980 depois de Cristo
- Que linda
boneca de maçapão… - Exclamou a jovem rapariga de origens estrangeiras,
enquanto olhava fascinada para a montra do pasteleiro.
O homem com
uma longa túnica de couro para o proteger do calor esboçou um sorriso amargo.
- É inspirada
na minha musa…A mulher que destruiu o meu coração! – Murmurou o homem numa voz
sinistra, arrepiante e metálica, com um sotaque tipicamente do norte, que
arranhava as orelhas com um sentimento desagradável.
- Credo! – A mulher
suspirou um pouco espantada, enquanto ajeitava a túnica azul de turquesa, com
um perfume doce, mas subtil a pairar em volta da figura graciosa. – Se a odeia
assim tanto porque é que fez uma boneca de maçapão em honra dela?
Dois olhos
penetrantes cor de jade brilhavam, polidos e incrustados naquela estátua gelada
de anjo caído.
- Talvez
porque mesmo que ela tenha sido uma das razões da minha ruína, não posso deixar
de esquecer que ela era uma verdadeira beldade!
Desde que
entrara naquela loja que a jovem filha do Encantador de Montanhas ficara
sumamente impressionada com aquele homem alto, de trinta e tal anos, com um
pequeno sorriso nos lábios efeminados. O mais impressionante é que não bastava
pouco para que aquelas mãos magras, finas como patas nuas de uma aranha, lhe tocassem
ao de leve.
Porém, a
pequena, com o rosto mediterrânico oculto debaixo do véu de seda, estava
encantada com o realismo com que a boneca de longos cabelos da cor do morango
tinha sido desenhada, com aqueles dois olhos tão brilhantes como avelãs a resplandecerem,
e um corpo elegante de cobertura de chocolate de leite macio e cremoso. As
faces estavam polvilhadas com uma pequena dose de canela, com lábios pintados
com uma pequena calda de framboesa, com um narizinho e umas sobrancelhas de
chocolate preto quente bem esculpidas.
Só o cheiro
intenso a canela e a baunilha era suficiente para que ela ficasse com a boca
seca e molhada ao mesmo tempo.
A jovem filha
do Encantador de Montanhas estava completamente fascinada com a beleza da
boneca da Princesa Eris.
- Parece tão
real! Como é que um homem que tem tanto ódio no coração pode ter feito uma
coisa tão preciosa? – Indagou a jovem, enquanto inalava um pouco embaraçada o
perfume a chocolate suave e apetitoso vindo da boneca, com ambas as bochechas
coradas.
- Se quiser,
pode levá-la, Sra. Freguesa…
De repente, a
respeitável Filha do Encantador de Montanhas arqueou as sobrancelhas, ao erguer
os olhos castanhos em direcção ao confeiteiro. Abanou receosamente a cabeça, ao
reparar o quão cremoso e carinhoso era aquele sorriso, tão suave, e no entanto
tão quente quanto um copo de saquê.
- Eu…Eu
n-n-não posso! – Respondeu ela, com um ar de quem pedia desculpas. – O que é
que o meu pai e a minha mãe diriam se eu lhes dissesse que gastei todo o
dinheiro para as compras numa coisa tão frívola como um doce?
Antes que ela
recuasse para sair da loja, o homem fez uma vénia formal e pegou com o maior
dos cuidados na boneca.
- Por favor,
é por conta da casa. Afinal de contas, creio que essa boneca só me traz
más-recordações.
A rapariga
não fazia a mínima ideia quem era o homem, nem em quem tinha sido inspirada a
boneca. No entanto, algo incitava-a a levar aquele objecto tão precioso e tão
ricamente ornamentado ao mesmo tempo. O próprio pasteleiro (que era ao mesmo
tempo confeiteiro) tinha um rosto que se assemelhava a leite-creme…!
Quando chegou
ao quarto, a jovem pousou a boneca perto da cama, para que a pudesse ver todos
os dias. A verdade é que esta era tão bonita que a jovem Izdihar não conseguia
comê-la. Porém, quando suou a uma da
manhã, ela devorou-a de uma só dentada.
Na manhã
seguinte, ela viu-se presa numa enorme cama, com fitas de couro cor de
chocolate a paralisarem-lhe os braços. A cama de mogno escuro por si só tinha
um cobertor quente de pele da cor do sangue. As janelas estavam cobertas por
cortinas cor de esmeralda escura, polida e perfumada com uma fragrância intensa
e picante de homem. As paredes, frias e cinzentas, estavam decoradas com
figuras terríficas de demónios dourados. Uma pequena túnica da cor da flor de
pêssego, suave tal como algodão-doce cobria o peito avantajado da jovem de
dezoito anos.
«Como é que
eu vim parar aqui…?» Perguntou Izdihar para si própria, assustada. Não se
lembrava de nada, a não ser de depois de ter comido a estatueta de cair num
sono profundo…Porque teria comido aquela boneca?
Um vento gelado
percorreu-lhe a espinha! O ranger das portas cor de cal sibilou nas orelhas
dela, à medida que a terceira filha do Encantador das Montanhas tremia com o
suor quente a escorrer pelas têmporas delicadas.
Um sorriso
carnívoro e afiado brilhou na penumbra da alva.
- Izdihar… -
Uma voz familiar e aguda ecoou nas orelhas dela, enquanto a silhueta alta de um
homem com longos cabelos cor do sangue se afigurava nas sombras das paredes
iluminadas por um candeeiro de papel ténue de canela.
- Eu-eu lembro-me
de vós…Sois o pasteleiro que me vendeu aquela boneca de maçapão! – Exclamou a
rapariga num gemido, indignada pelo homem a ter enganado.
O Assassino
do Amor soltou uma risada trocista ao aproximar-se da jovem rapariga, as botas
de couro a ressoarem no chão de madeira.
- És mais
esperta do que eu pensava, minha querida. – O tom de voz falsete era obviamente
irónico, enquanto ele encostava-se na cama, muito satisfeito por ter finalmente
aquilo que queria.
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