segunda-feira, 12 de maio de 2008

O Senhor do Castelo (Parte II de III)

Quando, por fim, ele se viu a sós com a rapariga, ele olhou-a com um ar encantador.
- Vamos comer qualquer coisa? – Perguntou, numa voz que podia passar por gentil, e estendendo uma mão a Eleonora, que ela não aceitou. – Então, Princesinha? Não é preciso teres medo de mim, de momento, a única coisa que eu estou interessado em provar é o meu pequeno-almoço normal. Podias esquecer as nossas divergências durante algum tempo e tomar qualquer coisa comigo. Afinal de contas, depois de um mês sem comer absolutamente nada de jeito, deves estar com muita fome, não é?
Eleonora sentiu uma onda de irritação e ultraje a invadi-la, mas expulsou-a, rapidamente. Precisava de estar calma e pensar claramente, e, logicamente, não conseguiria fazê-lo de barriga vazia. Para além do mais, pelo que tinha visto daquela demonstração de raiva do senhor do castelo, ele parecia ser bastante cruel e severo para com os seus escravos!
Deu a mão ao Assassino do Amor, como se toda aquela confiança fosse normal e aceitou o convite dele.
Logo que viu que ela estava segura que não lhe faria mal, Samiel assobiou alto cinco vezes e em cinco segundos, apareceram, vindos de uma porta escondida através dum retracto do pai do senhor daquele castelo, a levitar assombrosamente, dois tabuleiros com três pratinhos de porcelana dispostos em cada ponta, cada cinco fatias de pão quente, acabados de aquecer. Uma baixela de mousse de chocolate veio logo, juntamente com uma jarra de cristal, com sumo de laranja.
Mal desse conta, já toda a comida estava pronta e posta na mesa por aqueles criadas invisíveis, que não passavam de fantasmas das muitas raparigas que o terrível Assassino do Amor matara, apenas com um feitiço muito difícil e complicado fora possível tornar o ectoplasma destes seres deprimentes de forma a que não se visse.
- Desejas um pouco de açúcar e chocolate no teu leite, Eleonora? – Perguntou ele, naturalmente, numa voz simpática, como se fosse normal que uma ondina, ainda por cima uma filha de Neptuno, tomasse o pequeno-almoço com um terrível e maléfico bruxo.
Lambendo os beiços de satisfeita com a torrada com manteiga que tinha comido com grande apetite, a rapariga anuiu timidamente.
O que é que ele queria...?
Estava com algum medo, e era natural. Afinal, ele estava a tratar-lhe como uma igual, e isso era raro na personalidade arrogante e egocêntrica de Samiel.
Por que é que ele não a desprezava, ou dizia coisas vergonhosas a seu respeito...?
Seria muito mais fácil aceitar essa realidade do que a que estava a viver realmente; e, apesar de ser corajosa, só esperava que Indra e Anúbis viessem o mais depressa possível para a irem buscar!
- Sim, pode ser. – Disse ela, nada nervosa.
- Muito bem. – Disse ele calmamente.
A seguir, olhou para o açucareiro e para a baixela de prata e chamou alto, fazendo sinal para eles se aproximarem:
- Açúcar e Chocolate! Venham cá.
Eleonora nem pude acreditar quando a baixela e o açucareiro ganharam vida de novo e levitaram alegremente, quase como crianças irrequietas, até ao copo do gentil anfitrião, que agora, nem parecia o mal-humorado feiticeiro de pedra que há pouco tempo mandara os seus lacaios embora.
Ele sorriu levemente e abanou a cabeça, resignado e, com uma cara que podia passar por a dum homem compreensível.
- Não! – Riu-se honestamente. – Sirvam a nossa encantadora convidada primeiro, minhas chinesinhas incompetentes. Já deviam saber isso.
Num momento inacreditável, ele deu um beijo suavemente na palma da mão da princesa, e acrescentou, num tom gentil:
- Nem que procurassem em todos os cantos do Universo, mulheres idiotas, conseguiriam atingir a beleza e castidade desta adorável e nobre menina.
