quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Que o Sol nunca acorde...

Daqui tifongirl...estava no deviantart como de costume quando reparei numa questão muito engraçada que as pessoas fazem quando são escritoras e querem apresentar os seus personagens:

"When and with whom was your first kiss?"  Quando e com quem é que foi o teu primeiro beijo? Nunca tinha pensado nisso em relação a uma certa personagem que eu tenho. Primeiro porque ele era demasiado velho para que eu conseguisse adivinhar, e depois porque o exercício de contar na primeira pessoa seria demasiado embaraçoso para o homem em questão. 

Porém, assim, hoje, o vento da inspiração bateu-me à porta e já não estava com problemas para descrever a cena. Posso muito bem imaginar como é que seria... Tenho andado mesmo interessada pela cultura oriental!

Culpa dele... ah, ah! 


O nome completo – Adrian Demetrius – era a mistura de nomes de vários santos, de acordo com a lei alemã, e não com a Bellante. “Demetrius” era a forma latinizada de “Deméter”, a deusa mãe da terra na Mitologia Grega. Enquanto Adrian era a forma Germânica de Hadrian “da Cidade Italiana de Hadra”. Não era exactamente o nome perfeito para um guerreiro que a Senhora Murakami queria, mas era o nome legal que os Alemães queriam. Em breve (dadas as circunstâncias em que as mulheres Alemãs da nobreza queriam tirar-lhe o filho para educa-lo segundo os princípios prostestantes cristãos) ela viu-se forçada a levar o pequeno para o Império do Sol-Nascente. Quando o jovem “Adrian-chan[1]” tinha oito anos, a mãe teve outro filho – Karl Adolf e ficou assim com um marido embaraçado por ter de explicar à sociedade alemã porque é que uma mulher de cinquenta e cinco anos continuava a ter uma barriga tão fértil. Foi por causa disso (e muito mais) que a mulher arranjou uma maneira de abandonar o jovem Kali-chan de um ano na Baviera, no meio do caminho. Adrian-chan ficara muito contente, por continuar a ser o filho preferido da “Mamã”, e por abandonar aquela terra horrorosa onde as mulheres o chamavam de mal-educado por ele pregar partidas – e que algumas até o ameaçavam de lhe bater. Passaram-se sete anos, e a “Mamã” tinha outro filho. O jovem Adrian ficou muito aborrecido por ter de compartilhar o “Casarão da Mamã” com um bebé chorão – que ainda para piorar não tinha um nome Japonês. Foi nessa altura que Adrian von Tifon queria ser tratado pelos “amigos” e pelos inimigos por Murakami e não pelo seu nome europeu. Sabia manejar a espada muito bem, e precisou menos que semanas para se destacar na Era Tokugawa como um samurai experiente. A honrada família Murakami ocultava bem a sua “raça demoníaca”, e a Senhora Yui era cuidadosa o suficiente para ensinar aos dois filhos os ensinamentos de como se comportar civilizadamente na sociedade Japonesa, seguidos por uma filhinha que nasceu em 1810.

O “Senhor Christophe”, o esposo, gostava muito mais do Japão do que a Alemanha. Ali era o patriarca e não tardou a ganhar um pouco de confiança para tentar ser um pouco mais bélico com os filhos. O jovem Martin sorria placidamente e desculpava-se pois ele estava muito ocupado nas suas lições de como ser um ninja e a forjar armas como devia ser. Adrian não era assim tão educado. Não falava uma única palavra em Alemão com o pai e forçava-o a falar em Japonês, coisa que Christoph bem que tentava dedicar-se mas era tão difícil que o filho, de uma maneira ou de outra, acabava por fazer troça do ar desolado do pai.

A Senhora Yui, uma mulher paciente e com uma natureza bondosa, ensinava o marido a pronunciar correctamente as palavras, a comportar-se para que as pessoas não pensassem que ele era “um parolo preguiçoso e idiota”, como as três irmãs da Senhora Yui o chamavam. Os maridos delas eram fortes e severos, com um porte espantoso.

O filho mais velho poucas vezes almoçava ou estava em casa, o jovem Martin Wolfgang quase que não aparecia em casa senão para comer e para dizer “bom dia” ou “boa noite”. Sobrava muito tempo à Senhora Yui para ensinar ela própria o marido – a não ser nas alturas em que tinha de tomar conta da pequena Jasmin. Sentia-se feliz pela filha e pelo marido serem assim tão simpáticos e generosos para com ela. Era uma recompensa vinda dos Deuses por trabalhar tanto na lida da casa, nos assuntos da família de samurais, e por ter de aturar os três insuportáveis cunhados.

