segunda-feira, 18 de abril de 2011

A Princesa Arco-Íris e o Assassino do Amor (Parte I)


Não tenho jeito nenhum para encontrar esta imagem num formato em que só se visse a capa, mas é o meu anime favorito... E pensar que eu há uns dias nem fazia a minima ideia que tinha sido feito em 1992 (que coincidencia no ano em que nasci!)

Há imenso tempo, uns dez anos antes da morte de Eris, nasceu uma menina no seio da Família Real da Bellanária. Mais bonita que todas as estrelas, com um cabelo cor de almíscar, olhos castanhos e grandes, faces redondas, pequeninas e cremosas como um molho perfumado de chocolate. Os lábios, esses, eram lindos filhos da Lua em quarto crescente como se fossem amoras tentadoras.

Esta prima de Eris de pele escura como a canela, abençoada com um sorriso de pérolas preciosas e brilhantes, tinha como nome Sarvahdinada, o que significa em Bellante: “Filha da Corrente Sorridente”.

Na altura em que a história se passa, tinha a jovem uns doze aninhos, que saltitava por entre as escadas de mármore branco de Suryadevnahutbal, o bairro da Cidade dos Deuses que incluía os vários palácios e moradias onde a numerosa Corte do Império da Bellanária morava. Nessas ruas enormes e limpas, existiam lindíssimos espaços verdes, e jardins coloridos, e também havia fontes frescas que a princesinha gostava de cheirar.

Com o lindo cabelo a balançar e a ondular como se fosse uma bandeira a esvoaçar ao som do vento, ela brincava com as aves, tentando apanhá-las com os seus saltos. Quase tropeçava no véu comprido e saboroso de seda que era da cor celeste. Usava um sari que lembrava os pinhos murmurantes do Norte, e tinha pendurado no cabelo da cor da noite sempre bem penteado, no topo da cabeleira uma flor de lótus branca, como todas as filhas de Neptuno.

Os poetas gabavam-lhe a inocência, os nobres exaltavam a sua beleza, os sacerdotes elogiavam-lhe a pureza, e os músicos admiravam a sua criatividade.

Mas a princesa Sarvahdinada não dava conta de nada, sendo tão pequena e tão dada à Natureza.

E ela com a sua trança semelhante a uma escultura polida de alabastro gostava de dar as suas escapadelas de vez em quando e ir brincar com as crianças da floresta, as Fadas que não trabalhavam no bairro destinado à nobreza, aos sacerdotes e à Família Real.

A mãe – a Rainha Melnjar – já lhe tinha dito milhares de vezes para não se aventurar na floresta. Era óbvio que a rainha estimava muito a sua filha, e não queria que nada de mal lhe acontecesse. Dizia que havia pessoas muito más e animais perigosos na floresta.

«Se te afastares demasiado do Sul, acabarás por vir ter às montanhas para lá das florestas iluminadas, do outro lado dos desfiladeiros, que é aonde os Demónios e outros monstros moram! E nunca dês conversa a estranhos ou a músicos deambulantes ou a mercadores. Esses são os piores malvados!»

Mas, que podia Sarvahdinada fazer? Simplesmente, ela adorava os campos verdes que davam para a floresta, e depois as crianças que eram filhas dos camponeses eram muito mais divertidas que as aias ou as damas de companhia.

O encanto das flores selvagens era muito mais deslumbrante que as flores e pássaros e outros animais que havia nos jardins de Suryadevnahutbal.

Apesar dos avisos, apesar das histórias que ouvia sobre jaguares, tigres, e outras criaturas assustadoras, a menina uma vez foi apanhar framboesas com umas amigas camponesas, no Norte.

Ia e descobria os vários caminhos da Floresta de Cristal, que, à medida que via, estavam cercados de cerejeiras, pessegueiros em flor, e algumas outras flores de Inverno como camélias e alguns narcisos. As árvores variavam de pequenos chorões a enormes castanheiros, que faziam com que o Sol reflectisse os seus raios num espectáculo de amarelos, dourados e verdes espantosos.

Mais adiante, elas chegaram a uma pradaria de oliveiras, ervas lamacentas, um campo de trigo e ainda um pouco frias do Inverno. Ao sabor do vento, elas reparam nuns ciprestes e sobreiros, e alguns pinheiros bravos que se estendiam de uma encosta abaixo, até a um vale.

De lá de baixo, vinham uns vapores a óleo de tortilha, queimado, juntamente com mel e cerveja. Alguém estava a cozinhar naquele castelo, bem no fundo do vale, de cujas chaminés pontiagudas e vermelhas saía aquele aroma apetitoso.

«Temos de ter cuidado.» Avisou repentinamente uma das camponesas. «Não podemos ir para aquele vale. Vive lá um homem muito mais perigoso que os Demónios.» Quando a princesa, com o cabelo penteado de forma diferente e um vestido cor-de-rosa, perguntou que tipo de homem era esse, nenhuma das duas raparigas quiseram responder.