Eleonora sentiu-se profundamente revoltada e dirigiu o olhar para outro lugar que não o rosto de Samiel.
Ele admirava-a!? Como poderia ser lá isso, se ele detestava todas as Fadas, Deuses e tudo o que fosse benéfico e divino?!
Estava a acontecer tudo como no caso de Eris e do Assassino do Amor…E, no entanto…Não! Samiel nunca era honesto.
As mãos invisíveis dos fantasmas pegaram cuidadosamente no açucareiro e na baixela, estenderam-nas de forma silenciosa até ao tabuleiro de madeira da rapariga.
- Diz-lhes que chega quando não quiseres mais, Princesa. – Aconselhou Samiel com um ar bem disposto. – Depois de acabares o leite, gostaria imenso que me acompanhasses num passeio pelo meus domínios e tivesses uma palavrinha comigo...
Eleonora apenas cruzou firmemente os braços; bastante aborrecidos e retorquiu num tom de desafio:
- Ah, sim! Pois, claro. Eu gostaria imenso de falar com um bruxo velho, feio e mau como vós, ò arrogante e fantasioso Assassino do Amor!
A ondina esperava uma ameaça ou insulto horrível por parte do feiticeiro, mas ele, em vez disso, bateu palmas entusiasmadamente.
Com um sorriso, bebeu um pouco de Frambinam rapidamente, engolindo de forma muito perturbadora a bebida alcoólica.
- Bravo, Eleonora. – Disse ele satisfeito. – Afinal, também consegues ser sarcástica.
Por esta altura, já a princesa começava a ter dúvidas se o Assassino do Amor realmente era um monstro sádico e sedento de poder ou um bruxo com um coração de manteiga.
As faces de Eleonora coraram de pudor, enquanto bebia o leite com ambas as mãos nervosas.
Engoliu duma só vez o doce leite, que tinha um aroma divinal a pêssego e canela, com o qual ela ficou quase que relaxada e olhou para os olhos verdes de Samiel, escondendo timidamente as mãos debaixo da mesa.
- Desculpai se foi isso que as minhas palavras vos pareceram. – Disse num tom defensivo e humilde. – Não queria, de maneira alguma, ser admirada por vós.
Ele estava a ser tão simpático e querido para ela...! Não podiam haver dois homens no mesmo corpo! E isso, assustava-a imenso. Ainda mais do que o próprio aspecto dele. O facto é que com ele, tudo era imprevisível, ele nunca fazia o que realmente se esperava da sua parte. Era esse o terror que o perverso Mestre Samiel influenciava nas pessoas: não há nada mais assustador do que não saber o que é que o destino nos reserva...!
Para além de Indra e dos guardas, ela nunca tinha visto um homem a sério em toda a sua vida – muito menos um bruxo – o que a mantinha numa posição ainda mais ingénua e ignorante. Apesar de demonstrado ter muita fibra e valentia, estava com receio que Samiel a pudesse apanhá-la nas suas garras.
Foi obrigada a admitir que ali, ele era o senhor, e ela, apenas uma mera rapariga, que Samiel poderia muito bem assassinar num piscar de olhos, ao virar duma esquina, e ela, neste caso em particular, estava em desvantagem.
Quase que virando o leite, aceitou a proposta com um anuir humilde da cabeça, mas lançou-lhe um olhar desconfiado.
- Só depois de me prometerdes que não tentareis violar-me. – Um sorriso de desafio apareceu de repente no rosto de Eleonora.
- Isso será uma promessa difícil de cumprir, minha querida. – Respondeu o bruxo, retribuindo com um sorriso matreiro, mas um pouco levado na brincadeira. – Mas não te preocupes, que eu não te quero fazer mal, és a minha convidada, afinal de contas.
De súbito, ela deu – por sua própria vontade – um beijo brincalhão no rosto desfigurado do bruxo, com um sobrolho levantado, mas com um sorriso amarelo nos lábios femininos.
Seria…?

1 comentário:

Anónimo disse...

Flertes picantes no mundo dos bruxos... hummm! Como você disse; "Será?"

Vamos ver.