Nessa altura, a família Murakami era pobre, uma vez que todas as irmãs e o Hyasuko Murakami tinham gastado todo o dinheiro a preparar o casamento com a irmã Yui. “Arata” vivia num bairro muito perto do bairro de prostituição de Shimabara, em Quioto. A casa abrigava a família principal Murakami: Hyasuko, com as suas duas mulheres, Shizuka e o seu marido, Musashi Makoto, Suzuki e o seu marido, e Yui com Christoph e os seus três filhos: Arata, Martin, e Jasmim. Em 1800, Arata teria os seus dezasseis anos. Era um jovem que fora obrigado pelas tias a rapar o cabelo cor de trigo queimado na frente aos treze para fazer um rabo-de-cavalo a trás. As tias queriam que ele se tornasse num grande samurai, um guerreiro que servisse os senhores feudais.

Todos os dias, ao voltar para a casa, Adrian Demetrius (mais conhecido por Arata Murakami, ou simplesmente Murakami-kun na escola de espadachins) tinha de ir comprar um quilo de arroz e de sakê e carregá-lo com apenas as sandálias de palha (era demasiado pobre para comprar as confortáveis choris de madeira com umas meias de seda). O dinheiro arranjava-lhe o tio com os seus talentos de músico e de guarda-costas de mafiosos que governavam as “casas-de-chá” de Shimabara. O quimono azul-escuro com o tigre prateado rendado nas costas era uma relíquia da família, dos tempos aúreos de Kensaku Murakami, o avô do lado da família da mãe. As espadas tivera-lhes oferecido Hyasuko. O conjunto era um pouco patético, mas sóbrio. Quando o tio lhe pousou a wakizashi e a katana na cintura, Arata ficou impressionado como eram pesadas.  Era mais uma forma de fazer com que os braços se habituassem ao peso de espadas.  

Quando Arata passava por Shimabara, as gueishas suspiravam, ao verem um rapaz com um rosto semelhante ao de uma raposa, os olhos da cor da chuva, melancólicos, mas magnéticos. Toda a gente na escola de kenjutsu conhecia a beleza exótica de Arata Murakami. Os olhos azuis captivavam qualquer um, e apesar das suas origens duvidosas (toda a gente perguntava ao jovem Murakami-kun aonde ele vivia e quando este dizia que ficava perto de Shimabara, todos arregalavam os olhos). Arata parecia ser o típico rapaz aristocrático, de fala eloquente, com um pequeno sorriso suave e sedutor, voz cristalina e pura. Desde os cinco anos que Arata gostava de tocar piano, mas como a família era muito pobre, o mestre de kenjutsu – por coincidência, era um antigo daimyo – decidiu oferecer a sua casa para este não perder a prática. Admirava a forma como o jovem Arata escrevia, falava e o seu óbvio talento não só com a espada, mas também com a arte de lançar adagas a alvos incrivelmente distantes! Uma vez, este dissera à mãe, que veio visitar a escola:

«O seu filho é um prodígio, Murakami-dōno...! Nunca vi um rapaz de origens tão humildes a manejar uma espada e a comportar-se como um verdadeiro samurai! Também tem um dom espantoso para a música e para a poesia…»

A Senhora Murakami corava um pouco embaraçada, como que para fingir o orgulho que sentia em ter um rapaz que atraía a atenção de tudo e de todos. Apesar de tudo, ela também recebia uma pequena crítica do velho daimyo. O filho adorava piscar o olho à filha mais nova do senhor feudal. Esta corava que nem um tomate quando lhe servia o chá, nos momentos em que este chegava para tocar piano. Aqueles olhos azuis e hipnóticos simplesmente punham-na nervosa.

Num dia normal como tantos outros, quando as flores de cerejeira estavam no seu auge, no jardim esplendoroso do mestre do rapaz, a filha do daimyo decidiu pedir ao jovem para que este tomasse chá com ela.

O rapaz aceitou prontamente, mas quando ia dizer os bons-dias, reparou que a sua voz já não era tão aguda e encantadora. Saiu um vozeirão de homem pela boca, o que deixou a pequena Hanako-san vermelha que nem uma cereja.

«Está a mudar de voz, Murakami-kun?» Perguntou num fiozinho de voz, depois de cumpridos os formais e habituais salamaleques.

