segunda-feira, 28 de julho de 2008

A Crueldade do Tigre

Assustado com o possível risco de vida, Dirlent implorava, com lágrimas nos olhos avermelhados e entre tosses secas e graves para que Samiel parasse imediatamente de fumar.
Um sorriso frio e cínico bailou pelo rosto insensível. Novamente, um prazer quase pérfido surgiu na mente de Samiel enquanto matava aos poucos o subordinado.
Queria fazer provar ao coitado o sabor da morte mesmo até ao limiar da dor e da ruína. Não interessava como é que havia de o fazer, só desejava vê-lo, ali, estatelado, pálido, sem vida.
Mas, quando ouviu as palavras “criança bela e inocente”, atirou imediatamente a cigarrilha para o chão.
Samiel gostava mesmo de assustar Dirlent, porque, caso contrário, o duende desobedeceria deliberadamente às ordens do mestre. O bruxo sabia como os duendes eram indisciplinados.
No entanto, ao pensar nas palavras do lacaio, meditou um pouco, com o sobrolho carregado.
Ao estalar os dedos para que o ar fosse limpo numa questão de segundos, virou-se desconfiado, com as mãos postas sobre o tronco, e lançou um olhar gélido para Dirlent.
- Porque haveria de me interessar por uma pirralha vergonhosa? – Indagou parcialmente. – És um incapaz, Dirlent. Só me fazes perder tempo, ainda por cima mentes tão mal como fazes as simples tarefas que te peço.
A abjecta criatura limitou-se a balbuciar receosamente, qual carneiro prestes a entrar num matadouro:
- Mas…Senhor…Ela é a mais bela mulher que já alguma vez entrou por estas portas, uma verdadeira pérola do oceano Atlântico.
Samiel, já mais recomposto, e com o manto a roçar de novo no chão de pedra bem trabalhado, pegou nele com uma das mãos e cobriu o seu tronco, como se não estivesse a envergar uma demasiado fresca dalmática de seda preta, com bordados vermelhos elegantes e prateados. Enquanto encaminhava-se lentamente até à saída, acompanhado por Dirlent que o seguia mais atrás e pelo seu animal de estimação, parou durante um bom bocado e pôs uma das mãos compridas sobre o queixo glabro.
- Se a tal menina é assim tão prendada como dizes, porque não a trazes vestida a preceito até à festa do meu trigésimo quinto aniversário para ser recebida como deve ser? – Perguntou ele num tom sarcástico ao servo. – Ou achas porventura que ela será demasiado medrosa e tímida para enfrentar o Assassino do Amor, o teu poderoso senhor, Dirlent?
- Não! – Respondeu imediatamente o duende, cheio de medo. – Ela estará à vossa espera, meu amo, tal como todos os outros convidados.
Ao serem abertas as portas para o Mestre sair daquela divisão do castelo, ele lançou um último olhar frio para Dirlent, que se arrastava pateticamente pelo chão de pedra, ainda de joelhos, com medo que o impiedoso patrão o obrigasse a andar assim sempre na sua presença.
- Ah, e não te esqueças de dar um banho ao Tigre da Escuridão. – Enquanto dizia isto, acarinhava o pêlo branco das costas do seu fabuloso animal. – Não quero que os convidados pensem que sou um bárbaro malcriado só por não tratar do meu lindo e magnífico rapaz.
Acabando as suas ordens que tinha para dar ao criado, o frio feiticeiro desapareceu por entre as portas de carvalho, deixando Dirlent sozinho com o feroz felino. Certificando-se que o cruel Samiel já tinha ido embora, Dirlent suspirou aliviado, mas um pouco temeroso. O duende sabia o quanto aquela fera o detestava, e, sempre que dava um banho ao tigre, acabava mais molhado que o próprio “gatinho de estimação” do patrão.

2 comentários:

Anónimo disse...

Instigante, intrigante e um final com um toque de humor especial.

Mia Rossi disse...

A crueldade do tigre bom titulo até porque eu adoro animais e por isso tive curiosidade de ler o post até ao fim. O teu blog é fantástico parabéns e obrigada pelos comentários no meu