segunda-feira, 28 de maio de 2012

Lermmhiar, o demónio da inveja

"...E depois havia Yemelian, o primeiro filho da Primeira Mulher do Velho...Embora esse não fosse o seu nome verdadeiro, foi obrigado a mudar de nome quando chegou à Bellanária. O próprio nome dele que o Velho o tratava significava "O Inominável".  Isso significava que Yemelian (o seu nome Latino significava "O Rival", nome esse que lhe assentava que nem uma luva) era tratado como o filho primogénito na nossa numerosa família. O outro nome dele era Berke, o que significava "Duro", que traduzido para Beno (Urso) em Latim dava um ar nada ameaçador ao meu meio-irmão adoptivo. Rival Inominável - cá para mim podiam ter-lhe crescido os dentes caninos mais cedo e ele continuava o mesmo idiota demoníaco lambe-botas de sempre...."  



Yemelian, o filho  mais velho de Uarasaki,  era um jovem dos seus vinte e poucos anos quando descobrira que Zah Min (como era tratado nos bairros de imigrantes, de comerciantes e de escravos da Cidade dos Deuses) tinha-se apaixonado pela sobrinha do Imperador. A Samiel,  Jamelino lembrava uma coruja com os olhos negros como duas opalas, um nariz pontiagudo e pequenino, curvo, e o seu rosto redondo....por vezes chamava-lhe outros nomes piores. Nessa altura, Jamelino não passava de um jovem aprendiz de bruxo que gostava de praticar as ciências ocultas da Magia Universal. Enquanto o irmão era um apaixonado pela harpa, o irmão preferia atiro ao arco, o manejar da espada e passava os dias na caça com o seu querido familiar preferido. Não é que Yemelian não tivesse aptidão para a música...só achava que era demasiado fanhoso e masculino para que alguma dama - nem que fosse uma cortesã dos bairros onde a família vivia - apreciasse o seu canto. 

Para aqueles que se perguntavam de onde e como viera ao mundo este homem - que apesar de ter menos beleza do mais famoso sedutor que alguma vez navegara entre o arquipélago das ilhas Bellantes, não se podia dizer que não fosse menos astucioso que o protagonista das Crónicas do Tempo e da Lógica - eis a história de Yemelian Berke Di Euncätzio. 

Ora, conta-se que certo dia, o filho primogénito dos Di Euncätzio, numa tarde de feriado no calendário lunar Bellante, foi à caça de uma bela corça Bellante,  acompanhado pelos seus irmãos mais novos Saburou, Hayabusa, e os amigos de Samiel: Nimtauk e Jerininantus. E todos eles, disfarçados de Encantadores das Montanhas, se encaminharam nos seus distintos cavalos em direcção ao Gulmin. Pois Hayabusa, tendo visto o irmão mais velho atormentado pela seca que se vivia no Sul, sugeriu que era melhor passarem pelos rios do norte, pois estes podiam refrescar a vivacidade de um homem com as suas qualidades divinas.   

Depois de algumas horas a perseguirem uma daquelas preciosas corças que só vendo uma pessoa poderia acreditar o quão graciosas e o quão suculentas poderiam ser, perto das margens do Gulmin, os cinco feiticeiros repararam numa voz doce e sonhadora a cantar em Bellante. E como o sotaque Greco-latino da elite Bellante era sempre muito difícil de entender para os comerciantes e nómadas vindos da Ásia, Yemelian pediu a Jerininantus (o único aprendiz de feiticeiro que tinha origens verdadeiramente Bellantes) lhe traduzisse o que aquela voz de santa estava a dizer. 

Jerininantus, um homem de estatura baixa e com uma falta de escrúpulos notável,  traduziu o que a voz estava a dizer:

 Se ao menos soubesse, querida flor de lótus, ai, ai, 
Quem é realmente o jaguar na escuridão, 
Do licor de framboesa inebriante, vermelho e negro 
Oh, eles aparecem ambos nos olhos de jade, 

Ai, ai, coração de jade, coração de seda mais branca, 
Vê se não te ofereces em sacrifício ao Deus alheio,  
- Mas como poderei eu, ai, ai, 
Se o meu coração é uma pomba, o meu coração é uma folha
No meio do Outono, a voar pelo vento nocturno? 

O olhar do barco de jade é um convite, 
Ai, ai, se eu conseguisse descobrir o que está por detrás da caixa, 
Oh, oh, se for uma adaga de obsidiana, pode furar a taça, 
Que vergonha e que doce fruto sairá do cálice....


 

Ao saber o que as estrofes significavam, o filho varão perguntou: 

- Saburou, a quem pertence tão bela voz?   

Respondeu o terceiro filho de Uarasaki: 

- Meu respeitável irmão mais velho, em boa verdade, o meu ouvido nunca ouviu voz mais bela e deliciosa! 

De súbito, Hayabusa ficou um pouco tenso.

- Irmão mais velho, é melhor esconder-nos, senão me engano este trote são os dos cavalos da Guarda Imperial! - Avisou o jovem irmão do meio.  

O gigante mongol Nimtauk começou a cantar uma canção ruidosa e cómica em Chinês antigo. Tinha uma boa voz que ressoava no entardecer como se fosse o ruído de um barco. Hayabusa e Saburou fizeram um enorme esforço para não se rirem, enquanto tiravam de alguns pergaminhos e começaram a acompanhar a melodia com umas ladainhas e rimas inventadas na língua das mulheres Japonesas. Espalharam um pouco de incenso queimado pelo chão, enquanto cavalgavam ao lado do irmão mais velho.  

Detiveram-se por uns momentos, e ali estavam os Guardas Imperiais com os seus cavalos cor de bronze altíssimos e sagrados, de crina encaracolada e cor de avelã prateada. 


Jerininantus acompanhou no acordeão Bellante, enquanto baixava o capuz do manto esfarrapado cor de sangue. 


Os guardas, espantados com o talento dos "Encantadores das Montanhas, bateram palmas enquanto os pequenos filhos dos camponeses das margens do rio se debatiam para ver mais de perto os tais artistas ambulantes com vozes exóticas e perfumes encantadores.  

Mas Yemelian não ficou de todo embaraçado com este espectáculo. De facto, isso era uma maneira de evitarem uma luta desnecessária com os guardas. 

Limitou-se a inclinar respeitosamente a cabeça, enquanto ocultava a fealdade demoníaca do rosto com o capuz da manta de Inverno. Os seus companheiros - alguns amigos do bairro dos comerciantes e escravos - fizeram o mesmo, ao baixarem solenemente as armas, em sinal de respeito e submissão ao Imperador das ilhas Bellantes. Fizeram um solene silêncio ao passarem pela carruagem da princesa da família Imperial. 
  
Com o falcão num dos ombros e em cima do cavalo, ele não pronunciou uma palavra sequer. 

Estivesse Eris ou não encantada pelos seus modos, ele continuou a trotear com o cavalo. Porém, a ave encantada continuava com os olhos fixos nos belos cabelos cor de fogo da jovem princesa, ocultos aos olhos do mais comum dos mortais, velados por um véu de cor aveludada e roxa.   

Ao voltar para casa, no entanto sem saber de quem era tal voz - adivinhava que se tratava de uma princesa, mas nunca tivera passado pela cabeça que fora a mesma que Samiel arrebatara o coração - ele sonhou com a princesa e imaginou-a como viera ao mundo, com os seios brancos e bem proporcionados...!    
    

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