Curiosa, ela reparou que, nesse vale que as duas meninas apontavam estava cheio de framboeseiros.

«Porque não haverei de ir a um vale onde as framboesas parecem ser tão boas e suculentas?» Deliciada com o vermelho macio dos frutos, muito semelhantes aos telhados das torres do castelo imponente, ela não resistiu em descer a encosta abaixo, sentindo-se mais livre que um passarinho.

Tão apressada ia ela, que se esqueceu que o dia já ia longe, e que o Sol não tardava em pôr-se. Mesmo assim, não tardou que as outras duas raparigas lhe seguissem para verem mesmo se os troncos molhados que flutuavam nas pequenas poças douradas pelo pôr-do-sol eram mesmo de pão doce e canela.

As três raparigas ficaram admiradas, pois tudo o que se encontrava naquele vale parecia ser comestível. Por que razão chamariam àquele vale de Vale da Morte? Não havia ali nenhum castelo assustador, nem nenhum feiticeiro malvado….Apenas poças de néctar de pêssego e umas árvores que tinham o leve sabor a menta.

Sarvahdinada entretanto não tardou a colher o maior número de framboesas, evitando assim às outras delícias que se encontravam no vale.

As outras duas raparigas, após algumas horas, começaram a sentir-se mal. De um momento para o outro, sem que a princesa desse por isso, enormes serpentes verdes com cabeças de mulheres malvadas saíram dos lagos para levar as meninas. Eram náiades, as mulheres do povo Naga, as servas e filhas da maldita Rusalka!

Por vezes, elas aproveitavam-se do chamariz do Assassino do Amor para levar umas raparigas inocentes para a Fronteira. Muitas meninas tinham assim desaparecido sem que os pais dessem por isso, não por culpa do Mestre Samiel, mas sim por causa daquelas mulheres demoníacas com caninos longos e olhos malignos de cobra. Algumas eram chamadas de nereidas, outra espécie de fadas más.

Mas alguém estava à espreita. Os olhinhos alarmados e indignados de Jerininantus dirigiram um poderoso feitiço de fogo, discreto para que as mulheres serpentes se fossem embora. «Elas não podem matar a próxima vítima do Mestre!»

Quando a jovem menina se apercebeu que tudo não passava de uma ilusão criada por uma estranha Magia Negra, ela ainda conseguiu ver que não tinha comido nem uma única baga de framboesa. Estavam todas ali. Estava prestes a escurecer, ela tinha de voltar para casa o quanto antes. Contudo, os ciprestes e os pinheiros bravos pareciam ser todos iguais, impedindo-a de subir a encosta.

Estremecendo, ela segurou o cesto contra o vestido cor de cereja. Custasse o que custasse, tinha de ser valente.

Repentinamente, algo fê-la parar. Um estalar de ramos a partirem-se, esmigalhados por passos fortes e pesados. Ela ficou gelada e voltou a cabeça, na direcção do som.

Era um homem de casaco espesso, botas pretas de cabedal e um chapéu de feltro bicudo com a pena de um falcão. Segurava uma bengala de cana de marfim, enquanto escondia a face oval por detrás de uma máscara branca.

- Quem ousou entrar nos meus domínios? Está aí alguém? O meu nariz não me falha! – Ele ergueu o rosto pálido, e ela conseguiu ver um nariz adunco de falcão. O velho bruxo de voz falsete e arrepiante era cego!

A boca de Sarvahdinada estava seca. Não tinha provado nenhuma das framboesas, embora as suas bochechas estivessem mais vermelhas que aquelas frutas pequeninas.

- Estou eu, meu senhor. – Respondeu ela, num fiozinho de voz.

A cara cansada do homem de trinta e tal anos fez um breve sorriso, ao inclinar-se diante dela.

- Uma pequena fidalga da Cidade dos Deuses, e ainda por cima jovem! Conheceria esse sotaque recatado em qualquer lado. – Ele sorriu para ela, como que a desculpar-se pela dureza da sua voz metálica. – Qual é a vossa graça, donzela?

- Chamo-me Sarvahdinada Di Neptunvs, sou a sexta filha do Nosso Rei. – Ela tremeu, tentando fazer uma pequena vénia.

Soprava no Norte um vento selvagem que ela nunca tinha visto nas costas quentes da Cidade dos Deuses. Fazia com que a sua volumosa trança se desalinhasse, e se parecesse com umas penas de um animal maravilhoso.

- Princesa! Eu sinto-me honrado. Uma pessoa de tão baixa condição, ostracizada da sociedade bellante como eu… – Ele endireitou-se num só momento, enquanto fazia uma vénia direita e formalíssima, dobrando as costas de forma perfeita e sem um único erro. – Que os Deuses a cubram de bênçãos.

Ela corou envergonhada, ao abanar a cabeça.

