segunda-feira, 30 de abril de 2012

A boneca de maçapão

Um excerto de uma das histórias do Assassino do Amor quando este já vai atingir os mil anos de idade...

980 depois de Cristo 

- Que linda boneca de maçapão… - Exclamou a jovem rapariga de origens estrangeiras, enquanto olhava fascinada para a montra do pasteleiro. 

O homem com uma longa túnica de couro para o proteger do calor esboçou um sorriso amargo.

- É inspirada na minha musa…A mulher que destruiu o meu coração! – Murmurou o homem numa voz sinistra, arrepiante e metálica, com um sotaque tipicamente do norte, que arranhava as orelhas com um sentimento desagradável.

- Credo! – A mulher suspirou um pouco espantada, enquanto ajeitava a túnica azul de turquesa, com um perfume doce, mas subtil a pairar em volta da figura graciosa. – Se a odeia assim tanto porque é que fez uma boneca de maçapão em honra dela?

Dois olhos penetrantes cor de jade brilhavam, polidos e incrustados naquela estátua gelada de anjo caído.

- Talvez porque mesmo que ela tenha sido uma das razões da minha ruína, não posso deixar de esquecer que ela era uma verdadeira beldade!

Desde que entrara naquela loja que a jovem filha do Encantador de Montanhas ficara sumamente impressionada com aquele homem alto, de trinta e tal anos, com um pequeno sorriso nos lábios efeminados. O mais impressionante é que não bastava pouco para que aquelas mãos magras, finas como patas nuas de uma aranha, lhe tocassem ao de leve.

Porém, a pequena, com o rosto mediterrânico oculto debaixo do véu de seda, estava encantada com o realismo com que a boneca de longos cabelos da cor do morango tinha sido desenhada, com aqueles dois olhos tão brilhantes como avelãs a resplandecerem, e um corpo elegante de cobertura de chocolate de leite macio e cremoso. As faces estavam polvilhadas com uma pequena dose de canela, com lábios pintados com uma pequena calda de framboesa, com um narizinho e umas sobrancelhas de chocolate preto quente bem esculpidas.

Só o cheiro intenso a canela e a baunilha era suficiente para que ela ficasse com a boca seca e molhada ao mesmo tempo.

A jovem filha do Encantador de Montanhas estava completamente fascinada com a beleza da boneca da Princesa Eris.

- Parece tão real! Como é que um homem que tem tanto ódio no coração pode ter feito uma coisa tão preciosa? – Indagou a jovem, enquanto inalava um pouco embaraçada o perfume a chocolate suave e apetitoso vindo da boneca, com ambas as bochechas coradas.

- Se quiser, pode levá-la, Sra. Freguesa…

De repente, a respeitável Filha do Encantador de Montanhas arqueou as sobrancelhas, ao erguer os olhos castanhos em direcção ao confeiteiro. Abanou receosamente a cabeça, ao reparar o quão cremoso e carinhoso era aquele sorriso, tão suave, e no entanto tão quente quanto um copo de saquê.

- Eu…Eu n-n-não posso! – Respondeu ela, com um ar de quem pedia desculpas. – O que é que o meu pai e a minha mãe diriam se eu lhes dissesse que gastei todo o dinheiro para as compras numa coisa tão frívola como um doce?

Antes que ela recuasse para sair da loja, o homem fez uma vénia formal e pegou com o maior dos cuidados na boneca. 

- Por favor, é por conta da casa. Afinal de contas, creio que essa boneca só me traz más-recordações.

A rapariga não fazia a mínima ideia quem era o homem, nem em quem tinha sido inspirada a boneca. No entanto, algo incitava-a a levar aquele objecto tão precioso e tão ricamente ornamentado ao mesmo tempo. O próprio pasteleiro (que era ao mesmo tempo confeiteiro) tinha um rosto que se assemelhava a leite-creme…!

Quando chegou ao quarto, a jovem pousou a boneca perto da cama, para que a pudesse ver todos os dias. A verdade é que esta era tão bonita que a jovem Izdihar não conseguia comê-la.  Porém, quando suou a uma da manhã, ela devorou-a de uma só dentada.

Na manhã seguinte, ela viu-se presa numa enorme cama, com fitas de couro cor de chocolate a paralisarem-lhe os braços. A cama de mogno escuro por si só tinha um cobertor quente de pele da cor do sangue. As janelas estavam cobertas por cortinas cor de esmeralda escura, polida e perfumada com uma fragrância intensa e picante de homem. As paredes, frias e cinzentas, estavam decoradas com figuras terríficas de demónios dourados. Uma pequena túnica da cor da flor de pêssego, suave tal como algodão-doce cobria o peito avantajado da jovem de dezoito anos.  

«Como é que eu vim parar aqui…?» Perguntou Izdihar para si própria, assustada. Não se lembrava de nada, a não ser de depois de ter comido a estatueta de cair num sono profundo…Porque teria comido aquela boneca?

Um vento gelado percorreu-lhe a espinha! O ranger das portas cor de cal sibilou nas orelhas dela, à medida que a terceira filha do Encantador das Montanhas tremia com o suor quente a escorrer pelas têmporas delicadas.

Um sorriso carnívoro e afiado brilhou na penumbra da alva.

- Izdihar… - Uma voz familiar e aguda ecoou nas orelhas dela, enquanto a silhueta alta de um homem com longos cabelos cor do sangue se afigurava nas sombras das paredes iluminadas por um candeeiro de papel ténue de canela.

- Eu-eu lembro-me de vós…Sois o pasteleiro que me vendeu aquela boneca de maçapão! – Exclamou a rapariga num gemido, indignada pelo homem a ter enganado.

O Assassino do Amor soltou uma risada trocista ao aproximar-se da jovem rapariga, as botas de couro a ressoarem no chão de madeira.

- És mais esperta do que eu pensava, minha querida. – O tom de voz falsete era obviamente irónico, enquanto ele encostava-se na cama, muito satisfeito por ter finalmente aquilo que queria.

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