domingo, 10 de outubro de 2010

A Bela Fragrância e Azul Esverdeado





As escarpas dos maiores picos eram bem definidas pelo cor-de-rosa do crepúsculo, formando lindas gigantescas rosas como única paisagem, e, bem no fundo, na beira do precipício, as fantásticas quedas de água do Rio Bênção, cujas margens estavam cobertas de um manto verde e fresco, colorido pelas luzes românticas da madrugada, formando um lindo cenário natural. Estávamos no pique do Verão, porém ela agachava-se bem quente sobre o manto verde-escuro, escondendo, com inocência, a sua carinha amarela e pálida.


Havia uma certa magia em todo aquele sítio que a fazia sentir-se bem, tudo era tão inclinado, e apesar de ver perfeitamente que aquele caminho era o mais perigoso até à Bellanária, com apenas a uns centímetros de uma queda de cem metros até aos poderosos rápidos, que corriam violentamente contra os penedos e rochas duras que esculpiam o cenário do desfiladeiro que constituía o leito do rio. Nunca, em toda a sua vida, ela tinha visto tamanha força num só rio!... O poderio e majestade dele fascinavam-na tanto que nem reparava no irmão mais velho, que olhava de relance, desinteressado, para a janela.


Quing viu que os seus brilhantes olhos verdes se espelhavam bem lá no fundo do desfiladeiro, e lhe davam um ar brilhante azul esverdeado aos seus cabelos escuros. Fen Li era uma rapariga muito jovem e interessante – era óbvio, era a sua irmã – e com os seus treze anos, poderia muito bem ter arranjado o melhor dos maridos, com aqueles cabelos de lótus negro, penetrando bem dentro do seu coração. Ela era suficientemente simples – uma miúda de campo nunca é inteligente, segundo os princípios dele – para que um senhor de guerra a aceitasse como principal mulher. Mas, tão pouco seria assim tão ingénua quanto belo era o novo visual do novo lar deles. Era inteligente, era, porque sabia demasiado bem como falar Bellante, como também conseguia preparar óptimos cozinhados. A jovem escrevia como ninguém, e, para ser realmente franco, ela era muito melhor espadachim, cavaleira e guerreira do que ele próprio.


Quem lhe dera que não fosse tão lógica, tão forte, … Mas ela era assim; mesmo mais nova do que ele uns bons três anos, Fen Li estaria sempre a um passo à frente dele.




O cocheiro parou de repente os cavalos alados numa saliência, numa espécie de planalto de granito, onde se podia avistar um vale grande e inóspito, por onde o rio era desviado até a uma gruta, suficientemente enorme para o engolir, até às Florestas de Cristal. O ar ali era rarefeito, mas muito mais puro do que na capital, e, por isso, os ciprestes formavam uma muralha natural até lá. Ainda se podia apanhar o cheiro a laranjeiras e framboeseiros que de lá vinha. Era realmente um cenário lindo, pensou Quing enquanto ponha as mãos sobre os bolsos da túnica oriental, dirigindo os seus olhos para o vale, aspirando profundamente o cheiro a eucaliptos.


O cocheiro, com o seu quimono simples, arrastou a jovem rapariga até si, mas, os olhos verdes e rasgados do irmão mais velho apareceram sobre ele, como duas lanternas no meio da madrugada, e rapidamente, o velho cavaleiro japonês fez um gesto com as mãos.


- Jovem mestre Quing, eu não queria desonrar a vossa irmã, de maneira alguma, ela é mais do que uma formosa obra de arte, é uma espectacular obra de arte viva! – Exclamou, ardentemente, o cocheiro, recuando servilmente.


- Sim, mas não sereis vós quem há-de a ter como esposa, velho ronin deserdado, vagabundo! – Cortou friamente o irmão, contendo a espada na bainha.


Imediatamente, Fen Li interveio, preocupada, aproximando-se de ambos os dois, pondo uma das mãos de fora do manto verde-escuro, revelando um pouco da sua linda túnica azul-claro, que adelgaçava as curvas das suas ancas, desenhado através de seda, e com lindas, graciosas linhas douradas, de peixes e de dragões verdes. Os bracinhos estavam ocultos por detrás das longas, delicadas mangas, e os seus olhos negros brilhavam sobre a manhã fresca, como duas oliveiras.


- Por favor, honrado irmão. – Disse ela, serenamente, na sua voz de rouxinol, o cabelo estava apanhado por umas duas tranças lindas, que faziam ainda mais belo o seu rosto. – Temos de continuar, ou quereis derramar ainda mais sangue do que a nossa mãe quis?


Ao som em Chinês da palavra “Mãe”, o jovem aprendiz de guerreiro calou-se, em silêncio, porque sabia, sabia muito bem porque é que a mãe lhes tinha mandado para ai. Um arrepio passou-lhe pela cara, e lembrou-se de como a mãe tinha sido generosa ao enviar-lhes ao cuidado de um tio que nunca tinham conhecido em toda a vida. Estava habituado a ter parentes em sítios que nem sequer faziam parte das rotas migratórias chinesas. O que tinha sido combinado entre a mãe e o vagabundo samurai era que caso os miúdos não quisessem ir para a Bellanária, ele teria o direito de lhes trazer até à Fronteira, a Terra dos Demónios. E não estavam assim tão longe do caminho para o sinistro reinado de Tsesustan. Temia pela irmã, e temia também o que é que lhe poderia acontecer se o Deus do Mal lhe pusesse os olhos em cima.


Apenas rezava que tal desgraça nunca acontecesse…!


Acenando que sim com a cabeça, ordenou ao Cocheiro para que lhes transportasse até Cyborg Town, onde o desfiladeiro ficava mais largo, para que os rápidos acalmassem. Fen Li, por uns momentos, enjoo, quando o desceram uma escarpa, de maneira súbita, mais veloz e abrupta que um relâmpago, tão sibilante quanto o rugido de um tigre. Mas logo Quing acalmou-a, protegendo-a com os seus braços. Adorava-a, e jamais permitiria que algo de horrível lhe acontecesse.


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