- Não. Eu sou apenas uma das filhas mais novas. Não devia fazer uma vénia assim tão formal como se eu fosse o príncipe varão.

O homem tirou a máscara, e ela ficou impressionada pelos olhos verdes lindos que adornavam o rosto pálido e efeminado. Contudo, as unhas das mãos eram longas e curvas, como as de um gato. O sorriso dos lábios tinha algo de falso, mas tentador, tal e qual o olhar de uma serpente.

- Não reconheceis este rosto, Vossa Graça? – Perguntou ele, num tom malicioso, sem qualquer sinal de agressividade.

Sem saber o que dizer – pois, por mais estranho que parecesse – a princesa encolheu os ombros nunca tinha ouvido falar do Assassino do Amor.

- Pois bem, devia lembrar-se! – Suspirou ele, numa voz distante. – Mas vinde comigo, não vos vou fazer mal…por agora.

- Porque haveria de fazê-lo? – Indagou ela, na sua inocência infantil. – O senhor tem cara de boa pessoa.

Então, ele envolveu-a com a capa quente de pele. Apanhada naquele enorme casaco, ela assemelhava-se a uma flor de lótus cor-de-rosa, delicada, apanhada por um corvo sinistro e lúgubre.

Sentindo um carinho que nunca tinha sentido antes, como uma rosa a desabrochar, ela sorriu, e agarrou-se à cintura esbelta e entroncada do homem de estatura forte.

No entanto, o Mestre Samiel não pronunciou uma única palavra. Ele gostava dos frutos bem verdes, e ela estava quase a desenvolver uns lindos frutos, como que laranjinhas doces.

Embora para ela, aquilo pudesse parecer uma amizade e simpatia, aquilo era um sinal de perversão e de uma mente suja! Se para os olhos doces e ternos de Sarvahdinada, aquela capa pudesse parecer-se com as asas de um anjo, na verdade, se alguém os visse, de certeza que não duvidaria que aquelas eram as asas negras de um morcego diabólico!

No entanto, quando ele tentou levá-la para a “casa” dele, a princesinha abanou de imediato a cabeça.

- Não! – Exclamou ela, um pouco a medo. – Eu tenho de voltar para casa, a minha mãe iria ficar preocupada se eu não voltasse a horas.

Subitamente, a mão grande e forte – como uma garra enorme – dele passeou no queixo dela, com um ar carinhoso e sedutor. O bruxo estava a hipnotiza-la, a ver se conseguia que ela fosse com ele para o castelo.

- Ah, mas ela não precisa de saber que Vossa Alteza está aqui comigo, ou precisa?

A pequena princesa recuou, assustada. Havia um estranho sorriso no rosto frio e calculista, o que fez com que ela sentisse um calafrio no seu coração. Como se alguém lhe estivesse a avisar para que não confiasse naquele homem. Os olhos, ocultos por debaixo do chapéu bicudo, davam a Samiel um ar inquietante e quase diabólico.

Lentamente, ela viu que as estrelas brilhavam no céu escuro sem lua. Cercada pelas sombras da noite, Sarvahdinada começou a ficar arrepiada na espinha.

Escutou uns breves passos atrás de si, e algo molhado e áspero lambeu-lhe as pernas. Antes que se pudesse virar, ela viu um tigre enorme, que era tão grande como ela.

Ronronando com um ar malicioso, o majestoso animal às riscas brancas e pretas veio ter até ao bruxo de uma fisionomia igualmente impressionante.

- Tigre da Escuridão, estás aqui… - O Assassino do Amor acariciou levemente o dorso do felino, que ronronava, como se tivesse acabado de devorar uma presa apetitosa. – Não temeis, Princesa Sarvahdinada, ele não vos morde.

Ela estava mais aterrorizada com a presença do homem de pesado casaco que lhe chegava até às botas reluzentes e pretas, que se assemelhavam a duas toutinegras de pedra dura esculpida. Engoliu em seco, cercada pelo animal selvagem e pelo seu arrepiante senhor.

Tremendo como varas verdes, a jovem ainda tentou pegar outra vez na cesta, mas não a encontrava em lado nenhum. O vento estava a ficar cada vez mais forte, e só lhe apetecia chegar a Suryadevnahutbal e ao aconchego das suas irmãs mais velhas.

Mas parecia que o pesadelo ainda mal tinha começado!

- A menina esqueceu-se de alguma coisa? – A voz anormalmente aguda tinha um tom falso e maldoso. Num estalar de dedos, o cesto de cachos das frutas vermelhas como o sangue, apareceram nas suas mãos enluvadas. – Estas framboesas são minhas, tal como tudo neste vale. Se as quiserdes, tereis de me dar algo em troca.

O que quereria ele em troca? Ela não tinha nada, a não ser as suas jóias e o vestido...ou pelo menos era o que a jovem de doze anos pensava!


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