não posso
esquecer-me da minha tília, da Mãe, e do meu Pai. Pobre pateta, ele não percebe
uma palavra, e mesmo assim quer ser um rounin.
Se quer que lhe diga, acho que a minha Mãe casou com ele por pena. Eu tento
esforçar-me, e sei que um dia, vou ser um grande homem, tal como o meu avô
Kensaku.»
Passou a tarde inteira a falar de como se sentia que
queria ser um rapaz normal como todos os outros, mas como não era nem carne nem
peixe (nem Alemão, nem Japonês) era sempre frio e distante para com os jovens
da mesma idade. As pessoas mais velhas gostavam dele por ser obediente e leal
ao trabalho, os mais novos invejavam-no. Entretanto, os seus olhos brincavam um
pouco com a visão do longo cabelo de Hanako com a cabeleira presa com um pente
de âmbar. Os olhos dela baixavam, ou olhavam para as flores, enquanto ambos
caminhavam sobre a sombra das árvores do pai da jovem.
Curioso como era, ele esboçou um pequeno sorriso.
«Tem um cabelo tão bonito…porque é que não desprende o
cabelo?»
Hanako riu-se, muito envergonhada.
«Ah, não, não me peça uma coisa dessas, Murakami-kun! Demorou-me uma hora a
penteá-lo! Além disso, a minha Mãe iria ficar uma fera se me visse com o cabelo
despenteado!»
Arata repentinamente começou a aproximar-se dela, com
aquele sorriso brincalhão, como se ainda fosse uma criança.
«Vá lá, Hanako-san,
deixe-me ver o seu lindo cabelo a cair-lhe pelos ombros…Tenho a certeza que
deve ficar tão bonito como uma cascata!»
«É incorrigível, Murakami-kun!»
A jovem soltou um pequeno suspiro, enquanto tirava cuidadosamente os ganchos do
cabelo. Não conseguia resistir àquele sorriso e aqueles olhos azuis, brilhantes
como duas safiras.
Quando finalmente ela tirou tudo que lhe prendia o
cabelo, o jovem aprendiz não hesitou em tocar no cabelo dela.
«É a cascata mais bonita que eu já vi em toda a minha
vida…» Disse, num tom como se estivesse enfeitiçado.
Embaraçada, ela começou a ficar boquiaberta, ao ver que o
coração palpitava cada vez mais depressa. Aproveitou o facto de que estava a
ficar tarde para voltarem para a vivenda do pai. Com o cabelo a esconder metade
da face, ela parecia mais deslumbrante, mais encantadora. Arata inspirou
profundamente o perfume doce que vinha dela. Que pena que não fosse ainda
suficientemente conhecido para pedir a mão dela em casamento!
A Lua já aparecia no horizonte, a modos que as únicas
coisas que iluminava o rosto de Arata eram os candeeiros que ficavam perto da
entrada do jardim com a casa. Com metade do rosto oculto na penumbra, Adrian
Demetrius Von Tifon sentiu duas coisas afiadas no meio das pernas, e não eram
as suas espadas.
Antes que ela pudesse escapar para o quarto e
despedir-se, ele aproveitou o facto de que ainda estava no jardim para encostar
ao de leve a mão no queixo dela. Nem foi preciso usar o seu olhar paralisante.
Hanako estava demasiado envergonhada para dizer fosse o que fosse.
Os lábios dele foram suficientemente rápidos para lhe
darem um beijo intenso e molhado.
«Não consigo resistir aos teus lábios, Hanako-chan!» Sussurrou Arata, desta vez
naquela voz um pouco mais grave, o que provocou um calafrio no corpo da jovem.
Era como se alguém invísivel lhe tivesse roubado o seu primeiro beijo.
«Por favor…!» Murmurou a jovem, espantada e de olhos
arregalados. «É melhor ir-se embora, Murakami-kun!»
O jovem ajoelhou-se, um pouco conformado. Afinal de
contas, senão desaparecesse dali imediatamente, o nome da família podia ficar
ainda mais arruinado do que já estava. Ainda bem que as pessoas de Quioto já se
tinham esquecido de Kensaku Murakami.
«Como queira, minha princesa, peço imensas desculpas se a
incomodei.»
«Não faça pouco da minha cara!» Respondeu Hanako,
indignada com o comportamento um pouco infantil do jovem aprendiz.
«Mas eu estou a pedir-lhe desculpas como deve ser: para
mim, a menina é como se fosse uma princesa!» Disse Arata, num tom verdadeiramente
cortês. «Bom, faz-se tarde, e eu ainda tenho de memorizar os poemas do Mestre
Samiel em casa. Muito boa noite, Hanako-san.»
«Que poemas?» Hanako, que não era uma rapariga de ficar
rancorosa, lançou um olhar surpreendido para o jovem aprendiz de samurai.
«Se Vossa Senhoria me permitir, eu posso traduzi-los para
Japonês e mostro-lhos quando quiser.»
Quando os pais de Hanako chegaram da sua visita anual às
cerejeiras, a jovem estava com o cabelo surpreendentemente aprumado. Não havia
um único sinal de que alguém tinha tocado no cabelo dela.
Foi assim que Adrian Demetrius Von Tifon conseguiu
arranjar contactos entre as futuras altas esferas do governo Japonês. Todas as
semanas, ia a casa do daimyo para tocar piano, melhorar as suas habilidades com
a espada, e especialmente, recitar os poemas e histórias da Bellanária. O
daimyo era primo distante do clã dos Matsudaira, que detinha várias terras no
Japão.
No seu décimo terceiro aniversário, a Senhora Yui
tinha-lhe dado uma caixa de prata com uma pequena chave. Nessa caixa, o jovem
colocara uma mecha de cabelo de Hanako, e do seu belo incenso que mais se
assemelhava a uma bela tarde de Verão. Tal como na história do Caçador de
Almas, ele prometeu ser um grande feiticeiro, ou pelo menos um guerreiro
poderoso e influente. Se isso não fosse possível no Japão, talvez pudesse vir a
ocupar o tão desejado lugar que detinha o pai como Duque na Bellanária.
[1] Diminutivo ou honorífico
que se usa em Japonês quando se fala com pessoas mais novas ou com crianças.
Também é usado com as pré-adolescentes e entre as raparigas novas. No entanto,
também se usa com rapazes pequenos.
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