«É uma voz arrepiante, não acha? Já nem consigo ir comprar o arroz e o sakê, porque as empregadas ficam todas nervosas.» Respondeu Arata, sombriamente, ainda com os olhos fixos no chão. Não queria parecer mal-educado diante da filha do daimyo. «Depois é a altura, não reparou que estou mais alto uns quarenta centímetros?»

«Sim, mas isso não quer dizer que não caiba na porta!» Hanako riu-se um pouco, encantada com o facto da voz de Arata “Murakami” ainda não ter mudado completamente. Era verdade que durante aqueles dois anos, o nariz dele triplicara de tamanho aos quinze, o queixo estava a ficar grande demais, e quando sorria, era como se os dentes caninos fossem maiores que os outros, mas ele continuava a ser um rapaz muitíssimo educado e bom a ouvir os problemas dela, uma jovem condenada a casar mais cedo ou mais tarde com um homem muito mais velho que ela.

Ao ver que o jovem e formoso Arata tinha desaparecido para dar lugar a um jovem envergonhado do seu próprio aspecto, Hanako indicou, com a mão livre, as flores de cerejeira.

«Murakami-kun, as coisas não podem ficar bonitas para sempre…além disso, ainda tem a espada, a caligrafia, a poesia, o piano…»  

De repente, a mão do jovem pousou discretamente na mão da jovem filha do daimyo, que apesar de ser dois anos mais velha que ele, parecia ser tão bela e inocente.

«Sim, creio que ainda há coisas que nunca mudam…!» Suspirou, como se estivesse fascinado pela cor dos lábios da jovem Hanako combinavam com as pétalas de flor de cerejeira.

«Tenha calma…!» Gaguejou a jovem, num tom ainda paciente. «Acho que é melhor o senhor falar senão ainda perco a face.»

Arata riu-se, desta vez na voz ainda de jovem rapaz. Mas foi uma risada amarga. Ao contar que fora sempre diferente dos outros rapazes, quer estivesse na Alemanha, ou no Japão, a jovem Hanako começou a ficar cada vez mais curiosa. Mas uma coisa que ele gostava muito era de apreciar os jardins do “sensei”

«Recordam-me da minha terra, lá na Alemanha…as árvores são maiores que as casas, e devia ver os lagos…Adorava molhar os pés no Verão.  Mas isto de mudar-me para o Japão é tudo culpa das minhas tias. Elas são umas víboras, especialmente a Tia Shizuka, aquela mulher que anda sempre com um cachimbo de tabaco. Apesar de não me baterem, eu tenho a certeza que têm inveja de mim e da minha mãe. Lá na Alemanha, não tinha amigos, tal como aqui. Porém, não havía criminalidade. Podia andar de um lado para o outro, tocar piano livremente, respirar e espirrar o ar puro. As minhas tias dizem-me que eu devia comportar-me mais como um Japonês, mas não posso esquecer-me da minha tília, da Mãe, e do meu Pai. Pobre pateta, ele não percebe uma palavra, e mesmo assim quer ser um rounin. Se quer que lhe diga, acho que a minha Mãe casou com ele por pena. Eu tento esforçar-me, e sei que um dia, vou ser um grande homem, tal como o meu avô Kensaku.»

Passou a tarde inteira a falar de como se sentia que queria ser um rapaz normal como todos os outros, mas como não era nem carne nem peixe (nem Alemão, nem Japonês) era sempre frio e distante para com os jovens da mesma idade. As pessoas mais velhas gostavam dele por ser obediente e leal ao trabalho, os mais novos invejavam-no. Entretanto, os seus olhos brincavam um pouco com a visão do longo cabelo de Hanako com a cabeleira presa com um pente de âmbar. Os olhos dela baixavam, ou olhavam para as flores, enquanto ambos caminhavam sobre a sombra das árvores do pai da jovem.

Curioso como era, ele esboçou um pequeno sorriso.

«Tem um cabelo tão bonito…porque é que não desprende o cabelo?»

Hanako riu-se, muito envergonhada.

«Ah, não, não me peça uma coisa dessas, Murakami-kun! Demorou-me uma hora a penteá-lo! Além disso, a minha Mãe iria ficar uma fera se me visse com o cabelo despenteado!»

Arata repentinamente começou a aproximar-se dela, com aquele sorriso brincalhão, como se ainda fosse uma criança.

«Vá lá, Hanako-san, deixe-me ver o seu lindo cabelo a cair-lhe pelos ombros…Tenho a certeza que deve ficar tão bonito como uma cascata!»

