quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Um jantar amargo com falta de amor (Parte II)


Sacrifício a uma Divindade de Caracóis


Como? Como? Como?

O sangue já se esvaia

Das minhas veias


Mil mortes sofri

Num manjar,

De um milhão de ceias –

O teu corpo faz-me escaldar,

Quantos sofrimentos eu permiti,

Por causa de Ti!


- Não me ouves? – Pergunto eu,

Não me sentes,

Quero aquilo que é meu,

A adaga já arranca

O teu inocente coração

E a minha sinistra mão


To oferece, a deleitosa dor,

Nada mais, para sustentar, sussurrar, esfregar,

Tal implacável,

Inconsolável,

Desmesurado,

Destroçado amor!

Coisa mesquinha não és,

És homem, anjo, Deus,

Deus, anjo, homem,

Não retires os beijos

Que são meus…


Partilharemos uma eternidade

De horríveis torturas,

Necessárias

Sanguinárias mesuras,

Para sustentar a nossa sensualidade!



Excerto da antologia de poemas “Princesas e Altares de Sangue”, da autoria do Assassino do Amor

Tentou aproximar-se com alguma precaução, pé ante pé, não fosse o anfitrião, num ataque de fúria, expulsá-lo do castelo pela força.
A voz aguda e falsete de Samiel fez-se ouvir em soluços patéticos e quase desesperados:
- Quem está aí? Deixai-me só, com o meu miserável ser!
- Rwebertan, meu jovem. – A voz de Neptuno era velha, mas com um carinho quase paternal, e um pouco preocupada, que coincidia com uma barba longa e cinzenta. Os olhos castanhos e preocupados do atlante vislumbraram um jovem homem de trinta e quatro anos a bater contra o espelho. – O que se passa convosco? Parece que vistes o espectro da minha sobrinha.
O feiticeiro tentou desajeitadamente arranjar a gola do casaco, virando-a contra a corrente de ar, e, no aroma anticéptico da grande casa-de-banho envidraçada com murais de amor, lançou um olhar rígido e severo contra o semideus.
- Vossa Majestade, não tendes nenhum pretexto para vir ter aqui e perguntar-me o que devo ou não ver! – Replicou ele num tom mais adulto.
Neptuno fechou os olhos lentamente, e, de repente, virou as costas, meio desiludido, meio desenganado da reacção do outro homem mais novo.
Baixando a cabeça num ar funesto, comentou baixinho:
- Por uns momentos, criei o falso fundamento que estivestes com remorsos de tudo o que tem acontecido.
- Eu? – Foi a vez de Samiel ficar verdadeiramente surpreendido. – Porque razão haveria de estar?...
O velho soberano baixou os olhos castanhos, e, fixando-os nos do bruxo, sorriu amigavelmente.
Aproximou-se um pouco do jovem, e, num ar sábio, deu-lhe uma palmadinha nas costas, como se não fosse nada, soltando uma expiração longa e demorada.
- Ainda sois o rapaz ingénuo e enamorado pelas coisas boas da vida que éreis antigamente, Rwebertan. – Os seus olhos tornaram-se sérios. – Dizei-me a verdade: estais apaixonado pela minha filha Eleonora?
- É claro que sim! – Exclamou Samiel, pondo o olhar mais gélido que conseguiu arranjar. – E já agora também fui eu que tive a ideia estrambólica de realizar esta festa! Ora, Vossa Majestade, sede sensato.
Lavando com notória indiferença as mãos e a cara ao lavatório, o senhor tenebroso daquele castelo acrescentou com um ar pedante:
- Sede honesto; achais que perderia o meu tempo como coisas como bondade e hospitalidade, quando é o futuro da Bellanária que está em causa? Estou farto de estar rodeado por idiotas.
Ao se explicar as razões porque é que estava a detestar aquela festa de aniversário – as mais óbvias, porque as secretas, jamais as contaria – e depois, voltou para a sala de jantar, juntamente com o rei.
Enquanto comia, os olhos e mal a sua boca seca mal falava, como se estivesse morto, como se quisesse mandar todos embora.
Indra e Anúbis ficaram um pouco confusos naquele momento, sem saberem como reagir à frieza de Samiel, e, era estranho, porque ele não esboçava nem sequer um único sorriso.

1 comentário:

Anónimo disse...

Hummm! O que será que ele estará aprontando?

Vamos aguardar.