Muita gente ajuntou-se
perto da estação de Losjafhden (que se podia pronunciar de várias maneiras, mas Fen Li e Quing chamavam àquela terra de Lishay-tēn), cuidadosamente, mas com curiosidade, para observar e saudar,
gentilmente, Quing e Fen Li, que iam de mãos dadas com o experiente guerreiro;
a maior parte das gentes bellantes eram de estatura baixa ou média, não
atingindo mais que o metro e setenta de peles morenas e delicadas,
verdadeiramente felizes, com sorrisos pacíficos auspiciando bondade, humildade
e uma honestidade que era espelhada dos seus olhos negros, brilhantes. As casas
das vilas e aldeias tinham telhados de cobre e bronze, as casas dos burgueses,
tal como a dos camponeses, eram enchidas de várias pinturas coloridas alusivas
à rica fauna que prosperava sobre os vales daquelas montanhas fora, giestas
florescendo em várias camélias cor-de-rosa, sobre flores de lótus vermelhas, em
fundos brancos e azuis, em pedra magnifica de mármore e tijolo firme, reluzindo
ao sol fraco.
O
que não mudava definitivamente eram as vestes. Estas eram uma espécie de togas
cor-de-laranja, brancas e azuis, com faixas aveludadas numa cor de cereja,
macia, e quente, o traje típico da Bellanária, juntamente com túnicas
verde-claras e leves de seda. Todos, naquela terra, segundo explicava
pormenorizadamente o Cocheiro, eram Sjhataram,
que, na língua natal da ilha significava “Filhos e Irmãos dos Deuses”, uma
religião antiga, dedicada aos Deuses que realmente consistiam dez por cento da
população bellante.
Existia
um sistema de protocolo muito rigoroso, quando se referia aos Deuses, a própria
linguística bellante, muito semelhante às línguas tonais asiáticas, tinha um
bizarro e complexo número de pronomes pessoais. Os Deuses escreviam e falavam
de uma maneira completamente diferente dos camponeses, aldeões, cidadãos
humanos, tal e qual como acontecia com as Fadas, as Kinnaries, os Demónios, os
Grifos, os Centauros e os Feiticeiros. Cada um tinha a sua própria língua
bellante.
«Na verdade, não há uma língua bellante
básica, a não ser a dos Humanos, é claro, que se chamam por aqui pelos Aosbelsi, os
“Homens da Bela Terra”. Existem vários tipos de línguas bellantes, mas
aconselho-vos a aprenderdes a língua dos Aosbelsi, que é a mais fácil e mais
falada entre os povos e várias raças da ilha.» Existia um registo
cerimonial para cada raça, fosse ela Fada, Feiticeiro, Demónio, Humano, Grifo,
Centauro, criaturas sagradas ou até mesmo os Deuses.
Surpreendentemente,
os poucos Demónios que tinham encontrado no caminho falavam num Bellante
convencido e muito carregado nos K’s e nos C’s e H’s, o que era normal entre a
gente da montanha, com um dialecto muito próprio das zonas da Sibéria e da
Rússia, ou talvez mesmo da Índia, com um tom alentejano, com um ar muito
informal e rude. As Fadas tinham um ar muito europeu, acrescendo muitos S’s e
T’s portugueses, com cabelos de cores variadas e tons diferentes, dando do
ruivo pálido até ao louro cor de leite e até parando no amarelo tailandês. Os
Feiticeiros eram geralmente europeus ou com ar americano. Havia uma diversidade
de etnias que ultrapassava os conceitos de tradição e conservador da
Bellanária. A pronúncia mais comum entre os Humanos bellantes nativos perante
os estrangeiros era semelhante a de um Português arcaico expandido em Latim,
com traços de Chinês, com uma mistura e nuances de sumério e hebraico.
Para além disso, todas as
classes em dias vulgares tinham de se vestir de igual para igual para não haver
distinção entre nobreza e povo. A realeza e a família real promoviam a
igualdade e fraternidade entre classes sociais e estados, para que o Reino
fosse mais unido. Apesar de assemelhar a uma sociedade bastante hierarquizada e
estratificada, a Bellanária não criara as suas típicas formalidades e salamaleques
para fazer frete e ficar bem diante do mundo antigo; as intenções de todas
estas ancestrais tradições era apenas para cultivar a humildade e respeito que
havia entre todas as classes.
Para
grande espanto dos dois jovens, a maior parte das casas eram feitas de
madrepérola, arroz cintilante de estrela, e cimento de tijolo, à medida que se
aproximavam das ruelas e vielas dos arredores, viam que estas tinham um aspecto
incrivelmente limpo e as portas estavam todas abertas; nem sequer existiam
muralhas para defender a pequena Vila de Losjafhden, que ficava a dez minutos
de Cyborg Town, e era um enchido de bairros bem catitas, com todas as
bandeiritas bem colocadas. Quing foi o primeiro a tentar inquirir sobre a
questão, olhando de baixo a acima, andando nos passeios da calçada.
-
Aqui, as pessoas confiam muito umas nas outras, não há demónio algum que não
faça a saudação nacional antes de entrar numa casa de gente civilizada, por
isso, a delinquência é muito rara. Os campos são irrigados com a ajuda das
monções de Outono, tudo se aproveita e se poupa, não há lugar para a luxúria,
mas a beleza e riqueza de detalhes é admirada por todos os artistas e
arquitectos Bellantes, em todos os Cinco Reinos. – Explicou o Cocheiro, parando
os cavalos perto de uma moradia que albergava uma imensa família de árabes,
mais a família do cocheiro, ornamentada com pérolas e ouro. Até os mais pobres
eram ricos naquela ilha.