«É incorrigível, Murakami-kun!» A jovem soltou um pequeno suspiro, enquanto tirava cuidadosamente os ganchos do cabelo. Não conseguia resistir àquele sorriso e aqueles olhos azuis, brilhantes como duas safiras.

Quando finalmente ela tirou tudo que lhe prendia o cabelo, o jovem aprendiz não hesitou em tocar no cabelo dela.

«É a cascata mais bonita que eu já vi em toda a minha vida…» Disse, num tom como se estivesse enfeitiçado.

Embaraçada, ela começou a ficar boquiaberta, ao ver que o coração palpitava cada vez mais depressa. Aproveitou o facto de que estava a ficar tarde para voltarem para a vivenda do pai. Com o cabelo a esconder metade da face, ela parecia mais deslumbrante, mais encantadora. Arata inspirou profundamente o perfume doce que vinha dela. Que pena que não fosse ainda suficientemente conhecido para pedir a mão dela em casamento!

A Lua já aparecia no horizonte, a modos que as únicas coisas que iluminava o rosto de Arata eram os candeeiros que ficavam perto da entrada do jardim com a casa. Com metade do rosto oculto na penumbra, Adrian Demetrius Von Tifon sentiu duas coisas afiadas no meio das pernas, e não eram as suas espadas.

Antes que ela pudesse escapar para o quarto e despedir-se, ele aproveitou o facto de que ainda estava no jardim para encostar ao de leve a mão no queixo dela. Nem foi preciso usar o seu olhar paralisante. Hanako estava demasiado envergonhada para dizer fosse o que fosse.

Os lábios dele foram suficientemente rápidos para lhe darem um beijo intenso e molhado.

«Não consigo resistir aos teus lábios, Hanako-chan!» Sussurrou Arata, desta vez naquela voz um pouco mais grave, o que provocou um calafrio no corpo da jovem. Era como se alguém invísivel lhe tivesse roubado o seu primeiro beijo. 

«Por favor…!» Murmurou a jovem, espantada e de olhos arregalados. «É melhor ir-se embora, Murakami-kun

O jovem ajoelhou-se, um pouco conformado. Afinal de contas, senão desaparecesse dali imediatamente, o nome da família podia ficar ainda mais arruinado do que já estava. Ainda bem que as pessoas de Quioto já se tinham esquecido de Kensaku Murakami.

«Como queira, minha princesa, peço imensas desculpas se a incomodei.»

«Não faça pouco da minha cara!» Respondeu Hanako, indignada com o comportamento um pouco infantil do jovem aprendiz.

«Mas eu estou a pedir-lhe desculpas como deve ser: para mim, a menina é como se fosse uma princesa!» Disse Arata, num tom verdadeiramente cortês. «Bom, faz-se tarde, e eu ainda tenho de memorizar os poemas do Mestre Samiel em casa. Muito boa noite, Hanako-san

«Que poemas?» Hanako, que não era uma rapariga de ficar rancorosa, lançou um olhar surpreendido para o jovem aprendiz de samurai.

«Se Vossa Senhoria me permitir, eu posso traduzi-los para Japonês e mostro-lhos quando quiser.»

Quando os pais de Hanako chegaram da sua visita anual às cerejeiras, a jovem estava com o cabelo surpreendentemente aprumado. Não havia um único sinal de que alguém tinha tocado no cabelo dela. 

Foi assim que Adrian Demetrius Von Tifon conseguiu arranjar contactos entre as futuras altas esferas do governo Japonês. Todas as semanas, ia a casa do daimyo para tocar piano, melhorar as suas habilidades com a espada, e especialmente, recitar os poemas e histórias da Bellanária. O daimyo era primo distante do clã dos Matsudaira, que detinha várias terras no Japão.

No seu décimo terceiro aniversário, a Senhora Yui tinha-lhe dado uma caixa de prata com uma pequena chave. Nessa caixa, o jovem colocara uma mecha de cabelo de Hanako, e do seu belo incenso que mais se assemelhava a uma bela tarde de Verão. Tal como na história do Caçador de Almas, ele prometeu ser um grande feiticeiro, ou pelo menos um guerreiro poderoso e influente. Se isso não fosse possível no Japão, talvez pudesse vir a ocupar o tão desejado lugar que detinha o pai como Duque na Bellanária.



[1] Diminutivo ou honorífico que se usa em Japonês quando se fala com pessoas mais novas ou com crianças. Também é usado com as pré-adolescentes e entre as raparigas novas. No entanto, também se usa com rapazes pequenos.

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